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quarta-feira, junho 06, 2018

Jornalistas! Presente!


Audálio Dantas, um jornalista com alma de poeta

Por Joaquim Ferreira dos Santos

O jornalismo é feito o samba do Nelson Sargento sobre um grande amor em perigo — agoniza mas não morre. É por isso, depois de um maio com muitas perdas, que se deve dizer apenas um breve “descansa em paz” para Audálio Dantas, o grande repórter da geração de ouro da revista “Realidade”. No dia 30, ele fez a passagem desta para uma outra edição.

Que seja suave seu encontro com os coleguinhas que também já preencheram as laudas do tempo, desceram às oficinas mais profundas desta existência impressa em off-set e não podem mais, por esse motivo de força maior, participar dos plantões de fim de semana. O prazo da matéria encerrou. Só há espaço suficiente na página para agradecer às fontes exclusivas por tantos furos em off, dar uma olhada de soslaio na estagiária de calcanhar sujo e fechar este caderno. Aproveitando a distração do ombudsman, pode substituir o ponto final seco do jornalismo moderno pela vibração vintage e agradecida de muitos pontos de exclamação!!!!

Ganhava-se pouco, mas era divertido e chegou a hora de disparar ao mesmo tempo o teclado de todas as Remingtons da Redação, jogar para o alto todas as bolinhas de papel de lauda que estiverem à mão, e saudar Alberto Dines, o editor do “Jornal do Brasil” nos anos 1960, também ido em maio para algum outro desafio. Risque-se com tinta alegre o seu nome do “seboso”, o fichário com os telefones de jornalistas e fontes, uma peça de higiene tão precária que um dia, décadas depois de uso coletivo na Redação, amanheceu com a inscrição na capa: “Interditado pela Saúde Pública”.

Todas as pautas foram cumpridas por Dines, entregues ao chefe de reportagem com duas cópias em carbono e no dia seguinte registradas com a glória da chamada no alto da primeira. Que vá em sossego. Quando encontrar o Zózimo Barrozo do Amaral, sua cria, devolva-lhe com carinho a pergunta que ele transformou em bordão de jornalistas. Ao chegar na roda do cafezinho, o elegante colunista social perguntava: “E aí, come-se alguém por seu intermédio?”.

Não há mais textos para copidescar, velho Dines, nenhuma necessidade de pegar a caneta esferográfica e cortar expressões rebarbativas como “via de regra”, “decúbito dorsal” ou “valente soldado do fogo”. O grande trabalho acabou. No sutiã do seu obituário, a linha solta que o “JB” inventou para segurar a manchete, o redator-chefe das estrelas universais escreverá “o jornalismo nunca mais foi o mesmo”. Que essa despedida para longe do seu observatório de imprensa se faça ao velho estilo das noites de sexta-feira. Diante do “pescoção”, a tarefa hercúlea de fechar os jornais de sábado, de domingo e de segunda-feira, os jornalistas, ainda sob a eufórica liberdade do politicamente incorreto, abriam garrafas de uísque por todos cantos da Redação. Só assim, calibrados, partiam na medida e nada mais para realizar a maratona de títulos no formato 3 linhas de 13 toques.

Alberto Dines, o olhar da resistência no jornalismo

Outra garrafa de uísque deve ser aberta em honra a Giuseppe Amato, que também em maio cobriu pela última vez sua Olivetti Lettera com a capa de plástico e deixou de machucar as pretinhas, o jeito não pedante de um jornalista evitar o verbo “escrever” e ao mesmo tempo uma referência brincalhona, ainda sem risco de ser policialmente interpretada, às teclas escuras da máquina. Quando chegava no andar da Redação, o ascensorista do prédio do jornal anunciava “Parque de diversões!” e Giuseppe Amato, às vezes vestido com a camisa do Fluminense, às vezes chamando alguém de “velho atrasador de jornais”, era mais um dos motivos dessa alaúza. Havia também quem pautasse o repórter estagiário para ir ao Zoológico e entrevistar seu novo diretor, o Dr. Leão.

Se Giuseppe Amato era um italiano que sonhava ser um malandro carioca, o português Borges Neto, seminarista na adolescência, cruzava a Redação com a paciência de um diácono. Estava convencido de que praticava os mandamentos de Deus revisando com rigor carinhoso o mau uso da língua, caçando cacófatos, pleonasmos, redundâncias e a abundante clicheria embutida no “tresloucado gesto”, no “pranteado pai” e no “batalhão de fotógrafos”. Sua Bíblia era o dicionário. Um dia colocou a mão sobre ele e pediu ao repórter, em nome de uma santíssima trindade do jornalismo formada por Joel Silveira, Paulo Francis e Pompeu de Souza, que evitasse a desgastada expressão “rosto novo” — a não ser que o assunto fosse cirurgia plástica.

Eram grandes jornalistas os que se foram em maio. Se questionados pelo chefe de Redação com o clássico “Temos isso?”, todos responderiam com a eficiência do “Temos mais”. Destacaram-se em Redações onde hoje a dura realidade do mercado de notícias exige foco radical no profissionalismo e não permite tamanho repertório de folclores divertidos. A esses craques da pirâmide invertida, da entrevista ping-pong e do salário-ambiente juntou-se, também em maio, a doce figura de Ramiro Alves, liberado de cumprir a escala de plantões terráqueos desde o dia 24. Descansaram e aqui vão esses 4.142 caracteres em homenagem. O resto é calhau, barriga, fake news. O samba, o grande amor e as Redações até agonizam. Não morrem. Transformam-se.

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