Por Ivan Lessa
E lá se vai embora de novo minha
filha para esquiar. Desta vez, vai com a mãe, via Club Mediterranée, não é tão
caro quanto possam pensar, fico eu cá, mais uma vez, “de cigarra”, conforme se
dizia no meu tempo, sozinhão em casa por oito dias, neste abril que já começa a
fazer olhinhos, brincando de primavera.
Volta e meia eu venho e escrevo
esta crônica de solidão. Gozado. Em português do Brasil, solidão sempre foi
meio sinônimo de fossa, depressão, beirando sambas tristes da Nora Ney ou
Dolores Duran. Independente da óbvia preocupação – eu sou o “óbvio preocupador”
–, solidão pra mim sempre foi sinônimo de contentamento, quase mesmo, queria
dizê-lo, de força. Ouvi alguém algum dia dizer que o homem só é o homem forte.
Se é verdade, eu estou rachando tijolo ao meio com peteleco. Manjo de solidão.
Passei algumas das melhores horas, dias, meses e anos de minha vida na base
daquele velho bloco do eu-sozinho.
Começou cedo. Lembro-me de mim
mesmo, muito garoto, mamando cada segundo do dia em que não tinha ninguém em
casa para o almoço, a não ser eu e aquela instituição que se foi, chamada
“empregada”. Vinha o bife a cavalo, bem malpassado, com fritas, e um copão de
limonada na frente – copão onde eu apoiava o gibi e tome Capitão Marvel,
Ferdinando, comer de boca cheia e mastigar menos do que o recomendado pelos
pais. Lá fora, de quebra, a praiona de Copacabana, onde, como tudo mais em
minhas lembranças, havia menos gente, as ondas eram mais gentis, a água mais
limpa, o sol mais luminoso.
Depois, então, pegar um cinema do
lado. Cine Rian, sessão das duas. Os filmes eram melhores e, de minha posição,
esparramado na terceira fila, comendo caramelos Busi, não vinham fora de foco,
e até mesmo o jornal cinematográfico brasileiro, exibição obrigatória e com
certificado de “boa qualidade”, tinha sua graça, quando mostrava algum parente
do Luis Severiano Ribeiro sendo agraciado com esta ou aquela outra
condecoração.
Depois do Rian, eu, jovem
cigarra, ou voava para outro cinema, para pegar a sessão das quatro, ou então,
mais provável, dava uma subida em casa – casa era em décimo andar –, botava o
calção, pegava a bola de vôlei, que era a oficial para futebol de praia, e me
mandava para as areias cálidas da princesinha do mar. Uso o clichê
deliberadamente: eram cálidas, era princesinha do mar.
Aí entrava, entravam, os outros:
futebol é esporte de equipe, claro. Mesmo para a linha de passe, que era, pra
ser franco, de que eu mais gostava. Mas tinha um jogo que eu jogava comigo
mesmo, ali na praia, Copacabana, Posto Quatro e Meio. Seguinte: eu ia pra
beirinha do mar e, dependendo da condição das ondas, que tinham que estar meio
por sobre as fortes, chutava a bola bem no meio da arrebentação – isto é, onde
as ondas poeticamente se quebravam. E vinha a bola branca, número cinco, como
se pegando jacaré na onda. Eu tinha que pegar a bola, como um goleiro
defendendo um pênalti. Claro que eu era um goleiro do Botafogo, talvez o
Oswaldo Baliza, que era o da época, e a bola vinha chutada pelos grandes
inimigos de então dos outros times: Lelé, do Vasco; Perácio, do Flamengo;
Rodrigues, do Fluminense – todos donos de petardos violentíssimos. Em geral, eu
ganhava. Afinal, era equipe, juiz e torcida ao mesmo tempo. Depois – depois o
quê? Assobiar e cantarolar baixinho letra de fox, lançar olhar longo e cobiçoso
sobre as balzaquianas de 16 ou 18 anos.
Hoje, um pouquinho mais velho,
sozinhão, bato uma bola diferente: essa de ficar no gol defendendo os pontapés
do passado. Frase que, por falar nisso, tem todo ar, cheiro e gosto de coisa de
antes dos anos 50.
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