Por Joaquim Ferreira dos Santos
Querido Moacyr Luz, compositor da
pesada, cronista de responsa do que vai ao derredor do ovo cor-de-rosa nos
bares cariocas. Você vai me desculpar essa pamparra abstêmia mas é o seguinte:
dezenove nunca foi vinte. Aperte os ossos, teu culto é nosso. (Só não te
pergunto que time é teu porque te sei rubro-negro macho.) Sente o drama, Môa:
sou brasileiro, estatura mediana, me gustan las ninfas nos afrescos do Milton
Bravo, me gusta el “Perfume de gardênia” no jukebox, me gustan os tempos em que
se chamava cerveja preta de barriguda. Tirante tal, não leve a mal.
Não posso aceitar seu convite
para escrever sobre os bares do Rio. Botequim é coisa séria. Me falta Jurubeba
nos canos, percebe? Sou um Tarzan depois da gripe, nem a Caracu com ovo deu
jeito no raquitismo físico e intelectual. Um garoto bokomoko do guaraná
Antarctica que das pingas não entende abacate. Quem me dera traçar um quinado,
mandar descer aquela que matou o guarda e jogar o primeiro gole ao santo no
canto de tamanha complexidade.
Deus que te livre do ridículo de
um Zé Mané desses aqui, mais para Steinberg do que Steinhager, mais para
Spielberg do que Underberg, doutorar qualquer linguiça frita e linha mal
ajambrada no livro que tão bem costuras sobre nossos Cafés de Viena, os
botequins. Estou mais por fora que o “Bunda de Fora”, aquele bar na Ponte das
Tábuas, tão pequeno que você entra e, foi a Leila Diniz quem percebeu, o
buzanfã fica lá na calçada. Podes crer, grande Môa. Erro de pessoa.
Não bebo, não fumo, não cheiro e
só minto por obrigação, por saber que é ofício dos que vendem cachaça em
palavras, quando escrevo crônicas ligeiras sobre os costumes nacionais. Valeu a
intenção. Anexo com orgulho teu convite aos itens primeiros do meu magro
currículo de gemada com vinho do Porto. Te benzo em agradecimento com a
serragem dos bares da Central, te acendo uma vela aos pés do São Jorge de
azulejo que comprei do espólio do Penafiel da Saúde, te bafejo nas fuças a
fumaça de um Caporal Amarelinho, te meto em louvação uma ficha na jukebox que
me vai sempre nas internas e te ofereço Jorge Veiga cantando “Garota (com o
umbiguinho de fora) de Saint-Tropez”. Peço a Deus que te mantenha conservado em
neve como se saído da serpentina do Adónis, de São Cristóvão.
Seguinte. Pode parecer papo de
bêbado, mas vou repetir os tremoços. Botequim é coisa séria e é só por isso que
me calo. Me falta para professorar o calo no cotovelo dos que tomam chope em pé
no balcão. O Jaguar tem. Pega só. Sou um ignorante e qualquer um já notou isso
naqueles segundos a mais que levo para responder se na pressão, se com
colarinho. Mínima idéia. Grego. No máximo aprendi, em meio a uma saraivada de
croquete de carne com Malzbier no Petisco da Vila, ouvindo o Perna, teu vizinho
aí da Muda, que “barata não atravessa galinheiro”. Parecia frase de Confúcio
bêbado, mas tinha mais inteligência que o Lula sóbrio.
Acho que você está de acordo. O
Bar Brasil fechou. Não o da Mem de Sá, com seu schiniti e lentilha garni sempre
no capricho. O Bar Brasil do Dirceu. Do Genoíno. Havia barata demais
atravessando o galinheiro, todas carregando sardinhas e capilés. Fechou o Bar
Brasil em que o garçom Lula, para esconder o sujinho diante do freguês que
chegava, sacudia a toalha e a virava pelo avesso na frente do comensal, achando
que bastava o expediente para ganhar o ISO-9000 de mó limpeza.
Que ressaca, hein, Môa?! A
administração do boteco petista começou com uma garrafa de Romanée Conti,
acabou em Praianinha. Perdeu o perfil e isso, pergunta para a dona Maria aí no
bar da tua rua, é mortal pro negócio. Não tenho receita anti-ressaca para
oferecer, não sei o papo certo que se leva para trocar um cheque com o
português, não desconfio da função da azeitona na coroa do dry martini. Mas
antes que tamanha patetice fique ao exagero e não haja catuaba que me levante o
moral, te bato o seguinte piá. Tenho ouvido esses sabichões de plantão
vaticinando o diabo diante da crise política e acho que a mensagem está na
garrafa. Calma, te explico. Não dá mais pra ficar espantando a mosca do balcão
para diminuir o número de bactérias no torresmo. É preciso construir novo bar.
Andei de férias, andei por
buracos que você nem imagina e num desses bons momentos eu estava com o Marcelo
Rubens Paiva dando um rolé pelos bares paulistas que se inspiram nos bares do
Rio. Eu não bebi nada, juro, mas mesmo assim concluí o seguinte. Se o governo
JK fosse um bar, teria sido o Pardellas, da Santa Luzia, com seus funcionários
públicos chorando a ida para a Novacap. Fechou. Se a ditadura dos militares
fosse outro bar, teria sido o Antonio’s, com a esquerda festiva do Leblon
romantizando a revolução. Fechou.
O Tangará, na Cinelândia, seria
uma catedral PT, com suas batidas de frutas nordestinas – mas, como se sabe, o
Tangará, não à toa, está sendo reformado. Dá para contar a História do Brasil
através de nossos bares, percebeu? Esse bar paulista inspirado nos clássicos do
Rio, e que o Rio agora importa, com mais conforto para os bebuns, melhores
comidinhas e banheiro limpo para o mulherio, é o projeto possível para um novo
país. É um sonho de administração.
Fui no São Cristóvão, no Astor,
Pirajá, Posto 6, Filial, quase todos ali na área da Vila Madalena. É um projeto
de Brasil que te ofereço em despedida, Môa, e para limpar minha barra com o
amigo. Esses bares pegaram a bagunça carioca, a santa maldade escondida nos
quitutes do Braca, o barrigudo de sunga contando piada suja no meio do salão
idem. Juntaram esse jeito de corpo que é a alma do balneário com o bom serviço
paulista, aquele trem das onze saindo sempre na hora.
É o único Brasil que está dando
certo. Eficiência e manemolência, a salvação do país são. O resto é a moela à
milanesa de ontem, nossos políticos estragados pela corrupção. Nossos
pensadores, quando as garrafas começam a voar pelo salão, escondem suas idéias
embaixo da mesa. O porre é geral. Todo mundo tonto com a caninha da roça
servida pelo PT. Um país inteiro fechando e só os bares paulistas com cara de
carioca abrindo.
Aí tem. Tem um projeto de Brasil
dentro dessa idéia de casco escuro e estupidamente gelada. Decifre-se. Como eu
não bebo, embora minhas palavras sim, deixo a garrafa na mesa e puxo o bonde.
Vai que é tua, grande Môa. Saudações.
NOTA DO EDITOR DO MOCÓ:
O livro do Moacyr Luz pode ser
lido na íntegra, em meu portal, na seção Vida Boemia. Confira o prefácio feito pelo Martinho da Vila
clicando aqui.
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