Por Joaquim Ferreira dos Santos
Copacabana, agora que a pérgula
do teu hotel genial faz 80 anos, agora que atendendo a pedidos a bailarina
Angel volta ao elenco das stripers do peep-show da Serzedelo Correa, agora que
se juntam todos esses ganchos quentes para dar temperatura de verão a uma
crônica fria – agora, depois de todas essas vírgulas, eu venho discretamente,
com toda a pobreza dos meus advérbios de modo, me juntar aos que te cantaram,
cantam e cantarão os favores e dizer: és muy lôka, princesinha.
Ninguém reparou, foram só alguns
meses, mas eu te morei na quitinete 1215 da Prado Júnior, 48, aquela que tem um
corredor com a Princesa Isabel, 7, e se eu te fui invisível pela minha
insignificância, não me sai dos miolos uma voz noturna de mulher gritando “me
mata, me mata” num cubículo vizinho. Covarde sei que me podes chamar, mas
voltei a dormir. Não sei se a dona morreu, não sei se era uma mentirosa, não
sei se ela viveu a noite mais inesquecível da sua vida. Não sei de nada o
suficiente para te louvar os mistérios, aprendiz que sou dos mestres que tiram
sereias de tuas areias. Mas sigo em frente.
Dou um abraço no Antônio Maria na
Fernando Mendes, e sigo em frente na maior cara-de-pau, como esses garotos que
ficam nas tuas esquinas colocando panfleto de sex shop, cheios de pênis de
plástico, na mão das madames.
Eu como do teu miolo à milanesa
nas noites do Cervantes e talvez seja por isso, só pode, pelo assoberbo de
miolos fritos no pâncreas, que entrei nesse lance braguiano, esse ridículo
ai-de-ti-Copacabana cravado no meu DNA, de te louvar na segunda pessoa, como se
você fosse uma gaúcha em férias ouvindo o violinista tocar “O sole mio” pela
milésima vez essa noite na cantina Don Camilo, na Atlântica.
Mereces tratamento de primeira,
embora tua graça seja a mistura de pessoas. Eu vi Gina Lollobrigida ajeitando
de leve a calcinha no Golden Room. Vejo sempre suas novas mulheres, todas
atochadas, como diz Fausto Fawcett, o poeta na mesa do El Cid, em saborosos
jeans da grife japonesa Mikome.
Copacabana-me-engana foi história
do Caetano na musiquinha superbacana dos 60, aquela em que ele te acusava de
esconder o superamendoim e o espinafre biotônico, no velho papo manjado de
colocarem tudo, como se não bastassem o crime da Toneleros, a Aída Curi e o
show da Ângela Rô Rô na La Girl, na tua conta de dama poluta. Mas, fica fria,
Copacabana. Tu não enganas mais ninguém e isso não te vai acusatório. Isso é
bom, é tão bom quanto misturar o quarteirão art déco no Lido com o quarteirão
GLS na Raul Pompéia. É tão bom quanto misturar o funghi e o camarão no
espaguete da Tratoria. Fica fria, mi querida. Fica fria feito a vaca-preta que
o Ivan Lessa tomou aí nas tetas do Bob’s da Domingos Ferreira, o primeiro do
Brasil.
Parece que me deliro, como se a
qualquer momento me fosse chegar o farmacêutico cheio de colares da farmácia da
Viveiros de Castro e aplicar no cano dos meus verbos uma injeção de correção
pronominal, pacificadora, uma injeção feita com o sumo daqueles caranguejos
presos na gaiola do bar Barata Ribeiro, 771, esquina com sua multidão de 171
anônimos. Gosto do delírio caótico de Copa, gosto da lenda urbana que fez da
tua loja de objetos eróticos um imóvel alugado pela igreja de Nossa Senhora de
Copacabana, sua vizinha de parede. Tudo mentira. Orson Welles jogou os móveis
dentro da piscina do Copa enquanto filmava “É tudo verdade”, mas eu desconfio.
Tudo mentira.
Quem sou eu para decifrar teus
mistérios, copanita velha de guerra, se até nas pedrinhas portuguesas
desenhaste todas aquelas linhas sinuosas, nunca uma linha reta, clara, indo ao
ponto. És como todas as outras da tua laia. Turva. Dúbia. Tergiversas, eis o
charme feminino da tua espécie. A sopa de beterraba da Polonesa é fria, as
neopolacas do Barbarella, quentes, e a vedete Flávia Tarcitano, que ainda há
pouco fazia striptease nos inferninhos do Lido, afixava na lateral do palco o
exame do IML lhe atestando virgindade. Muy volátil és. Miro-te no perfil mas
pareces a Mística, aquela bandida do “X-Men” que não fica mais de alguns
segundos com a mesma cara. Já incorporaste o capeta nas boates gays da Galeria
Alaska. Voltei lá outro dia. Nos mesmos lugares em que, ao som de “It’s raining
man”, botavas o coisa ruim pra dentro, agora uma multidão de templos evangélicos,
aleluia!, vive de botar o satanás pra fora. Vai te entender, sua maluca!
Como te confiar, se espalhas para
o mundo as delícias do Posto 6, o mais mítico de todos os postos da tua orla,
um prédio que deveria ser a torre Eiffel de nossas vergonhas saradas – e ele,
ao contrário do 3, do 4, simplesmente não existe!! Onde está, que não te prende
por alardear falsas delícias, o delegado Padilha, terror dos teus bandidos nos
50? Ele jogava um limão dentro da calça do suspeito. Se o limão não parasse, preso
na boca apertada, consubstanciava-se que o elemento era di malandro – e
punha-se recolhido aos costumes. Foram-se os costumes e junto sua agregada, a
turma dos cafajestes. Foram-se os tais anos dourados, mas suspeita-se que eram
falsos como os seios dos teus travestis do Posto 2.
Onde está, que não te prende por fascínio
malsão, o delegado Espinosa, o titular dos romances do Garcia-Roza na 12ª DP,
da Hilário de Gouveia, aquela que tem em frente um bar chamado Pavão Azul
sinalizando liberdade para os otários presos? Não adianta. Na tua horta do
Parque da Chacrinha chove homem, chove delegado, chove síndico pedindo silêncio
depois das dez. Tá pra nascer, no entanto, quem tenha autoridade suficiente
para te encaretar, enquadrar e levar em cana, mi hermosa e baranga Copacabana.
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