Por João Máximo
Não sei a exata distância de
Alagoa Grande a Campina Grande, mas sei, pelos relatos chegados da Paraíba, que
a cantadora de coco Flora Mourão fez o percurso em três noites e quatro dias, a
pé, levando pelas mãos os filhos José, João e Severina, o mais velho com onze
anos.
O episódio não seria lembrado
aqui se José não crescesse tocando zabumba, não mudasse depois para o pandeiro,
não se inspirasse no nome de Jack Perrin (herói dos filmes de faroeste que ele
curtia no poeira da cidade), nem ficasse conhecido, primeiro, como Zé Jack e,
por fim, como Jackson do Pandeiro.
Dentro de alguns dias a música
popular vai comemorar o centenário de seu nascimento em 31 de agosto de 1919.
Fala-se de alguma coisa à altura de um dos mais radiantes intérpretes do nosso
cancioneiro, mas, tratando-se de Brasil, o “à altura” deve ser visto com um
mínimo de cautela.
Há promessa de um documentário,
com base em entrevistas de gente que conviveu com o homenageado, incluindo
cenas de sua atuação na TV e no cinema. Além disso, o incansável Rodrigo Faour
está produzido CD com faixas gravadas em fins dos anos 50, na Columbia, até
agora não relançados.
É claro que Jackson do Pandeiro
merece mais. Mas o quê? Como trazer de volta um artista que, morto em 1982,
começou a ser esquecido antes mesmo de sair de cena. Verdade. Em seus últimos
anos de carreira os dias de sucesso já iam longe, embora ele continuasse sendo
o mesmo excelente intérprete da melhor música popular brasileira.
Valiosos textos têm sido
dedicados a Jackson do Pandeiro a propósito dos 100 anos. São importantes
tentativas de recuperar a memória de um paraibano pobre, negro, analfabeto até
a idade adulta, que só foi descoberto aos 34 anos e que por quase 30 deixou seu
nome entre os maiores.
Jackson do Pandeio era um original.
Sua técnica de divisão, única, aprendeu-a sozinho. Não procede aplicar-se a ele
a quase mania de se atribuir à influência de João Gilberto todas as qualidades
de nossos grandes intérpretes. Jackson do Pandeiro veio antes, seu modo de
dividir já estava presente nos primeiros discos. Também é gratuita a associação
com Luís Gonzaga, por terem ambos feito o Sul ouvir, aprender e gostar do que
sempre se fez nas bandas lá de cima.
Jackson, como Gonzaga, cantou de
tudo que se fazia por lá: coco, xote, rojão, forró, frevos, pontos. Mas,
diferentemente, dedicou-se mais ao samba do que à música nordestina. O que
resultou em outra associação, esta com Jorge Veiga, conhecido como “o
caricaturista do samba”.
Os que apontam semelhanças entre
os dois falam das vozes anasaladas e as bossas, sem considerar que o canto
nasal de Jackson do Pandeiro não tinha a agressividade do outro, e que sua
bossa de sambista era tão mais viva que levou Jorge Veiga, enciumado, a
acusá-lo de querer tomar-lhe o lugar.
Jackson do Pandeiro já andava
meio esquecido quando Gilberto Gil o trouxe de volta, em 1972, ao gravar
“Chiclete com banana”, de Gordurinha e Almira Castilho. Mais do que celebrar o
compositor baiano, o disco chamou a atenção para o intérprete de 1959, a ponto
de Gil ver ali uma semente tropicalista. Terá sido? Quanto a Almira, parceira e
mulher de Jackson por doze anos, era uma pernambucana mais alta, mais moça e
mais instruída que ele, lembrada por seu jeito de dançar, dura, corpo ereto,
braços e pescoço movendo-se sem conexão. Morreria em 2011, aos 86 anos.
Enfim, as comemorações. À altura
ou não. Por algum motivo, fãs de Jacskon do Pandeiro começaram a homenageá-lo
antes dos 100 anos. O mesmo Faour, com uma caixa de 15 CDs, lançada há três
anos pela Universal Music, com 235 faixas da melhor fase. Como se disse então,
uma discografia “quase completa”, faltando justamente o que fora gravado na
Columbia. É caixa que vale busca nas poucas lojas onde se pode comprar CD (se é
que ainda há CD para comprar nesses dias de rendição ao streaming).
De bem antes, de 2001, é a
excelente biografia “Jackson do Pandeiro, o rei do ritmo”, de Fernando Moura e
Antônio Vicente, esta sim, como os trabalhos de Faour, à altura de um rei.
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