Por Cecile Mendonça
De Vila Madalena para o centro de São Paulo. Depois, passa por destinos como Rio de Janeiro, Recife, Cali (Colômbia), Manaus, Nova York e a Índia. Todo esse passeio de 16 anos se torna nada mais do que um diário de viagem com um toque de investigação jornalística. Escritos que Gilberto Dimenstein transformou na obra “O mistério das bolas de gude: Histórias de humanos quase invisíveis”.
Em 190 páginas, o colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, foi capaz de dar visibilidade a casos de pessoas excluídas pela sociedade. Crianças na vida da prostituição, adolescentes comandados e ameaçados por chefes do tráfico, pessoas que sofrem torturas dentro de instituições repressoras, portadores de AIDS tratados com desprezo e até bebês espancados até a morte pelos seus próprios pais. Essas são algumas das duras realidades evidenciadas pelo autor, que acredita que a invisibilidade é a principal causa da violência ao afirmar que “O que gera a violência é a sensação de não ter conhecimento, de não pertencer à sociedade”.
O jornalista fala sobre as contradições nas mais diversas regiões brasileiras. Lugares onde bolsões de miséria dividem espaço com mansões luxuosas. Lugares onde de um lado, meninas escolhem leiloar sua virgindade para sobreviver e do outro, há filhos de latifundiários interessados em pagar para retirar a virgindade de crianças de doze anos. Há quem viva completamente entorpecido pelo uso de narcóticos em meio a restos de comida, dejetos e drogas. Então, a força policial espanca, combate e mata. Tratando assim, o livro é capaz de tirar a venda dos olhos e dar a visão por trás das fachadas megalomaníacas da famosa Avenida Paulista, onde se escondem histórias de quem não tem mais noção da sua condição como pessoa humana. Seu direito à cidadania se perdeu na pobreza.
Contudo, apesar da tragédia, Dimenstein fala as “pontes de resistência” que foram criadas por pessoas que buscam transformar a realidade desumana em algo melhor, doando seu tempo e recursos para mudar a vida de outras pessoas. Tendo como armas, não a violência, mas sim a persistência, a teimosia e o amor ao próximo. O livro expõe alguns exemplos de projetos que nasceram dentro das favelas, organizações independentes do governo que dão apoio às mais variadas causas, cidadãos anônimos que sem apoio financeiro governamental investiram em jovens e adolescentes que se encontravam em situações de risco, entre muitos outros exemplos.
Se é proposto na obra que a violência está intrinsecamente ligada à sensação de ser invisível e estar à margem da sociedade, é a cultura, a educação e o trabalho que faz nascer o sentimento de reconhecimento como ser humano. De início, essas iniciativas servem apenas como refúgio, até que, com o tempo, passam a gerar o desenvolvimento humano e social, equilibrando e proporcionando condições justas à população.
“O mistério das bolas de gude”, além de tirar o véu das grandes cidades e tratar de temas necessários, traça novas rotas para a reconquista da cidadania – um bem valioso para quem vive em situação de miséria e risco. O livro apenas incomoda um pouco pelo fato de Gilberto Dimenstein demonstrar um inocente deslumbramento ao usar como exemplos de sucesso as cidades norte-americanas, mas ainda assim é uma leitura totalmente recomendável para todos nós – que muitas vezes fechamos os olhos para todos aqueles que não fazem parte da engrenagem, sendo meras peças invisíveis nesse sistema opressor.
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