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quinta-feira, agosto 15, 2019

O coração sintonizado de um poeta


Por Vivian de Moraes
O escritor manauara Diego Moraes está lançando o seu sexto livro: “Meu coração é um bar vazio tocando Belchior”, que tem elementos gráficos e de estilo que lembram um rádio. O autor, nesta entrevista para o LiteraturaBr, disse que só escreve por impulsos, elogia o público leitor paulistano, menciona influências, entre outros assuntos. Naturalmente, trata do “Belchior”, e seu primeiro romance, que está escrevendo para a Record. Confira a seguir.
Vivian de Moraes: Você é manauara e fala com alegria do lugar onde vive. Manaus tem algo aos poetas que quiserem conceber a arte?
Diego Moraes: Manaus é uma cidade extremamente literária. Consigo dialogar com cada esquina e viela e extrair o melhor sumo lírico, mas aqui poeta se fode. Manauara não consome literatura. Escritor aqui é tratado como pedinte.
Vivian: E você não sente isso também quando vem a São Paulo?
Diego: Não. O interesse por literatura é maior em São Paulo. Vi pessoas se deslocando de outras cidades para o lançamento do meu livro na balada literária e no sarau do bar Patuscada do Eduardo Lacerda. O paulistano tem mais sede de arte que o manauara. A cidade respira cultura. Em Manaus é triste. Aqui artistas de rua pegam porrada de seguranças em praças públicas. Aqui o poeta precisa ser cadastrado no governo pra poder ser credenciado a falar de algo que tem asas. A literatura em Manaus é comandando por gerentes. Agentes de cultura que se consideram artistas. As praças públicas estão sendo privatizadas.
Vivian: Diego, você atribui a que o seu sucesso com o convite da Penalux e o romance da Record? Quando você rompeu a barreira que existe entre São Paulo e outras cidades menos interessantes para a literatura?
Diego: À internet. Devo muito à internet. Se não fosse a internet, certamente seria mais um fantasma. Um sujeito nulo e obscuro que vende livro xerocado de bar em bar. Hoje em dia tenho leitores em boa parte do mundo que me acompanham diariamente nas redes sociais e no Tumblr. Muita gente de Portugal e São Paulo. Mas ralei muito. Nunca dei ouvidos pra ninguém. Sempre escrevi na raça e na coragem. O escritor não pode esperar nada de ninguém. Precisa ser independente quando editoras fecharem as portas. Do céu só cai raio, chuva e cocô de pombo. Nunca mandei um original para uma editora. Todos os livros que já publiquei foram convites, mas se um dia se negarem, me reinvento. Literatura é um grito. E gosto de gritar alto. Até doer a garganta. Não acredito em escritor tímido. Pra mim literatura tem que ser difundida. Deve chegar aos quatro cantos do mundo. Espero que a literatura se torne um vírus mais destruidor que o Ebola.
Vivian: Como é o seu processo criativo? Tem disciplina, tem rotina? Por que, quem lê o que você escreve, tem a nítida impressão de que você acabou de escrever espontaneamente, sem muitas preocupações em burilar os poemas. É assim?
Diego: Sou o sujeito mais indisciplinado que conheço. Só não consigo escrever nada bêbado. Só sai poesia e conto quando estou sóbrio. Não sou também de ficar namorando demais conto ou poema. Eles saem feito foguetes em Réveillon. Às vezes trabalho na cabeça antes de escrever, mas basta eu sentir raiva de alguma coisa pra abrir o computador e escrever coisas do nada. Do zero. Gosto de abrir a tela do Word sem nada programado. Sinto-me um bebê saindo de uma vagina.
Vivian: Você não gosta de ser comparado a Bukowski. Por quê? Quais as influências sobre sua obra?
Diego: Ser comparado ao Bukowski me irrita profundamente. Ele é ótimo escritor, mas não foi o único a escrever sobre as ruas. Muitos caras escreveram sobre desempregados, prostitutas e drogados. Sou apenas um sujeito lírico e sujo que gosto de passar um verniz cinematográfico. Quem conhecer a minha obra sabe que não tem nada a ver essa comparação. É chato porque limita. Tenho recebidos mensagens de gente enfurecidas com esse rótulo. Bukowski é ótimo poeta, mas perde feio pro John Fante quando o assunto é prosa. Sim, se for pra escancarar minhas influencias, digo que vejo mais Roberto Piva, Murilo Rubião, Mário Bortolotto e Pedro Juan Gutiérrez na minha literatura. Mas isso é apenas um momento. A literatura é um camaleão. Uma travesti que muda bastante de roupa. Quem leu meus livros vê essa mudança nitidamente. A pegada do meu “A fotografia do meu antigo amor dançando tango” é cinema. Já “Meu coração é um bar vazio tocando belchior” é mais seco e verborrágico. O lance é flertar com a linguagem sempre, senão vira só foda papai e mamãe
Vivian: Por favor, comente este aforismo do seu último livro: “Só acredito em poetas falhos. Poetas que tropeçam. Poesia é a arte da queda…”
Diego: Ah… Poeta pra mim tem que ter vivido um pouco. Tem que ter pegado um pouco de porrada da vida. Se fodido no amor em algum momento. Ter quebrado a cara pra valer. Poeta de laboratório cheira a perfume enjoativo.
Vivian: Isso me lembra um outro poema do seu livro mais recente:
Paisagem
Não curto cidade praiana
é muita paisagem.
No poema
eu gosto de sujeira
do underground
do submundo.
Diego: Sim, gosto da sujeira. Gosto do mergulhar no inferno de vez em quando. Conforto demais e monotonia tira meu tesão pra fazer literatura. Gosto de sentir a podridão das ruas e voltar carregado de tesão pra escrever. A rua não deixa de ser vitamina. Combustível de dor, raiva e desilusão.
Vivian: Você começou como poeta ou como leitor de poesia?
Diego: A poesia foi um acidente de percurso. Comecei nos contos. Aí num dia entrei na biblioteca pública de Manaus e peguei “Paranoia” do Roberto Piva. Fiquei louco por uma semana e comecei a escrever poesia sem parar.
Vivian: Com que idade?
Diego: Comecei a escrever aos 17 anos. Aos 18 já tinha contos publicados em revistas da cidade. A poesia apareceu na minha vida aos 21.
Vivian: Você acredita que há mais poetas que leitores de poesia?
Diego: Com as redes sociais aumentou o interesse por poesia. Fico feliz com isso, mas o leitor de poesia ainda é um animal escasso.
Vivian: Fale um pouco sobre o “Belchior”. Ele é uma coletânea dos seus escritos no Facebook, certo?
Diego: Não chega a ser uma coletânea. Tem 9 contos e alguns poemas que escrevi especialmente pra ele. Acontece que nunca fui fã de concurso literário e fui postando trechos dele na internet. O Belchior é um livro verborrágico, maldito e sujo. O lirismo dele é mais seco.
Vivian: E quanto ao romance? O que podemos esperar dele? Dá para adiantar?
Diego: Ainda não dá pra adiantar. Ainda está em processo de construção. Tinha um praticamente pronto, mas cheguei um dia bêbado e deletei. Quis começar do zero. Sentir a pressão de escrever um livro com a sensação de que todos estão me olhando. Estou escrevendo esse livro pra Record como o camisa 11 que entra no segundo tempo pra resolver a final do campeonato. Mesmo sabendo que pode não dar em nada ou se tonar um fracasso. Gosto do perigo. É bom se arriscar. Dançar tango no parapeito de vez em quando. Já fui radical. Já briguei com uma porrada de gente por besteira, mas hoje a literatura é uma terapia na minha vida. Parei de vê-la como doença. Agora é dádiva.
Vivian:Você se proclama um poeta sujo, mas mão gosta do ‘”marginal” Qual a diferença?
Diego: Marginal é diferente de sujo. Marginal tem todo um contexto. O cara se sente revolucionário. Um expoente da periferia. Rola todo um discurso. Se você pegar meus poemas e muitos contos, não tem isso. É outra pegada. Tem dor, humor e beleza.Uma baita preocupação com a imagem. Minha literatura transita em todos os cantos. Do Leblon ao bairro da zona leste de Manaus. Sobre uma porrada de temas e o cenário muda constantemente. E também com o advento da internet, acho meio sem graça o cara dizer que é marginal por não ser aceito por editoras e bla blablá. Que o tratam com indiferença e tudo mais. A editora é uma vitrine. Tá cheio de editores pescando gente boa. Agora se o cara quer ser independente e publicar por conta própria, tudo bem. Parabéns. Não tenho nada de marginal. Nunca fui fichado na policia e sonho comprar vinhos caros e levar minha mulher pro caribe com grana de direitos autorais.
O autor
Diego Moraes é um escritor amazonense. Autor dos livros: “A fotografia do meu antigo amor dançando tango” (2012) e “A solidão é um deus bêbado dando ré num trator” (2013), publicados pela Bartlebee; “Um bar fecha dentro da gente”, pela editora portuguesa Douda Correria; e “Eu já fui aquele cara que comprava vinte fichas e falava ‘eu te amo’ no orelhão”, pela Corsário-satã e o recém-lançado “Meu coração é um bar vazio tocando Belchior.”
(Publicado no site LiteraturaBr em 25 de março de 2016)

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