Por Zemaria Pinto (*)
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. (Carlos Drummond de Andrade, em “A flor e a náusea”)
1. Serei acusado de desagregador e intolerante pelos corporativos, que se escondem atrás de coletivos para mascarar a mediocridade individual. Serei denunciado e processado por escrever ofensas morais a pessoas de caráter ilibado e comportamento inatacável, conforme manda o figurino das folhas sociais. Algum subacadêmico parnasiano, que se masturba lambendo adjetivos e advérbios, me acusará de virulência verbivocovisual, sem ter a mínima ideia do que seja isso. Vão me chamar de arrogante, soberbo e presunçoso. Serei tratado como um leproso, cuja visão repulsiva nauseia os sentidos acostumados a panoramas paradisíacos, perfumes exóticos e sons celestiais – ainda que o paraíso não passe de uma sórdida favela, as flores podres estejam misturadas às fezes dos porcos e o som seja um mix de forró e funk.
2. Mas não poderão me acusar de desonestidade ou mistificação: cumpro minha missão de professor e de crítico.
3. A poesia que se produz nesta cidade por menininhas tolinhas patinando no ensino médio, universitárias temporãs que não sabem a diferença entre poesia e poema, senhoras quarentonas solitárias que se descobriram tardiamente poetisas ou senhores de todas as idades com o miolo amolecido pelo calor equatorial e pelo excesso de guaraná em pó, é motivo de riso. “Poetas” e “poetisas” acreditam-se ungidos pelos deuses porque têm seus trabalhos escolhidos para participar de alguma “antologia nacional”, em “regime cooperativo”. Desconhecem a maldição que recai sobre os verdadeiros poetas.
4. A poesia de verdade não fala de amor, só de ódio. Não toca em sexo, mas em tortura. Não trata de abandonos, fixa-se em assassinatos. Não fede a rosa, mas cheira a pus. A verdadeira poesia não dá desconto nos hotéis vagabundos do Centro.
5. A poesia é um estado do ser, contemplação mí(s)tica, o i/logismo a serviço do ir/racional: a poesia é.
6. Poesia é arte, não é masturbação.
7. Eu já disse que há uma enorme carga de poesia em Grande Sertão: Veredas, em A Paixão Segundo GH. Há poesia num quadro de Van Gogh, num filme de Herzog, num pôr-do-sol no rio Negro, num fim de tarde em São Paulo, num passo de contradança, e, com o perdão da má palavra, também se encontra poesia num sorriso de criança. Especialmente, quando ela está morrendo de fome.
8. Conclusão: a poesia não precisa do poeta, porque a poesia pode estar em qualquer lugar. É ter sentidos para sentir – olhos para ouvir, nariz para escutar, ouvidos para cheirar, mãos para ver e língua para tatear.
9. Por que, então, esses poetaços infestam o planeta com papel borrado pelas suas banalíssimas dores de corno, suas rimas infinitivas, seus malditos adjetivos, sua falta de ritmo, sua métrica atravessada, sua ignorância da tradição?
10. O prefixo des denota oposição, negação ou falta, caracterizando-se ainda por reforçar a intensidade negativa do que se quer exprimir. Despoesia, portanto, é ausência de poesia. É a negação do estado poético. É não-poesia.
11. É despoesia, pois, o que os poetastros fazem.
(*) Zemaria Pinto é poeta, dramaturgo, professor e crítico literário. Vive em Manaus.
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