José Dantas Cyrino Junior
As aulas só reiniciarão na segunda-feira, mas a ansiedade lhe vem corroendo os nervos há quase duas semanas. A cada dia que passa a tensão aumenta. É grande a expectativa por conhecer novas pessoas, aprender coisas novas.
Os nervos se assanham. A insônia vai ficando cada dia mais frequente. Nada pode dar errado no primeiro dia de aula. Nem com as coisas práticas, aparentemente banais. Por isso a preocupação com a compra de material novo, como cadernos com cheiro de tinta fresca, a troca de um livro muito usado e até uma renovação no visual – quem sabe uma ou duas camisas novas, talvez um sapato novo porque aquele já está com o couro enrugado.
A cada dia que se aproxima a ansiedade aumenta. A véspera é um vespeiro de adrenalina. Tudo gira em torno do primeiro dia de aula. Não há mais espaço para conversas sobre futebol, o mais novo escândalo político ou sobre uma tragédia anunciada. Nenhum assunto desvia o interesse sobre o dia seguinte, quando se estará diante de tantas e novas vivências.
A noite anterior se reveste de um ritual próprio de quem se prepara para viajar pela primeira vez. Toda a família é mobilizada para a tarefa de conferir e arrumar tudo: sapato bem engraxado, ao lado da cama, com o par de meias limpas dentro; sobre a cadeira, a calça no vinco, e no cabide, a camisa bem engomada. Despertador acionado para chamar duas horas antes da saída de casa, afinal o engarrafamento é previsível. Chegar atrasado seria uma grande frustração.
De manhã cedo, tudo pronto. Um banho frio para despertar ainda mais, um perfumezinho atrás das orelhas, um desjejum possível para quem está com o apetite exclusivo para a volta às aulas, material didático conferido e pronto.
Parte-se finalmente para o primeiro dia de aula. O frio na barriga é intenso, mas a alegria é muito grande, afinal está chegando a hora de fazer o que mais gosta e o que escolheu há mais de 30 anos quando entrou pela primeira vez numa sala de aula para iniciar sua carreira de magistério.
Todos os primeiros dias de aula são sempre assim: ansiedade frente ao novo, tolerância com as diferenças, desafios cognitivos e emocionais e muita crença no que faz. Uma vez na sala, resta torcer para que seus alunos percebam o quanto gosta de lecionar, o quanto é feliz com o magistério, o quanto acredita na força da palavra. E se conseguir contaminar seus alunos com esse élan, estará confirmada sua hipótese de que a paixão pelo magistério é a metodologia mais eficaz que existe, mais eficaz do que qualquer outra que as ciências da educação possam vir a elaborar.
Aposentar-se é um ato puramente administrativo, indiferente para os educadores. Importa conhecer a si mesmo, o suficiente para perceber se num primeiro dia de aula qualquer lhe faltar aquele frio na barriga. Se lhe faltar, independentemente da idade ou do tempo de serviço, você já está aposentado e não precisa mais voltar às aulas.
José Dantas Cyrino Junior – Professor de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas, advogado e poeta nos ócios necessários. Iniciou sua vida profissional no magistério no dia 15 de março de 1976, no ensino fundamental e médio. Na Universidade do Amazonas ingressou por concurso público e iniciou suas atividades em 08 de setembro de 1980.
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