Claudio Leal
"O programa quem faz são os fregueses: PMDB: barba, cabelo e bigode; PDT: papai e mamãe e por aí vai...", anuncia o cartum.
Com 37 anos de jornalismo, Nani enfrenta ataques de petistas e internautas por ter usado uma metáfora sexual para caricaturar a sisuda Dilma. Presidente do PT, José Eduardo Dutra reclamou da "baixaria".
Em entrevista a Terra Magazine, Nani defende-se com o mesmo salvo-conduto do Barão de Itararé, de Millôr e de Jaguar:
- Eu usei uma metáfora. Pode ter sido ruim, mas eu simplesmente fiz humor.
Publicado na página pessoal do desenhista (http://www.nanihumor.com/), o cartum foi reproduzido pelo blog do jornalista Josias de Souza e provocou imensa polêmica no Twitter e na blogosfera. Para alguns críticos, houve machismo.
Se a encrenca aumentar, e nascer algum processo judicial, Nani tem um pedido a mais:
- Só espero que o PT não crie o Ministério do Humor e entregue ao PMDB!
Confira o bate-papo.
Terra Magazine - Como você encara a reação à sua charge sobre Dilma?
Nani - Não discutiram o conteúdo, a mensagem da charge. O cartunista usa uma metáfora pra falar do assunto. Hoje, eu usei a panela do programa da Dilma. O cozido, o pirão dela. É a mesma metáfora: todo mundo tá querendo, os outros partidos querem interferir no programa. O humor usa metáforas...
No caso, você brincou com a palavra "programa".
A metáfora que eu usei foi um pouco violenta. Mas já botei o Fernando Henrique com peitos, ACM com o vestido de Tiazinha, o Lula pelado, com uma lingerie. São artifícios que o humor tem a liberdade de usar.
Teme censura?
A única censura que eu tive foi na ditadura. Nosso limite era o "Maomé" (refere-se à reação muçulmana contra o chargista dinamarquês Kurt Westergaard, que retratou Maomé). Não sei se Dilma será a nova "Maomé" (risos)
O brasileiro se deseducou em relação ao humor?
Eu acho que sim. As charges são muito palatáveis, perderam um pouco a crítica, ficam ilustrando assuntos nos jornais...
O Estadão nem charge tem, é uma caricatura.
Pois é. Faço charge como sempre fiz. Meu tipo de humor é esse, desde a ditadura, a luta pela Anistia, explicando como era o movimento sindical. Cada coisa tem sua época. Eu brigo pela alternância de poder, acho que o Estado não deve estar aparelhado por um partido. No próprio programa de governo, ela fala em controlar a mídia, e isso é mais um sintoma do que pode advir. Essa indignação pela charge já demonstra a predisposição pra abafar tudo quanto é crítica. Eu não sou do petismo nem do peessedebismo. Sou do humorismo. Como diz o Millôr, o humorismo é o "ismo" que ri por último (risos).
A esquerda não costuma aceitar o humor?
Nem acho que o PT, do jeito que está, é muito de esquerda. O próprio Collor dizia que não se briga com o humor. Não adianta calar. Melhor fazer uma piada pra responder. Nesse início de campanha, eles não sabem direito das coisas. E tem isso do partido, só podem racionar dentro da Igreja. Todo mundo tem que pensar como o partido, não aceitam crítica. Gramsci até dizia que você tem que pensar como o partido. Fora da igreja, não pode.
Mas algumas pessoas veem machismo em sua charge, por Dilma ser mulher e estar retratada como uma garota de programa. Que tal?
Machismo é essa reação das mulheres. Quando eu fiz com os homens, ninguém se importou... Ninguém se importou com ACM de Tiazinha, FHC de peitos de fora... Homem nenhum se incomodou. Por que a mulher tem essa sensibilidade? Ela é uma pessoa pública, não é dona da sua imagem. Tem que ser criticada. Eu usei uma metáfora. Pode ter sido ruim, mas eu simplesmente fiz humor.
Espera algum processo judicial do PT?
Não, não. Nunca, desde 1973 - tenho 37 anos de profissão -, tive problema com charge alguma. Não se sei se vou ter pela primeira vez com o PT...
Vai ser bom pro seu currículo?
É bom, mas é ruim pro PT. Foi o humor que ajudou a eleger o Lula. Todos os humoristas fizeram charge a favor. Nós ajudamos o Lula. Sou pela alternância de poder. É um tipo de humor. Nada partidário, não.
O presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, atacou sua charge no Twitter. Vou ler aqui a mensagem: "Bons tempos aqueles em que os chargistas políticos brasileiros eram reconhecidos pela inteligência e não pela baixaria preconceituosa". O que você diria ao Dutra?
Ah, eu não acho... É o humor...
Crumb e Jaguar também fazem humor bizarro.
Eu digo o seguinte: só espero que o PT não crie o Ministério do Humor e entregue ao PMDB!
Temer será o ministro?
Temo isso. Que eles entreguem ao PMDB (risos).
Ziraldo diz que se Nani for processado vai depor a favor dele
Em 1974, ao tomar posse na presidência da República, o ditador Ernesto Geisel citou a Arena, partido de sustenção do regime militar, em seu discurso. Piscadela.
No Congresso, correram de enxurro mais de 50 discursos de parlamentares, em comemoração ao afago presidencial.
Diante da prancheta, Ziraldo pensou: "Essa Arena é uma prostituta!". E desenhou uma eufórica rameira na rua, com o nome da Arena escrito na saia, gritando: "Ele sorriu pra mim... Ele sorriu pra mim...".
Deu M... para Ziraldo.
"Foi a minha charge que mais repercutiu. Chamei a Arena inteira de prostituta. E a Arena não me processou", recorda-se o cartunista, fundador do legendário "Pasquim".
De volta à esquina. O PT estuda entrar com um processo contra o cartunista Nani, depois da publicação de uma charge que compara a montagem do programa de governo de Dilma Rousseff a uma negociação de prostituta.
"Charge canalha merece repúdio geral. Humor e crítica nada tem a ver com ofensa moral", atacou o coordenador de comunicação da campanha petista, Rui Falcão.
Terra Magazine apurou que o PT consultou advogados para processar Nani por danos morais, na área criminal. O presidente do PT, José Eduardo Dutra, não atendeu aos telefonemas da reportagem, na noite desta quinta-feira, 8.
Mestre do cartum brasileiro, Ziraldo defende o direito do humorista de criticar a candidata, mas avisa: "Mineiro não mete a mão em cumbuca".
- Achar que ele está chamando a Dilma de prostituta é querer caçar chifre em cabeça de cavalo. Segundo eu sei, Nani é do meu time. Nós podemos achar a Dilma esquisita, mas nós gostamos do Lula. Eu diria: fazer piada com todos os candidatos é um direito de todos os chargistas. O político não deve passar recibo. Ninguém quer desrespeitar a figura hierática da Dilma. É piada, porra. Amo o Nani. Acho de mau gosto, mas, se houver o processo, vou depor a favor do Nani.
José Eduardo Dutra viu "baixaria" no desenho. "Bons tempos aqueles em que os chargistas políticos brasileiros eram reconhecidos pela inteligência e não pela baixaria preconceituosa", declarou o petista no Twitter.
Em seu microblog, a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSB) acusou o chargista de "machismo": "Nós, mulheres, nos sentimos profundamente desrespeitadas com a grosseria machista postada no blog contra a candidata Dilma Rousseff".
Eles não sorriam pra Nani.
"O humorista não atira para matar. Precisamos ter humor pra lidar com os fatos. O brasileiro ama fazer isso. A charge não tem essa importância. O humor vai mal no Brasil. Estamos aprendendo a rir", avalia Nani. "Como diz o escritor mineiro Wander Pirolli, 'quem não ri, não presta'".
(publicado no portal Terra Magazine, em 8 de julho de 2010)
Nenhum comentário:
Postar um comentário