por João Marcos Coelho
Não é exagero afirmar que o encontro do citarista indiano
Ravi Shankar, em 1966, com o violinista norte-americano Yehudi Menuhin, no
visionário LP West Meets East, alterou os rumos da história da música.
Naquele momento, duas tradições se colocavam frente a
frente.
Num genial corte e costura, Shankar selecionou fragmentos da
música clássica ocidental e os integrou a sua maneira. Menuhin fez o mesmo, do
outro lado.
O resultado ficou orgânico, quebrou paradigmas e em nada
lembra uma colcha de retalhos.
Shankar logo se tornou um guru para gente como o compositor
norte-americano Philip Glass, que aos 28 anos estudava com a mítica professora
Nadia Boulanger em Paris, o beatle George Harrison, que já era célebre, mas
renasceu musicalmente aos 23 anos, depois do encontro com o indiano, em 1965, e
o saxofonista de jazz John Coltrane.
Esse último se deixou mesmerizar pelos ragas de Shankar, os
diversos tipos de escalas usados para compor e improvisar.
A Glass, o citarista mostrou os talas, estruturas de ritmo
repetitivo que se tornariam uma das bases do minimalismo – o estilo erudito contemporâneo
que privilegia a repetição hipnótica de melodias e acordes, com modificações
quase imperceptíveis.
Para Harrison, o mestre abriu um novo mundo, e o legendário
álbum dos Beatles Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band não existiria sem os
ragas.
Coltrane morreu em 1967, Menuhin em 1999 e Harrison em 2001.
Já Shankar, aos 92 anos, está em plena atividade.
Sua primogênita, a cantora Norah Jones, cresceu longe dele.
Mais próxima, Anoushka, a caçula, revelou-se uma virtuose da
cítara.
É ela quem brilha na mais recente façanha do pai, Sinfonia,
peça de 41 minutos gravada com a Filarmônica de Londres e lançada agora em CD.
O modelo formal remete ao da sinfonia clássica: allegro,
lento scherzo e finale.
As semelhanças, no entanto, param por aí.
Os ritmos e as escalas modais comandam uma música orquestral
envolvente.
Há afinidades com Glass, é verdade. Aqui e ali também se
ouvem ecos da pegada sutil de Harrison, sobretudo nos momentos de destaque da
cítara. Mas atenção: o guru é Shankar.
Sua criação soa incrivelmente interessante, mesmo sendo uma
continuidade do movimento que iniciou há mais de meio século.
Ele diz que “o propósito da música indiana é levar o ouvinte
a um reino de consciência, em que a revelação do verdadeiro sentido do universo
pode ser vivida com alegria”.
Para o maestro David Murphy, que regeu a orquestra britânica
nessa bela interpretação, a obra é “uma jubilosa experiência de som melodioso,
ritmicamente marcado e multifacetado”.
João Marcos Coelho é
crítico de música do jornal O Estado de S.Paulo
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