Ele tardou, mas não falhou. Foi só em meados de 77, prestes
a completar 28 anos de idade, que o ex-crítico musical e professor de
literatura Mark Knopfler registrou em uma fita demo os primeiros trabalhos dos
Dire Straits – grupo formado por ele e seu irmão David nas guitarras, John
lllsley no baixo e Pick Withers na bateria.
A repercussão destas gravações não demorou a acontecer, com
a banda sendo convidada no ano seguinte para abrir a tour europeia dos Talking Heads
e, logo em seguida, apresentar seu álbum de estreia homônimo (o primeiro de uma
série de campeões de vendagem, encabeçado pelo hit marca registrada do grupo,
“Sultans Of Swing”).
A fórmula do sucesso era simples, mas eficaz: uma base
instrumental de country music com sutis inclinações para o rock’n’roll servia
de moldura para os riffs e solos cristalinos da guitarra de Mark – herdeira
direta do som de J.J. Cale –, em constante diálogo com seus vocais dylanescos.
O segundo álbum dos Straits, “Communiqué” (79), seguiu a
mesma trajetória vitoriosa do anterior e consolidou a reputação do grupo como
uma grande promessa para os anos 80.
Mas as coisas não iam tão bem como pareciam e, ainda durante
as sessões de gravação do LP “Making Movies” (80), David Knopfler abandonou a
banda, no que foi logo seguido pelo baterista Withers.
O esfacelamento da formação original dos Straits não
aparentava, a princípio, ter importância maior, mas a longo prazo mostrou-se
letal para a verve criativa do grupo.
Recrutando outros músicos e dando mais espaço para os
teclados nos shows e discos posteriores, Mark sofisticou a música dos Straits,
mas ao mesmo tempo matou aquilo que os primeiros trabalhos da banda tinham de
mais precioso: a espontaneidade.
Foi talvez em busca dessa qualidade perdida que Mark
mergulhou de cabeça no projeto dos Notting Hillbillies.
Depois da incrível projeção alcançada pelos Straits, do
longo hiato que se sucedeu ao último LP da banda, “Brothers In Arms” (85), e de
suas incursões pela música cinematográfica, nada mais justo que ele tentasse
voltar à simplicidade e à magia das seis cordas de guitarras e violões.
Foi o que ele começou a fazer com Brendan Croker, Steve
Phillips e o dire strait Guy Fletcher nos Notting Hillbillies.
Nessa entrevista, distribuída feito release pela Polygram,
em agosto de 1990, Mark Knopfler e Brendan Croker falaram a respeito do novo
grupo.
Como foi que os
Notting Hillbillies surgiram?
Mark Knopfler – O que aconteceu é que eu ia produzir um
disco do Steve (Phillips). Logo depois, ele estava pensando numa parceria com
Brendan (Croker), o que me agradou muito porque nessa época eu já estava
totalmente encantado pelo trabalho da banda de Brendan, The Five O’Clock
Shadows – até tocava com eles de vez em quando. Ao mesmo tempo, Guy (Fletcher)
e eu vínhamos trabalhando em trilhas sonoras como “The Last Exit To Brooklin”
e, mais recentemente, num álbum com músicas de Chet Atkins. Tivemos essa ideia
de fazer um disco com Steve e Brendan, começamos a discutir ideias e acabamos
rapidamente nos transformando numa pequena banda. Passamos de dois para quatro,
pois no fim também decidi tocar e, é claro, tivemos a enorme colaboração de Guy
em todos os teclados, Synclavier e bateria eletrônica. Assim, todos
participaram e interferiram no disco.
Brendan Croker – Isto foi um ponto-chave.
O álbum foi todo
gravado em Londres?
Mark – Todo, a não ser a pedal steel.
Brendan – Ela foi gravada em Nashville, por Paul Franklin.
Quem é ele?
Mark – Foi Chet Atkins que me apresentou a ele. Paul é muito
bom e eu sabia que daria certo. Queria um som de pedal steel em grande parte do
material e ele se revelou também uma pessoa muito legal. Vai fazer parte do
grupo e excursionar conosco.
E quanto ao
repertório?
Mark – Nós passamos tanto tempo com outros projetos que, ao
fazer esse disco, nos pareceu natural que quiséssemos incluir nossas músicas
nele. Mas também tentamos fazer algo com certas coisas que nunca receberam a devida atenção... Coisas dos anos 20,30 e
40. Nunca quis me prender a reconstituir estas melodias como eram
originariamente. Este nunca foi o meu estilo e Brendan não é assim também.
Jogamos uma influência diferente ali, marimbas mais adiante, o que sentíssemos
que havia necessidade... Outra coisa boa é que o disco foi gravado em etapas.
Eu saía para fazer outras coisas, Steve e Brendan partiam em turnê e depois
voltávamos para escutar mais algum material com Guy. Em vez de usarmos só três
semanas, isso levou meses!
Brendan – Acho que ao todo uns dezoito meses.
Quando a banda
começou a tocar?
Brendan – Ah! Eu me lembro do dia... Foi no aniversário da
Corinne, não foi?
Mark – Isso mesmo.
Brendan – A filha do Steve. Ele tinha acabado de voltar para
casa e pensamos: “Que boa desculpa para estarmos reunidos!” Então organizamos
esse pequeno evento. Cada um trouxe seu equipamento, carregamos aquelas caixas
de som, e nós dois, sendo de Yorkshire, cobramos entrada de todo mundo, lembra?
Afinal, não íamos deixar ninguém entrar de graça só porque era aniversário da
Corinne.
Mark (sério) – Não sei nada sobre isso, Bren...
Brendan – Você ganhou 22 libras e gastou tudo em cerveja!
(Risos).
E quanto ao Steve?
Quando vocês o conheceram?
Mark – Eu era e sou um fã de country blues. E Steve estava tocando
num pub, pensei: “Isso é para mim!” Acabei conhecendo-o, não sei como, não me
lembro... Simplesmente nos ligamos quase que imediatamente.
Brendan – Eu vou contar praticamente a mesma história que
você. Me mudei para Leeds para fazer um trabalho sobre estradas de ferro. Um
dia, fui a um show. E lá estava aquele cara tocando alucinadamente. Era o Steve
Phillips. Quando eu o vi naquela época, ele era o líder da Juke Band, que é uma
das melhores bandas rockabilly que já vi. Tinham o maior swing, lembra Mark?
Mark – É... Mais tarde Steve teve uma banda rockabilly
fantástica, eram só três integrantes, mas era ótima.
Vocês já haviam feito
um trabalho nesse estilo, não é?
Mark – Sim, fazíamos, embora eu não tocasse muito, estava
mais ligado ao blues e R&B, um som mais elétrico. Depois, Steve e eu
formamos uma dupla acústica chamada The Duolian String Pickers. O nome era
tirado de uma marca de violão do tipo National, o Duolian. Para nós, o National
sempre foi uma coisa meio mágica, sempre associado basicamente ao blues e à
country music. Nessa última, o equivalente ao National é o dobro – um violão de
madeira que tem um ressonador de metal, aquela coisa circular que você vê. Mas
a maioria do pessoal que toca nas ruas usa o National, pois o ressonador joga o
som para fora e você pode usá-lo com um bottleneck, um tubo de metal, ou mesmo
tocá-lo deitado sobre os joelhos, no estilo havaiano.
E sobre suas músicas
gravadas pelo pessoal da country music?
Mark – Algumas coisas que compus foram gravadas pelo pessoal
de Nashville, The Judds e Waylon Jennings e por aí afora... Chet Atkins e os
Everly Brothers gravaram coisas minhas, mas eles não gravariam “Tunnel Of Love”
ou “Sultans Of Swing”, nem fariam “Money For Nothing”. Mas tem algumas músicas
que compus que eles fariam e “Your Own Sweet Way” parece ser o tipo de música
que eles poderiam gravar. E achei que também funcionava com o Hillbillies. Até
o Dire Straits poderia fazê-lo. Posso fazer com que a banda a grave sem
qualquer problema, e provavelmente vamos fazê-lo. Mas tenho certeza de que
quando acabarmos com ela, no Dire Straits, será uma coisa totalmente
diferente.
Como vocês definem o
som do Notting Hillbillies?
Mark – São companheiros curtindo uns aos outros. Não é
estritamente a reconstrução de material antigo. O que queremos na música,
encaixamos. Assim, algumas coisas soam como tradicionais, porque achamos que
era a melhor maneira de fazer tais músicas. Mas não é uma banda ligada a
raízes. Os puristas não vão gostar muito do que fazemos. Não é uma banda
hillbilly (caipira). Não tem banjo, bandolim, nem rabeca.
NOTA DO EDITOR DO
MOCÓ:
Os Notting Hillbillies gravaram apenas um disco, o
desbundante “Missing Presumed Having A Good Time”. Em compensação, de lá pra
cá, Mark Knopfler lançou uma dúzia de discos ducarálio entre os quais destaco “Golden
Heart”, “The Princess Bride”, “Sailing To Philadelphia”, “Wag The Dog”, “The
Ragpicker’s Dream” e “Shangri-La”. Sem contar que o disco duplo “The Twelfth
Night”, fruto do encontro dele com Eric Clapton, tem uma das mais invocadas
versões de “I Shot The Sheriff” que já ouvi na vida.
Um comentário:
Eu tive esse disco, no formato LP. Uma aula de música de qualidade.
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