Onde você estava no dia 17 de junho de 1962? Quem ainda não
era nascido, por favor, vire a página e nos deixe com nossas memórias. Foi o
dia em que o Brasil ganhou a Copa do Mundo pela segunda vez seguida, no Chile.
Até hoje, é pavloviano: quando penso naquela Copa, ouço a música “Et Maintenant”
e sinto o gosto de cachaça com mel.
Eu morava no apartamento de uma tia, no Leme. Acompanhávamos
os jogos do Brasil pelo rádio tomando batidas de cachaça, cuidando para nunca
variar a rotina que estava obviamente ajudando nosso time. A Clarice Lispector
era vizinha, mas não me lembro dela participando destes rituais. Sentimos que
tínhamos feito alguma coisa errada quando o Pelé se machucou, teríamos trocado
a marca da cachaça? Depois descobrimos que tudo estava previsto. Com o Pelé
machucado, o Garrincha se viu na obrigação de jogar por quatro e ganhar a Copa.
A celebração das vitórias sempre começava com “Et Maintenant”
a todo volume no toca-discos e geralmente acabava no restaurante Fiorentina,
ali perto. Vitória do Brasil era apenas outro pretexto para festa no
Fiorentina, aonde iam “os artistas” e aonde pareciam estar sempre comemorando
alguma coisa. Hoje sei que se celebrava o fato de termos todos 35 anos menos do
que teríamos um dia. Garrincha e Gilbert Becaud, quem podia com esta tabelinha?
1962. Eu tinha saído de Porto Alegre naquele ano com a idéia
de ganhar algum dinheiro no Rio e depois ir para uma vaga Londres fazer alguma
coisa mais vaga ainda ligada a cinema. Éramos movidos a cinema, naquela época.
Eu não tinha diploma de nada nem qualquer vocação aparente, fora um discutível
“jeito para desenho”. A Clarice, amiga da família, chegou a telefonar para o
Ivan Lessa, que trabalhava em publicidade, para ver se me conseguia um emprego.
Não deu.
Chegou um amigo de Porto Alegre, companheiro de inconsequências, que
ganhara uma bolada da venda de umas terras do pai e entre usar o dinheiro para
se estabelecer ou queimar tudo num fim de semana no Rio optou pelo mais sensato
e me convocou para ajudá-lo. Sim, tive meus três dias de condor, mandando
baixar no Fred’s (o Hotel Méridien hoje se ergue sobre as suas cinzas) e
requisitando coristas para acompanhar nosso delírio de paulistas. A minha se
chamava Letícia e, meu Deus, hoje deve ser avó. Foi uma despedida tardia da adolescência.
Depois começou a vida real. Fui trabalhar com um americano
com a promessa de ficar rico e quase acabei preso, casei, tentei um negócio que
não deu certo e, quatro anos depois de me mudar para o Rio, voltei para casa.
Que ficara ainda mais longe de Londres do que era antes. Lembro que a estrela
principal do “Fred’s” era a Lady Hilda. A Lady Hilda era intocável. A Lady
Hilda namorava um delegado.
Em 1962, no Rio, você lia as colunas do Armando Nogueira, do
Nelson Rodrigues, do Stanislau Ponte Preta, do Antonio Maria, do João Saldanha,
do Paulo Francis escrevendo sobre teatro e mandando pau na direita... Quem
mais? Na Manchete saíam as crônicas do Rubem Braga, do Paulo Mendes Campos e do
Fernando Sabino, e na revista Cruzeiro as gloriosas duas páginas do Millôr.
Jango estava no governo, as reformas de base eram uma possibilidade (se apenas
o Lacerda deixasse, porque os militares estavam sob controle) e, como se não
bastasse a Rose di Primo e o sundae do Bob’s, havia o Garrincha. No auge, como
todo mundo. (LFV)
Um comentário:
Minha Copa do Mundo inesquecível aconteceu 20 anos depois. Foi a melhor seleção que vi jogar, e a maior dor como torcedor. Nem os títulos de 94 e 2002 me consolaram por aquela derrota. E, talvez por isso, não teve festa no Fiorentina depois, teve só tristeza.
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