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quarta-feira, setembro 02, 2009

Histórias do Clube da Madrugada (1)


Setembro de 1958. Desconfiados de que o escritor, poeta e crítico literário padre Nonato Pinheiro atracava de popa, os intelectuais ligados ao Clube da Madrugada incumbiram o poeta Luiz Bacellar de tirar a prova dos nove. O poeta monarquista não se fez de rogado.

Uma tarde, Bacellar e padre Nonato estavam tomando umas cervejas no bar Alemão, na rua Marechal Deodoro, e conversando sobre os poetas simbolistas franceses, quando, sem mais nem menos, Bacellar fez uma pergunta aparentemente inoportuna:

– Padre, dar o cu é pecado?...

O padre Nonato tomou um susto.

– Que é isso, Bacellar?! Eu estou aqui falando sobre Rimbaud e Verlaine e você me vem com uma pergunta dessas? Pôxa, assim não dá... Mas como eu ia dizendo, Verlaine leva a musicalidade e o efeito sugestivo das palavras a um limite até então desconhecido na literatura européia. Somos atingidos pelo efeito dos ritmos e dos sons de qualquer poema simbolista, mesmo que não conheçamos profundamente o idioma em que ele foi escrito.

Cerveja vai, cerveja vem, os dois já ficando levemente embriagados, Bacellar interrompe novamente o escritor:

– Mas, padre, dar o cu é pecado?...

O padre começa a ficar cabreiro:

– Que é isso, Bacellar?! Eu estou aqui recitando um dos melhores poemas de Verlaine e você me interrompe com uma pergunta dessas? Pôxa, meu amigo, assim você está ficando inconveniente... Mas como eu ia dizendo, Verlaine deixou os mais célebres versos desta sedução do movimento simbolista pela música em Canção de outono: Le sanglots longs / Des violons / De l’automne / Blessent mon coeur / D’une langueur / Monotone. Quer dizer, nós somos atingidos pelo efeito dos ritmos e dos sons de qualquer poema simbolista, mesmo que não conheçamos profundamente o idioma em que ele foi escrito. Perceba essa tradução do referido poema de Verlaine: Os lamentos longos / Dos violinos / Do outono / Ferem o meu coração / De um langor / Monótono.

Cerveja vai, cerveja vem, os dois já ficando meio embriagados, Bacellar interrompe novamente o escritor:

– Mas, padre, me explique de uma vez por todas: dar o cu é pecado?...

O padre ameaça perder as estribeiras:

– Olha, Bacellar, não sei por que você insiste nesse assunto, mas já estou ficando incomodado... Pôxa, nós dois aqui, conversando sobre coisas do espírito e você me faz uma pergunta estúpida dessas?... Assim, é melhor a gente ir embora... Bom, mas como eu estava dizendo, o nosso grande poeta Cruz e Souza foi especialista na utilização de imagens ousadas como efeito de sugestão e encantamento musical. Mesmo a morte, na obra do simbolista brasileiro, possui uma terrível musicalidade: A música da Morte, a nebulosa, / Estranha, imensa música sombria, / Passa a tremer pela minh’alma e fria / Gela, fica a tremer, maravilhosa...

Cerveja vai, cerveja vem, os dois já totalmente embriagados, Bacellar interrompe novamente o escritor:

– Mas, padre, só entre nós dois: dar o cu é pecado?...

O padre Nonato sorveu lentamente uma nova tulipa de cerveja, retirou e limpou os óculos num lenço imaculadamente branco, recolocou os óculos, encarou Bacellar nos olhos e informou:

– Olha, Bacellar, desde que seja com moderação...

No dia seguinte, após o relato do poeta monarquista, os intelectuais do Clube da Madrugada teriam suas suspeitas confirmadas.

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