Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sexta-feira, setembro 25, 2009
Primeiro as coisas primeiras
No primeiro plano, Abílio Farias e Davi Almeida. Na geral, Miltinho, Chico Fera, eu, Dinari e Jô Almeida (meio coberta pelo Davi), em mais uma noitada no Bar do Armando.
Eu deveria estar relatando a canção de gesta que foi o amor indescritível entre Anibalão e Eugênia. Vou ficar devendo essa, por enquanto. O poeta e filósofo John Kramer dizia, estuporando o coração: "Primeiro as coisas primeiras". Anibal e Eugênia entenderiam (entenderão). Um diabinho, aqui ao meu lado, diz que não foi Kramer que disse isso. Talvez Henry David Thoreau ou W.H. Auden. Foda-se.
Não sei há quanto anos conheço o Abílio Farias. Só sei que ele é uma das melhores pessoas que conheço. Há uns três meses, ele enfartou durante uma viagem entre Natal e Fortaleza. Foi atendido em Petrolina (PE). Reembarcado pra Manaus, passou por aquelas merdas tradicionais: cateterismo, pontes de safena, angioplastia, etc. Sobreviveu.
Abílio está na pior fase da doença que consiste exatamente naquelas presepadas de parar de fumar, de beber, de trepar, de tocar punheta e andar dois quilômetros por dia feito uma barata tonta. Pra aliviar essa onda, ele vai fazer um puta show amanhã (sábado), no Fest Club (antigo Fast, antigo Clube Municipal, essas coisas).
O show, intitulado sabiamente “Ação entre Amigos do Coração”, vai servir para o Abílio levantar uma grana para custear seu pós-operatório. Os cantores Mustafa Said e Goreth Almeida, entre outros, vão dar uma palinha.
A grande putaria é que mandei essa informação para todos os jornais da cidade e nenhum se deu ao trabalho de divulgar. Fodam-se. O Abílio é maior do que todos eles juntos e, com certeza, sua festa vai bombar. Eu estarei lá e recomendo. Pra não frescar muito, transcrevo um texto meu, publicado no dia 19 de agosto de 1999, no jornal Amazonas em Tempo:
No mês passado, durante o lançamento do projeto “Universidade Livre do Armando”, o cantor Nunes Filho incendiou a platéia, fazendo jus ao título de Príncipe do Brega. Hoje, quem dá as cartas é o Rei do Brega, Abílio Farias, o Reginaldo Rossi do Amazonas. Ou será que o Reginaldo Rossi é que é o Abílio Farias de Pernambuco? Essas e outras questões transcendentais serão respondidas, a partir das 20 horas, no Bar do Armando, quando Abílio começar os primeiros acordes de “Coração Dividido”, aquele hino de qualquer espada-matador, composto pelo saudoso Domingos Lima.
As atrações não param por aí. A companhia Vitória Régia vai apresentar um trecho da peça “O Casamento da Filha do Mapinguari”. O bonequeiro Paulo Mamulengo, presidente da Associação Nacional dos Criadores de Mapinguari, vai falar a respeito desse pequeno animal, semelhante a um urso koala gigante e que se encontra perigosamente à beira da extinção. A dançarina Giselle Souza vai fazer uma exibição de Dança do Ventre, enquanto este vosso escriba autografa o verdadeiro "Manual do Espada". Após a apresentação de Abílio Farias, o grupo Panavoeiros da Mata Virgem sobe ao palco para mostrar as canções do famoso show “Tangurupará”.
O palco do show foi um dos motivos que levaram Manuelzinho Batera a ser deletado da Comissão de Licitação da BICA. Para um tablado de 2x2m, ele exigiu cinco quilos de pregos, três dúzias de tábuas corridas, 12 pernamancas, 20 folhas de compensado e 10 galões de tinta. Era material suficiente para construir um bangalô de dois quartos na Cidade de Deus. Aproveitando a moda, o ex-presidente da BICA, Deocleciano Souza, pediu a abertura de uma CPI sobre o escândalo. Manuelzinho também será indiciado por “tráfico de influência”. Ele tentou vender uma vaga de diretor da banda para um corretor de imóveis conhecido por Darlan.
O fim do mundo pode não ter acontecido, mas o da BICA está para começar. Ao saber que o tema da banda para próximo ano é a venda de alvarás para traficantes, o presidente eleito José de Anchieta, membro do poder Judiciário, pediu o boné e foi substituído, interinamente, pelo vice, Julinho da Receita. O problema é que Julinho tem menos de cinqüenta anos e já está aposentado, o que, no entender do presidente Fernando Henrique, é sinônimo de “vagabundagem”. Como, entre os diretores da banda, a palavra “vagabundo” é tabu, uma comissão de notáveis está estudando a delicada questão. Tudo indica que dona Lourdes, mulher do Armando, será a nova presidente da BICA, apesar do número de piadinhas de duplo sentido que o fato possa desencadear.
Mas, voltando à vaca fria. Assisti a um show do Abílio Farias, pela primeira vez, em 1978, no extinto lupanar “Saramandaia”. Fui na companhia do saudoso bicheiro Ivan Chibata, irmão do “capo” Beto Boca Rica. Até então, minhas incursões pelo circuito hardcore da cidade limitavam-se a uma ou duas visitas ao “Iracema” e ao “Piscina “. Vi, no palco, um Abílio que não ficava parado, sempre andando pra lá e pra cá, o tempo todo, como se estivesse em transe mediúnico.
Não bebia cerveja, entornava litros e litros de uísque vagabundo e tirava baforadas de um "joint", capaz de matar Bob Marley de inveja. Também não enxugava o suor o rosto, apenas passava uma flanela amarela na testa e depois a jogava para a platéia. Um saltimbanco de paquera, a coreografia do espada-matador. E, além de tudo, era um show interativo.
Abílio dividia a platéia em “gigolôs espertos com a carteira cheia de grana”, “coroas que não transam há mais de um ano”, “meninas do interior que perderam o botão de rosa com marinheiros”, “caras que estavam pulando a cerca pela primeira vez”, “marafonas em fim de linha”, “casais que vão dar uma depois do show” e então mandava uma música à altura de cada tribo. Era um delírio total.
Para mim, foi uma revelação, quase um alumbramento. Esse amazonense de Manaus é mais que a trilha sonora de uma mulher de shortinho molhado, passando o rodo na cozinha. Sua dengosa sem-vergonhice tem um público grande e plural. Seus boleros machistas, salsas desencanadas e sambinhas marotos seduzem os ouvidos femininos, levantam o moral de moças carentes e ensinam aos homens alguns truques para o “bom combate”. Ele é o que muitos machos gostariam de ser e muitas mulheres de ter. Assistir a seu show é como penetrar no laboratório onde o Manual do Espada foi concebido. Eu recomendo.
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