Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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segunda-feira, setembro 14, 2009
A grande decisão
O gaudério Pedro Ivo Padilha, um simpático engenheiro eletrônico com quem tomei altos porres no saudoso Bar Consciente, ali na Rua Joaquim Nabuco, me enviou esta crônica do jornalista Davi Coimbra, do Zero Hora, me instigando a relembrar os tempos em que eu era o melhor jogador de Celotex (que a gente chamava "Solatex", imaginado que os jogadores eram feitos exclusivamente de látex) da Cachoeirinha. Vou pensar no assunto. Por enquanto, curtam a crônica do Davi Coimbra, que também me deu saudades dos velhos tempos:
Eu não era bom no gude. A começar pelo meu nhaque, que era... como direi para não chocá-los? Digamos que meu nhaque chamar-se-ia, em termos publicáveis, cloaca. Ou ânus de galinha.
Enfim.
O problema é que esse tipo de nhaque não tem muita propulsão. E, também, não se podia dizer que minha pontaria fosse bem calibrada. Então, eu me dava mal no gude, perdia minhas águidas todas. Craque era o Edu Brites, o nhaque mais potente do IAPI. A bolinha saía da mão do Edu feito um tiro de tresoitão, quebrava a joga da gente ao meio.
Aliás, o Edu era o tipo de cara bom em tudo. Existem caras assim. Ele jogava bem gude, boco, pião, bafo, pingue-pongue e, o mais importante, futebol. Tinha um chute de entortar travessões, o Edu Brites.
Só tem o seguinte: não me ganhava no botão. Ninguém me ganhava. Para se ter uma idéia da minha craqueza: nós jogávamos campeonato valendo botão. Comecei com um time humilde, contratado às pressas, meus puxadores tinham no máximo duas camadas e alguns não passavam de uma. Acho até que coloquei um panelinha de improviso na lateral-direita. Mesmo assim, ganhei tantos títulos que chegou um momento em que 11 times dividiam a caixa de sapatos onde se concentrava a delegação.
Agora um trauma: nunca tive Estrelão. Manja Estrelão, o campo do futebol de botão da Estrela? Pois é. Nunca tive. Uma careza. Jogava no parquê mesmo, minha mãe enlouquecia porque o assoalho ficava todo dentado pelas fichas. Estrelão era coisa rara na turma. Até que um dia resolvemos nos profissionalizar. Saímos pela Zona, um pedia madeira, outro pedia tinta, outro pedia grana mesmo. Conseguimos montar um baita estádio de botão, coisa mais linda. Era do tamanho de dois Estrelões, seria o Serra Dourada do botão. Ou melhor: o Maraca.
Organizamos um campeonato para inaugurar o estádio. E, pela primeira vez, não valia botão: valia taça e medalha. Taça e medalha, cara! Jamais havia ganho uma única taça, uma única medalha. Disputei todos aqueles torneios de colégio, torneio de futebol, de gaita de boca, de nilcon, participei de todas as corridas de carrinho de lomba, de bicicleta e até de patinete, joguei tudo, sem ganhar uma só medalha, uma só taça, ainda que pequenina. E agora poderia me redimir! Sim, porque ninguém me bateria no botão, no botão eu era o maioral, o kid, o Pelé, o John Travolta, o Wianey Carlet!
Começou o campeonato. E comecei a ganhar deles todos. Ganhei do Edu, do Barril, do Zoreia, do Languiça, do Apara Peido, do Floxo. Cheguei à final. Meu adversário era o Diana, aquele que era chamado de Diana porque tinha uma cadelinha chamada Diana. Meu, eu jogava muito mais do que o Diana. Sempre ganhava dele quando nos enfrentávamos no parquê, se bem que, preciso reconhecer, no parquê o mando de campo era meu. Mas jogava mais do que ele em qualquer lugar e, como minha campanha fora melhor, só necessitava do empate para levar a taça e a medalha. Barbada.
Porém, mal o jogo havia iniciado, o Diana, CABUMBA, meteu um gol lá do meio do campo. Mas que bá. Fiquei meio zonzo. Até porque a turma, em volta, vibrou. Pensei: pô, os carinhas estão torcendo pro Diana? Malditos traidores. Fui para cima dele. Pressão total. Só que, por algum motivo, os chutes dos meus atacantes não entravam. Pegava na trave, batia no goleiro, riscava o poste, o zagueirão de três camadas tirava. Não entrava! Aquilo foi me enervando. A partida durava 10 minutos e cinco já haviam se passado.
Lá pelos seis, a bolinha caiu a um palmo do meu meia Rivellino, um puxador de duas camadas muito elegante, azul em cima, branco em baixo, as bordas numa inclinação de 25 graus, que é a inclinação perfeita para um meia de botão. Rivellino. Que jogador! O goleador e maior astro do time. Um verdadeiro ídolo, os outros botões seguiam sua liderança. Pois o meu Riva mandou um chute de revesgueio, a bolinha saiu alta, fez tzin!, chocou-se com o travessão e... gol do David!!!
Para minha surpresa, o pessoal vibrou também! Ah, eles queriam era sacanear. O problema foi que já na saída o Diana deu um chutinho de nada, um pum, mas a bolinha rolou como uma moeda e entrou no meu gol. Faltavam uns dois minutos e meio, a turma não parava de fazer barulho em volta, eu pressionando, eu chutando, eu tentando, e nada.
Aí a bolinha parou diante do Rivellino outra vez. Respirei fundo. O jogo ia terminar. Como diriam os narradores, estávamos no apagar das luzes, não havia tempo para mais nada, era o último cartucho.
Fiz pontaria.
Respirei fundo de novo.
Assestei a ficha em cima do botão.
Anunciei:
— A gol!
O Diana:
— Chuta!
Respirei fundo pela terceira vez. Pensei na taça. Na medalha. Finalmente teria uma taça e uma medalha! Meu coração se apertou, ao lembrar delas, tão faiscantes. E aí minha mão pesou e a ficha escorregou. O Riva deslizou torto, bateu torto na bolinha e, para meu desespero, foi para fora! O jogo terminou. A turma vibrou.
Cara, fiquei nervoso com aquilo de taça e medalha e perdi! É por isso que entendo as exigências de uma decisão. É por isso que sei o valor de quem não se abala numa final.
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