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segunda-feira, setembro 21, 2009

O descanso da guerreira


O deputado estadual Nelson Azedo, um dos implicados no caso Prodente, e os jornalistas Castelo Branco e Joaquina Marinho.

Fui companheiro de redação da Joaquina e do Castelo Branco no jornal Amazonas em Tempo, a partir de 1995, e dez anos depois voltamos a nos encontrar no jornal Correio Amazonense. Desde 2007, participo da luta dos dois no semanário Repórter, onde mantenho uma coluna fixa e faço algumas matérias especiais.

Mesmo lutando contra o câncer, Joaquina não perdia o bom humor. Nunca a vi se queixando de nada. Houve momentos em que pensei que ela seria capaz de vencer esse desafio, por conta de seu otimismo verdadeiramente contagiante. Não deu. Ela resolveu ir se encontrar com o resto da turma (Elaine Ramos, Chico Pacífico, Ernesto Coelho, Aguinelo Oliveira, etc) e nos deixou aqui, sem pai nem mãe.

Ao Castelo, Rayssa, Catarina e Castelinho, meus pêsames sinceros e a certeza de que, se existir mesmo o outro lado do espelho, a Joaquina vai zelar por vocês! Eu, infelizmente, estou ficando cada vez mais cético e desanimado. Deus é muito escroto!

Do Blog O Malfazejo, do meu brother Ismael Benigno Neto, publicado domingo:

Não deixa de ser reconfortante que, mesmo tendo perdido a lição de lealdade e carinho personificada em Joaquina Marinho, no mesmo dia Coari tenha se livrado, ainda que numa utopia democrática, da quadrilha liderada na cidade por Adail Pinheiro.

Penso na morte da Joaquina e não consigo afastar da mente o paralelo entre sua luta — e a luta do Castelo [José Maria Castelo Branco, seu companheiro] — e a derrota da mais notória e voraz matilha de ladrões que se viu, cristalinamente, no Amazonas nos últimos anos.

Quando a Polícia Federal deflagrou a operação Vorax, interrompendo a sangria que tornava uma das cidades mais ricas do Norte e do Nordeste uma vila mergulhada na falta de saneamento, educação e saúde, todos os veículos de imprensa alardearam o fato. Uns mais, outros menos, mas só se falava em Vorax.

O tempo passou, a quadrilha foi solta, Adail permanecia livre, e seu grupo, com a eleição de Rodrigo Alves, seguia sua marcha de desmonte do orçamento da cidade. Os jornais esfriaram a história, que foi caindo no esquecimento e só voltava à tona com novas prisões.

Apenas o REPÓRTER segurou a história, e por meses continuou contando e relembrando aos amazonenses os crimes de Adail. Acompanhei, durante alguns meses, estes dois, remando contra a maré, lutando contra a falta de dinheiro, escrevendo, diagramando, revisando, imprimindo e entregando, eles próprios, os cerca de dois mil exemplares semanais do jornal nas bancas da cidade, em plena madrugada.

Não havia romantismo, idealismo, só uma certeza reluzente, no rosto de Joaquina, de que aquela era a missão de seu jornal: não se entregar, porque tudo iria melhorar. Vi Joaquina e Castelo cheios de planos, esperanças, felizes pelas vendas do jornal. Os vi tristes, vendo financiadores os deixando, contando dívidas e escrevendo matérias, de chinelos, enquanto as crianças dormiam no sofá preto da redação, os esperando pra ir pra casa.

Era o lado desconcertante e ao mesmo tempo covarde de conviver com a Joaquina. Ela lutava contra um câncer agressivo, mas parecia dar de ombros para a doença. Desconcertante porque seu sorriso e seu carinho quebravam a ideia de que, doente daquela forma, ela deveria suspender tudo e esperar a cura ou a morte.

Joaquina, combalida pelo tratamento, ia para a rua buscar pautas para o jornal. Perguntei algumas vezes a você, Castelo, se não era melhor que ela descansasse em casa, e você me respondia com o olhar, como quem diz “E como eu vou forçar a Joca a isso?”. Covarde porque, de certa forma, vê-la esbanjando generosidade e garra me fazia sentir melhor, sem precisar sofrer junto.

Convivi durante alguns meses com estes dois, com seus filhos, vi de perto a dor e a alegria de se ser o que se é: eles eram obstinados. Nos desentendemos, eu me afastei, mas nunca deixei de pensar com carinho naquele convívio de poucos meses. Hoje, quando a doença a venceu, fiz silêncio. O silêncio de quem sofre o baque, de quem perde um amigo, mesmo um amigo distante.

Talvez nós dois, Castelo, tenhamos falhado em não explicar por que, em tão pouco tempo, nos demos tão bem. Não adiantou que convicções políticas, nunca ideológicas, tivessem tentado nos afastar. Convicções políticas não merecem essa vitória sobre o idealismo. De certo modo, somos todos idealistas, uns mais cansados, outros ainda imaturos. Durante aqueles meses unimos nosso idealismo, a simples vontade de escrever o que pensávamos, e contar o que sabíamos.

Foi com você que conversei mais, e foi por você que eu tinha a noção da realidade, a gravidade da doença, os problemas do jornal. Essa noção de realidade só era possível com você, dos planos, dos sonhos e do otimismo cuidava a Joca. E quem estava certo? Nós, com nosso ceticismo realista, ou ela, planando sobre a iminência da morte e sobre a pequenez dos problemas, como se se ocupasse de coisas mais importantes?

Como na luta da Joaquina contra uma doença tão covarde, é fácil, também nessa missão que vocês escolheram, o jornal, prever quem vai ganhar e quem vai perder no final. Se ela ainda estivesse aqui, provavelmente sorriria e perguntaria “E daí?”. Não se ganha todas as batalhas, mas pode-se lutar todas elas com paixão. É o que vou guardar da Joca comigo: Paixão.

Meu silêncio, além deste depoimento, é a forma mais honesta que tenho para lhe abraçar, Castelo. Dê um beijo nos meninos.


Do Blog da Floresta, no domingo:

O corpo da jornalista Joaquina Marinho foi sepultado à tarde hoje, após falecer durante a madrugada e ser velada durante o dia na funerária Almir Neves.

Formada em Jornalismo na Universidade Federal do Pará, Joaquina trabalhou com destaque na Rede Amazônia e nos jornais EM TEMPO, Diário do Amazonas e Correio Amazonense. Foi uma das fundadoras do semanário "Repórter".

Joaquina lutou intensamente contra um doença que a consomia nos últimos 12 anos, dando exemplo de muita bravura. Joaquina fez grandes reportagens em suas passagens pela TV Amazonas, uma delas sobre as antigas civilizações que habitaram a Amazônia. Foi ela que conseguiu gravar as imagens das inscrições rupestres nas pedras do rio Urucu que só ficam a mostra em secas muito fortes.

Foi Joaquina também que conseguiu as imagens do deputado Nelson Azedo e do ex-vereador Ari Moutinho na fundação Pró-Dente em ação de troca votos por tratamento dentário. O Amazonas, com certeza, perde uma grande jornalista.


Do Blog do Holanda, no domingo:

A jornalista Joaquina Marinho da Gama partiu hoje, depois de uma luta contra o câncer que durou exatos cinco anos. Era madrugada quando ela foi embora. Na Almir Neves, seus amigos preparam o último adeus. Joaquina era casada com o jornalista Castelo Branco, diretor de "O Repórter”.

Entre uma melhora e outra, Joaquina costumava dizer: “Escrevam, eu não vou morrer dessa doença”. Ela repetiu isso à última vez que a encontrei, saindo de uma igreja. Parece incrível como durou essa luta contra o câncer, uma doença cruel que lhe custou, há cinco anos, a extração do estômago e dos ovários.

Joaquina, mesmo doente, nunca deixou de trabalhar e de sonhar. Mais do que a crueldade do tratamento quimioterápico (com seus efeitos colaterais que faziam a vida ter gosto de fel), o que a fez cruzar quatro natais e mais da metade de 2009, foi o seu apego a essa mesma vida, que nunca deixou de ser bela e excitante para ela.

Ela deixa três filhos e um sonho: o jornal Repórter. São a herança do Castelo, o marido que foi o seu esteio nos últimos anos. Joaquina foi em paz. Ficaram os desafios...


Do Blog do Holanda, em 14/12/2007:

Um ano após a publicação da reportagem especial "Indústria de fazer voto", referente ao caso Prodente, de autoria dos jornalistas Castelo Branco e Joaquina Marinho, o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas realizou hoje a primeira oitiva com os dois profissionais de comunicação.

A audiência foi presidida pelo presidente do TRE, desembargador Jovaldo Aguiar, e acompanhada pelo procurador regional do MPF André Lopes Lasmar. Além dos jornalista, o TRE foi ouvida também a ondotóloga Gisele Makazami, ex-funcionária da Prodente, que procurou os jornalistas e que por via de conseqüência deu ensejo ao trabalho de investigação jornalística.

O caso Prodente, que no início foi investigado para apurar possíveis fragilidades (comprometimento) dos serviços prestados pela fundação, terminou como um dos mais vergonhosos escândalos de agiotagem (corrupção) política do Amazonas.

De acordo com as fitas gravadas pelos jornalistas e entregues ao MP, o título de eleitor era condição sine qua non para que o serviço fosse disponibilizado a centenas de pessoas que sentiam dor-de-dente.

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