Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sábado, setembro 26, 2009
Uma experiência pra lá de radical
Agosto de 2001. Uma semana antes do foneticista Ricardo Molina provar que a fita contendo uma suposta conversa telefônica entre o deputado estadual Mário Frota e o empresário David Benayon, envolvendo o senador Jader Barbalho em um esquema de propinas na Sudam, havia sido montada, o deputado amazonense andava com os nervos à flor da pele.
Nos últimos quinze dias, seu calvário tinha sido perambular como um zumbi pelas redações de jornais, repartições públicas, ruas, avenidas, becos, praças, sindicatos, botecos e biroscas, munido de um mini CD Player portátil e, invariavelmente, pedir para o primeiro conhecido que desse bobeira que ouvisse com bastante atenção o CD, onde estava transcrita a fita forjada.
Após a audição, Mário Frota segurava o ouvinte desavisado pelos ombros e, olho nos olhos, suplicava:
– Fala, aí, meu irmão! Tu achas que essa voz é minha? Hein? Hein? Tu achas que essa voz é minha?
A maioria concordava que era uma imitação grosseira.
Alguns, porém, demonstravam uma certa dúvida, o que levava o parlamentar a reprisar determinados trechos da “conversa”, numa tarefa que, se ninguém interrompesse, poderia durar o resto da vida.
O resultado deste exaustivo exercício mental foi que, a cada 100 vezes que reprisava a fita, o deputado acabava encontrando uma coisa nova, que tanto podia ser uma mesóclise pessimamente estruturada como um pronome adverbial sendo usado como sujeito.
E a cada descoberta, mais o deputado ficava puto. Os sujeitos que urdiram a trama não só queriam que ele passasse por corrupto, mas – suprema heresia! –, principalmente, por um tremendo analfabeto.
Na sexta-feira, depois de identificar uma nova estultice na fita, Mário Frota foi mostrar a descoberta para o deputado federal Artur Neto, um dos poucos políticos que ficara ao seu lado desde o primeiro momento.
Artur Neto tinha outras preocupações. O líder tucano estava aguardando a visita de um amigo secreto e não queria que Mário Frota soubesse do encontro, muito menos do motivo da visita. Só que esta nova visita totalmente inesperada poderia colocar tudo a perder.
Normalmente expansivo, Artur Neto mostrou-se, nesta noite, extremamente sorumbático. A conversa entre os dois foi de parentes distantes numa ante-sala de velório, sem saber direito quem era o morto.
Impaciente, Artur Neto começou a consultar ostensivamente o relógio, mas Mário Frota não estava nem aí, cada vez mais empolgado com sua nova faceta de Philip Marlowe, o detetive de Chandler. Ele repetia o trecho da fita no aparelho de som indefinidamente e pedia a opinião de Artur.
Mais diplomata do que nunca, Artur desfazia-se em mesuras: “Claro que não é a tua voz, Mariozinho, claro que não é a tua voz. A tua voz tem um timbre todo especial. Ela é tão límpida nas oitavas, que, muitas vezes, me dá a impressão de estar ouvindo Cole Porter ou Chet Baker...”
Duas horas depois, e vendo que mesmo inflando o ego de Mário Frota o mesmo não ia embora, Artur Neto resolveu mudar de tática. Diminuiu a luz da sala, deixando-a quase penumbra, foi lá na cozinha, trouxe uma garrafa de vinho branco, colocou na mesinha de centro, apanhou um disco no porta CD, colocou para tocar e disse, quase numa confissão a meia voz: “Essa música tem tudo a ver com o que você está passando, meu estimado amigo!”
Mário Frota tomou um susto ao ouvir os primeiros acordes de “I Will Survive”, na voz inconfundível de Gloria Gaynor.
– Peraí, meu irmão, essa música tem uma temática gay... – reagiu, nervoso.
– Ah, deixa de bobagem, Mariozinho, e pega um copo de vinho. Agora, presta atenção e vê se esses versos não têm tudo a ver contigo – e Artur começou a cantar, acompanhando a cantora: “Did you think I'd lay down and die? / Oh no, not I / I will survive... / Oh as long as I know how to love / I know I'll stay alive / I've got all my life to live, / I've got all my love to give and / I will survive... / I will survive... (Você pensou que eu deitaria e morreria? / Oh não, eu não / Eu vou sobreviver... / Enquanto eu souber como amar / Eu sei que permanecerei viva / Eu tenho minha vida toda para viver, / Eu tenho meu amor todo para dar e / Eu vou sobreviver... / Eu vou sobreviver...)
– Quê que é isso, meu irmão, agora você pegou pesado! Pô, Artur, sem gozação, eu estou te estranhando...
Artur agora estava observando o céu estrelado de Adrianópolis.
– Oh, Mariozinho, você já viu como esta lua cheia está bonita? Este céu estrelado, essa música romântica, esse vinho branco, nós dois aqui sozinhos, tudo isso me faz lembrar que recentemente o Michael Stipe, do REM, saiu do armário. Ele deu uma entrevista para a revista Time dizendo que vive com um cara há mais de três anos. Eu acho legal essa coisa da pessoa descobrir novos horizontes depois que entra na meia idade, você não acha?...
Mário Frota estava tremendo como vara verde, mas atribuiu o fato ao ar condicionado.
– Ih, rapaz, mas esse teu papo tá muito esquisito – conseguiu balbuciar.
– Qualé, Mariozinho? Eu te conheço há trinta anos e agora você quer dar uma de preconceituoso? – continuou Artur, procurando um novo disco no porta CD. “Só estamos nós dois aqui. Somos amigos de velha data, adultos bem resolvidos, e a gente precisa de vez em quando de umas experiências mais radicais. Tu não achas, não?...”
– Porra, meu irmão, experiência mais radical do que essa que estou passando... – contemporizou Mário Frota. “Me sinto como um cristão enfrentando leões famintos no Coliseu com muita gente da platéia torcendo para eu ser logo morto...”
– Não, não é desse tipo de experiência que estou falando – atalhou Artur Neto. “Estou falando dessa coisa mais visceral, mais de pele, dessa coisa que vem de dentro, como uma força estranha. Tu não sentes isso, não?...”
Quando Donna Summer começou a cantar “Love To Love Baby”, Mário Frota percebeu que a situação havia atingido o imprevisível “break even point”, estando a um passo de se tornar insustentável. Visivelmente constrangido, ele apanhou o seu CD Player portátil, guardou o CD com a transcrição da fita na bolsa e isolou a bola na arquibancada:
– É, Artur, o papo está muito bom, muito interessante, muito filosófico, mas eu preciso resolver umas pendengas com meu advogado. Se tiver tempo, te ligo amanhã. Boa noite!
E antes que Artur se aproximasse para o tradicional abraço de despedida, Mário Frota já estava ligando o carro e fugindo em disparada, como se tivesse escapado por pouco de ser abduzido por um ET.
Susto maior teve o amigo secreto do parlamentar tucano quando entrou na sala meia hora depois e deparou-se com Artur Neto rolando pelo chão, babando de tanto rir, como se tivesse treinando para doublê da Linda Blair num futuro remake de "O Exorcista".
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Um comentário:
Muito Bom!
Anselmo - Minerva Pop
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