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quarta-feira, setembro 16, 2009

Coisas que ainda lembro desse chamado rude esporte bretão


Cazuza, eu e meu eterno parceiro, o diretor de arte e designer Sergio Bastos, durante um fuzuê no Dulcila’s

Quando era criança, por volta dos oito anos de idade, meu grande ídolo no futebol era meu primo Carlos Alberto, o Cazuza, sete anos mais velho do que eu, com quem dividia um quarto na casa da tia Maria, ali na Rua Parintins, entre a Waupés e a General Glicério, na divisa com a Praça 14.

No campinho de várzea ao lado de casa (onde hoje está a quadra de futebol do Edson da Rivera), cujas partidas eu acompanhava da janela, o Cazuza costumava infernizar as zagas adversárias com dribles desconcertantes, cabeçadas fulminantes e chutes indefensáveis. Quando eu crescesse, queria ser como ele.

Aos 17 anos, Cazuza começou a jogar no juvenil do Olímpico Clube. Foi tricampeão invicto e três vezes artilheiro do campeonato amazonense, jogando ao lado de outros moleques que depois ficaram meus amigos como Wandi, Bioca, Augusto, Calderaro, Mario Buriti, Pompéia, etc.

Tenho absoluta convicção de que ele seria um dos melhores jogadores profissionais do Amazonas se não tivesse tido sua brilhante carreira interrompida abruptamente aos 21 anos, quando um estúpido zagueiro de seu ex-clube, após um drible desconcertante, arrebentou maldosamente sua perna direita.

A história se passou mais ou menos assim.

Em 1971, Cazuza e Mario Buriti aceitaram um convite do time profissional do São Raimundo para fazerem dois amistosos contra times de Santarém (PA). Como eram apenas aspirantes do Olímpico Clube, não viram qualquer inconveniente no convite e se mandaram. Nas duas partidas, Cazuza fez seis gols – três deles verdadeiros “gols de placa”. Como ele havia nascido em Santarém, saiu de lá consagrado pela nossa parentada.

Na volta, os dois aspirantes foram cortados do time juvenil do Olímpico e vetados de participar de qualquer competição, profissional ou amadora. Os dirigentes do São Raimundo compraram a briga, apelaram pra Justiça Desportiva, fizeram o escambal. Mário Buriti e Cazuza foram contratados. Como o titular da camisa 9 do “Tufão da Colina” era o famoso artilheiro Santarém, Cazuza aceitou jogar na ponta direita.

Sua estréia profissional, por coincidência, ocorreu contra o Olímpico Clube. O zagueiro Dirley ficou encarregado de marcá-lo. Lá pelas tantas, Mario Buriti lançou uma bola pro Cazuza, meio na dividida. O zagueirão correu pra disputa. Cazuza chegou primeiro e deu um leve “tapa” na bola, para aplicar o conhecido drible “rabo de vaca”, uma de suas especialidades. Quando girou o corpo pra pegar a bola do outro lado, sentiu uma dor lancinante no joelho.

O zagueiro Dirley havia prendido seu pé na grama e, ao efetuar o giro, com a perna imobilizada, todos os ligamentos (internos e externos) se romperam. Seu pé ficou vergado para trás, como o de um curupira. Cazuza saiu de campo direto para o hospital. Como estávamos na pré-história do futebol amazonense e não havia nenhum cirurgião especializado disponível, sua perna foi apenas imobilizada e tratada a banhos de luz. Nunca mais ficou boa.

Diferente do meu primo, que era ambidestro, bom cabeceador e dotado de uma explosão de velocista jamaicano, eu era canhoto, cabeceava de olhos fechados e tinha a velocidade de uma preguiça baiana. Futebol, ora, ora, jamais iria ser a minha praia. Mas me esforcei, juro que me esforcei.

Nesse campo, tenho pouquíssimas boas lembranças a recordar. Uma delas: aos 13 anos, num campeonato de times mistos, no Ida Nelson, eu fui artilheiro, jogando ao lado de Waldemir (da 4ª série ginasial, técnico do time), Jalves (da 2ª série ginasial, um autêntico Rivelino), Grimberg (da 3ª série ginasial, minha classe) e Corujinha (da 1ª série ginasial, nosso Lev Yashin). Não fomos campeões porque a diretora, dona Yvone, encerrou o campeonato depois de uma porradaria infernal ocorrida entre duas equipes.

Aos 17 anos, já terminando a Escola Técnica, joguei meia-dúzia de partidas pelo juvenil do São Raimundo, enfrentando o Nacional, no antigo Parque Amazonense, e o Rio Negro, no estádio da Colina, entre outros. Perdemos do Naça de um a zero, gol do Dentinho, e ganhamos do Rio Negro de dois a um, sendo um dos nosso gols fruto de um lançamento que fiz. Eu era medíocre, mas, repito, muito esforçado.

Nesse mesmo ano, fui campeão e artilheiro do disputado campeonato de futebol realizado no Oratório, ali na Praça 14, pelo time do Holanda, que tinha como técnico João Bosco, atual dono do Bar Três Porquinhos e meu colega de classe na ETFA. O time vice-campeão tinha como grande estrela o Lauro Goiaba, que depois se tornou um excelente jogador profissional.

Em 1977, disputando o terceiro lugar do campeonato industriário pela Sharp no estádio Vivaldo Lima, eu, que até então vinha jogando de quarto-zagueiro, resolvi me prevalecer do fato de ser capitão de equipe para jogar de centroavante e mostrar pros patifes da nossa linha que futebol era bola na rede.

Dei sorte. Fiz três gols (um deles de calcanhar), dei passe para outros dois (Zezé e Luiz Lobão), e massacramos o time da Reman por seis a zero. Desconfio até hoje que se tivesse jogado de centroavante desde o início a gente teria sido campeão. Mas isso não passa de especulação tipo saber o que o Jimi Hendrix faria hoje se ainda estivesse vivo.

Também disputei algumas edições do “Peladão”, seja jogando pelo inesquecível “Murrinhas do Egito” e pelo abusado “Setembro Negro”, seja torcendo pelo “Inútil”, campeão do torneio início em 1975, e pelo “Olímpia”, o único vice-campeão invicto na história do famoso campeonato de peladas. Mas falo disso outro dia.

O certo é que como nunca me dei bem entre as quatro linhas, comecei a praticar futebol fora de campo. Das brincadeiras que ainda me lembro, essas eram as mais concorridas:


Futebol de Preguinhos – Em uma madeira retangular com 50 x 30 cm, forrada com feltro verde e cercada por ripas de madeira, os dois times, formados por pregos de cabeça redonda, eram distribuídos no campo. As cabeças dos pregos, evidentemente, eram pintadas de cores diferentes para identificar as equipes. Com o auxílio de uma palheta de sorvete, você tentava fazer gols no time adversário arremessando uma bolinha em direção ao campo contrário. Cada jogador tinha direito a um lance. As partidas eram de cinco. Carlos Sabóia, um colega de classe do quarto ano primário, era o rei desse esporte. Em apenas uma tarde, ele me derrotou mais de 70 vezes.


Pebolim, totó ou pacau – É um jogo que simula uma partida de futebol, porém é jogado em uma mesa especial, nas medidas de 106 x 90 x 78 cm, que comporta pequenas peças (mais comumente de madeira, mas também podem ser de metal ou plástico) em formato de jogadores que são enfileiradas e atravessadas por uma barra de ferro. Dessa forma, quando um jogador rotaciona uma das barras de ferro, os “jogadores” do seu time (as pequenas peças de madeira) chutam a bola. Nas duas extremidades da mesa há um goleiro e um gol. Nunca joguei essa merda, portanto não dá pra saber se eu seria bom ou não no esporte.


Eletrobol – Sim, o filho da puta do jogo era gostoso e viciante como um bicho desses. Do tamanho de uma mesa oficial de pebolim, o eletrobol consistia de um jogo eletrônico que tinha a duração de três minutos corridos e funcionava a base de fichas. Os jogadores eram distribuídos em trilhos verticais, alternadamente, sendo um de cada equipe. Uma das pernas do jogador ficava no trilho e a outra (a de chute) semi-aberta, voltada pra lateral. Nas extremidades de cada máquina havia 10 alavancas correspondentes a cada jogador. Os cinco jogadores da direita chutavam com a perna direita. Os cinco da esquerda, com a perna esquerda. Empurrando a alavanca pra frente, o jogador corria na sua linha em direção ao gol adversário. Acionando a alavanca pra baixo, o jogador chutava. Puxando a alavanca para trás, o jogador voltava em direção ao seu campo. Pressionando a alavanca pra baixo e empurrando pra frente ou pra trás, o jogador corria pra frente ou pra trás, com as duas pernas sobre o trilho, como se estivesse de perfil. O goleiro era movimentado para os dois lados, debaixo da trave, por meio de giros em uma alavanca circular na lateral inferior direita das máquinas. Quando acontecia um gol, a bola saía automaticamente por uma abertura lateral no meio do campo. Eu era viciado nesse jogo, mas um jogador medíocre. Nei Parada Dura, Frank Cavalcante e Jones Cunha eram, indiscutivelmente, os reis da cocada preta. Virou febre em Manaus nos anos 70, depois sumiu. Um dia desses, vi uma máquina dessas funcionando em um boteco ali pras bandas da Compensa e quase desci do carro pra jogar...


Botão Celotex – É um clássico incontestável. Comecei a jogar por influência de outro primo, Gigio Bandeira, na regra leva-leva (toques infinitos na bola). Foi ele quem me ensinou a dar “paradinha”, “trivela”, “meia lua”, “crucifixo”, “martelo”, a chutar de voleio e de forquilha, entre outras presepadas. Depois, virou meu freguês de caderno. Os jogadores eram do tipo “canoinha”, parecidos com fichas plásticas de pôquer, com a foto de jogadores em um círculo rebaixado no centro deles. Lembro de alguns jogadores do Flamengo (Ditão, Murilo, Paulo Henrique), do Fluminense (Samarone, Flávio, Lula), do Vasco (Fidélis, Renê, Gilson Nunes) e do Botafogo (Gerson, Rogério, Jair). Depois surgiram uns botões mais altos, ainda de plástico, trazendo os escudos dos times. A bola era um pequeno disco plástico. Os goleiros eram pequenos quadrados plásticos encimados por um semicírculo, com um ferrinho atrás, para serem posicionados nos arremates. Viciado, cheguei a possuir mais de 30 times e patrocinar diversos campeonatos no bairro. Nesse esporte, fui um dos melhores jogadores da Cachoeirinha em todos os tempos, tendo ficado invicto cerca de seis anos e derrotado 743 jogadores diferentes. Não é pouca porcaria.


Botão Gulliver – Era um jogo de botões muito mais dinâmico. Os jogadores em miniatura possuíam pernas articuladas e pés com diferentes formatos para chutes com efeitos variados. Havia pés para chutes de longa, média e curta distância, a possibilidade de bater por cobertura ou rasteiro, além de uma bolinha muito legal. O goleiro podia defender a bola depois que o adversário chutasse, porque também era móvel. Como eu só conhecia umas cinco pessoas que praticavam o esporte e ganhava de todas elas, não dá pra saber se eu seria ou não um grande campeão.


Botão Galalite – É bastante parecido com o Celotex, a diferença é que os jogadores são artefatos de acrílico maciço – bem mais alto e maiores que os botões de Celotex. Os jogadores podem ter o formato tradicional em forma de argola (mais utilizado nos torneios oficiais) ou em formato fechado. O goleiro é uma peça de acrílico maciço, um paralelepípedo homogêneo, do tamanho de uma caixa de fósforos. As bolas são esferas de feltro ou de lã, com peso e medidas pré-estabelecidos. São jogados pela regra baiana (um toque), carioca (três toques) ou paulista (doze toques). Nunca joguei, apesar de, ultimamente, andar me interessando muito pelo assunto.

Lembro que em 1970, no Colégio Batista Ida Nelson, o Jorge Daou (sua irmã, Dulce, estudava na minha classe) ficou sabendo que eu era o rei do futebol de mesa na Cachoeirinha e me fez um desafio: enfrentar o Braga Neto, colega de classe dele, e reputado como o rei do futebol de mesa de Adrianópolis. Topei.

No dia combinado, levei o meu melhor time (o Vasco, claro!) pro colégio e de lá, eu, Jorge Daou e Braga Neto nos dirigimos à casa do Jorge, ali na São Luis. O jogo seria disputado num magnífico “Estrelão”, onde eu jamais havia jogado. Passei a mão no compensado, pra sentir o grau de aspereza da madeira, e comecei a distribuir meu time em campo (“canoinhas”, do Celotex).

Quando olhei para o outro lado da mesa, o Braga Neto estava distribuindo seu time em campo. Tomei um susto. O time dele (Nacional? Rio Negro? Flamengo?) era formado exclusivamente pelos galalaus de botão Galalite. Cada jogador dele era três vezes mais alto do que os meus e, em termos de circunferência, tinham quase o dobro dos meus. Pra completar, o goleiro era do tamanho de uma caixa de fósforos – só faltava encostar nas traves (de Celotex, que ele não era besta) – e a bola, redonda. Eu nunca havia jogado antes com uma bola redonda.


Depois de alguns minutos de discussão, acordamos que no primeiro tempo usaríamos a bola do jogo de Galalite (de feltro, redonda) e no segundo tempo, a do jogo de Celotex (plástica, em forma de pastilha). Também combinamos jogar na regra carioca (três toques), em dois tempos de dez minutos.

No primeiro tempo, foi um massacre. Com dez minutos de jogo, já estava 12 a 2 pra ele, porque cada vez que uma “canoinha” meu esbarrava nos “galalaus” dele, meu jogador saía de campo. Achei que no segundo tempo a coisa fosse mudar. Ledo engano.

Nos primeiros minutos, o meu melhor jogador, Valfrido, fez dois gols chutando colocado (a pastilha tinha que passar milimetricamente entre o goleiro-paralelepípedo e a trave). A reação dele: colava a pastilha em um dos “galalaus” e largava a porrada em direção do goleiro. Na maioria das vezes, meu goleiro entrava com bola e tudo. Resultado: 9 a 4 pra ele. No placar final, 21 a 6.

Propus uma revanche: eu lhe enfrentaria no botão Galalite, usando um dos times de galalite do Jorge Daou. Depois, ele me enfrentaria no Celotex, escolhendo um dos trintas times que eu possuía. A gente somaria os dois placares e conheceria o grande campeão. Braga Neto não topou. Preferiu passar o resto do ano me avacalhando na cantina do colégio, na frente da mulherada.

Não sei se o Braga Neto ainda joga futebol de botão, mas gostaria muito de enfrentá-lo no próximo ano, quando serão completados 40 anos daquela grande infâmia. O New York Times informará.

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