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quarta-feira, novembro 18, 2009

Histórias dos beiradões


Fevereiro de 1985. Eleito pelo PDS, o prefeito Raimundo Sobrinho, de Boa Vista de Ramos, estava tendo dificuldades para “rolar” a dívida do município e pediu ajuda ao deputado estadual Átila Lins, para agendar um encontro dele com o governador Gilberto Mestrinho.

O ajuste fiscal que o boto navegador estava promovendo no estado estava tirando o sono dos alcaides.

Na manhã de uma sexta-feira, o telefone do prefeito tocou. Do outro lado da linha, Àtila Lins:

– Prefeito, estou aqui em Urucurituba. Pega uma voadora e se manda pra cá, que o governador vai lhe receber em audiência.

No início da tarde, Sobrinho chegou a Urucurituba, debaixo de um temporal diluviano. As ruas de barro haviam se transformado em cachoeiras de lama.

Para não sujar a imaculada calça de linho, o prefeito enrolou a bainha da calça até o meio da canela.

Quando o prefeito entrou na sala da Prefeitura, onde o governador estava realizando as audiências, o deputado percebeu que ele ainda estava com as calças enroladas.

Átila Lins se aproximou discretamente do prefeito e sussurrou no seu ouvido:

– Abaixe a calça, prefeito!

Sobrinho levou um susto.

– Já?!! – reagiu. “Eu pensei que a gente pudesse primeiro negociar...”

O deputado teve um trabalho do cão para desfazer o mal entendido.

2

Junho de 1994. Ex-Secretário Estadual de Educação, o deputado federal José Melo (PFL), candidato à reeleição, está fazendo uma reunião com pais, alunos e professores na cidade de Benjamin Constant, em uma das escolas públicas do município. A quadra da escola está completamente lotada.

José Melo começa um discurso inflamado sobre a necessidade de manter nas escolas as crianças entre sete e 14 anos, mas percebendo a indiferença da platéia resolve mudar de tática:

– Aqui vocês têm escola digna do nome? – vocifera

– Não! – a platéia berra, num coro ensurdecedor.

– Aqui vocês têm fardamento decente?

– Não! – a platéia responde, cada vez mais animada.

– Aqui vocês têm merenda escolar?

– Não!

– Aqui vocês têm atividades extra-curriculares?

– Não!

– Aqui vocês têm professores qualificados?

– Não!

Desolado, José Melo encerra seu discurso derrubando o rei:

– Também, quem manda vocês estudarem nessa merda...

Foi o deputado federal mais votado no município.

3

Comício de Amazonino Mendes em Novo Airão. O apresentador oficial do comício, Sambarilove, decora o nome do próximo orador, escrito num pedaço de papel entregue a ele pelo deputado Belarmino Lins.

Sambarilove limpa bem a garganta, enche os pulmões de ar e manda ver:

– E, agora, com vocês, a palavra amiga do nosso grande prefeito Tuuurrrrrrbuuuuliiiino!!!

Uma voz cavernosa nas costas do apresentador, devidamente amplificada pelo microfone aberto, atinge a multidão como uma bofetada:

– Turbulino é a puta que pariu!

O prefeito Antonio Tiburtino queria briga.

Amazonino e Belão quase perderam o fôlego de tanto rir.

4

O prefeito de Eirunepé, Edy Conrado, mandou uma mensagem para a Câmara Municipal criando a Reserva Extrativista de Madeira de Coatá, no rio Gregório, próxima da Área Indígena Igarapé Penedo e Baú. As discussões começaram.

O líder do prefeito, vereador Mundico, elogiou a iniciativa. Depois de tecer loas à visão de estadista do prefeito, ele disparou:

– O que eu posso garantir, senhores vereadores, é que com mais essa medida tomada em boa hora pelo excelentíssimo doutor Edy Conrado, nós vamos garantir que os nossos irmãos que vivem no mato possam usufruir de nossas riquezas vegetais e minerais...

O líder da oposição, vereador Beluzo, pediu um aparte:

– Se é uma reserva extrativista de madeira, nobre colega, me explique como os nossos irmãos vão ter acesso às riquezas minerais...

Sem perder a pose, Mundico deu um corta-luz:

– O nobre vereador Beluzo é mesmo uma besta quadrada, um ignorante. Pois fique sabendo, caro vereador, que lá na reserva o que mais tem é pau-de-ferro, pau-de-chumbo, pau-marfim, pau-terra e outras madeiras de lei. Por isso que falei em riquezas vegetais e minerais...

Beluzo devolveu de trivela:

– Então, sapientíssimo vereador, acrescente no texto do seu prefeito que os nossos irmãos vão usufruir de nossas riquezas vegetais, minerais e fisiológicas...

Mundico ficou irritado:

– Eu não disse? Ele já partiu para a ignorância... Que história é essa de riqueza fisiológica, companheiro?...

Beluzo meteu uma pedalada em direção ao gol:

– É que o nobre colega esqueceu de falar no louro-bosta...

Quase que sai tiro dentro do plenário.

5

Agosto de 1982. Reunidos em torno de uma garrafa de uísque paraguaio, três empresários da construção civil em situação pré-falimentar fazem especulações sobre o futuro político do Amazonas.

– Para governador, eu vou apoiar a candidatura do Josué Filho, do PDS, a pedido do Josué Cláudio de Souza, que é meu amigo há muitos anos – confessa Ézio Ferreira, dono da construtora Solo.

– Eu estou me inclinando a apoiar o Gilberto Mestrinho, do PMDB, a pedido do empresário Adib Mamede, que é meu amigo há muitos anos – diz Amazonino Mendes, dono da construtora Arca.

– Eu ainda não me decidi entre Plínio Coelho, do PTB, ou Osvaldo Coelho, do PT, mas acho que vou acabar apoiando os dois pra matar dois coelhos com uma só cajadada – ironiza Porfírio Almeida, dono da construtora Rodal.

Os três firmam um pacto de cavalheiros. Fosse quem fosse o eleito, aquele que estivesse ao lado do vencedor evitaria que os demais fossem discriminados nas licitações de obras públicas do governo.

Na eleição de novembro, Gilberto Mestrinho derrota Josué Filho e conquista o governo do Amazonas pela segunda vez.

Em dezembro, o empresário Ézio Ferreira telefona para Porfírio Almeida, sem esconder a euforia:

– Mano velho, nem te conto a maior! O Adib Mamede e o João Thomé Mestrinho estão trabalhando duro nos bastidores para o Amazonino ser o novo prefeito da cidade!

– Ah, corta essa, Ézio! – rebate Porfírio. “É mais fácil um boi voar do que o governador Gilberto Mestrinho nomear o Amazonino prefeito de Manaus... Eles mal se conhecem...”

No início de março de 83, Ézio dispara um novo telefonema para Porfírio:

– Mano velho, tu não vais acreditar... O boi voou!

Gilberto Mestrinho acabara de sacramentar a nomeação de Amazonino Mendes para prefeito de Manaus, dando início a uma das mais vertiginosas carreiras políticas da história do Amazonas.

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