Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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quarta-feira, novembro 11, 2009
O inesquecível padre Navarro
Uma vez por ano, o padre Manuel Navarro visitava as comunidades rurais de Caapiranga para realizar o batismo em massa da molecada.
Na pia batismal improvisada no salão comunitário, ele colocava uma lata de querosene cheia de água benta, uma cuia cheia de sal, um calendário religioso, daqueles em que cada folhinha traz o nome do santo do dia, e uma caderneta ensebada, onde ele colocava o nome da mãe, o nome da criança e a data de nascimento.
Era com aquilo que ele providenciaria o registro civil na sede do município e, no ano seguinte, entregaria as certidões de nascimento às respectivas mães.
Entre outras coisas, o padre tinha um horror homicida aos nomes estrangeiros inventados pelos comunitários.
No dia da visitação, o centro comunitário era enfeitado como em dia de festa, e as mulheres se posicionavam em fila indiana, cada uma com seu rebento no colo. Uma a uma, elas se dirigiam à pia batismal do religioso.
O diálogo era mais ou menos assim:
– Como é o nome da criança, dona Ernestina?
– Francisgay Magaivi de Souza Noronha
O padre se encrespava:
– Dona Ernestina, a senhora sabe o que quer dizer Francisgay?
– Sei não, seu padre, sei não.
– Francis é a abreviatura de Francisco. Ou seja, Francis quer dizer Chico. E “gay” é uma palavra estrangeira que significa homossexual. A senhora quer que o nome do seu filho seja Chico Fresco?...
– Quero não, seu padre, quero não.
– Pois então...
Aí o padre escolhia aleatoriamente uma das folhinhas do calendário, conferia o nome do santo e avisava.
– O nome do seu filho será Tadeu, em homenagem a São Judas Tadeu. Não é bem melhor do que Chico Fresco?...
– É sim, senhor, é sim senhor.
O padre anotava o resto dos dados, passava água benta e sal na cabeça do infante e dispensava a senhora.
Chegava uma nova comunitária.
– Como é o nome da criança, dona Amelinha?
– Faloite Karolaine Pereira Lima.
O padre, cada vez mais puto:
– Dona Amelinha, a senhora sabe o que quer dizer Faloite?
– Sei não, seu padre, sei não.
– Falo quer dizer pênis. O elemento grego “ite” significa “doença inflamatória”. A senhora quer que sua filha se chame “pica inflamada”?
– Quero não, seu padre, quero não...
– Pois então...
Aí o padre escolhia aleatoriamente uma das folhinhas do calendário, conferia o nome do santo e avisava.
– O nome da sua filha será Luzia, em homenagem a Santa Luzia. Não é bem melhor do que “pica inflamada”?...
– É sim, senhor, é sim senhor.
O padre anotava o resto dos dados, passava água benta e sal na cabeça da infante e dispensava a senhora.
Um dia, a negra Sebastiana apareceu na fila com seu filho recém-nascido.
– Como é o nome da criança, dona Sebastiana?
– Uóxito Ramalho de Oliveira.
O padre, cada vez mais puto:
– Dona Sebastiana, a senhora sabe quem foi George Washington?
– Sei não, seu padre, sei não.
– George Washington era um grande escravocrata de Virgínia, nos Estados Unidos da América, que gostava de emprenhar as escravas africanas que ele traficava da África. A senhora, que é uma pessoa de cor, vai querer que seu filho seja comparado a um escravocrata filho da égua?...
– Quero não, seu padre, quero não...
– Pois então...
Aí o padre escolheu aleatoriamente uma das folhinhas do calendário, conferiu o nome do santo e avisou:
– O nome do seu filho será Benedito, em homenagem a São Benedito. Não é bem melhor do que o nome daquele escravocrata filho da égua?...
Dona Sebastiana, tímida.
– Olha, seu padre, eu ainda prefiro Uóxito. É que lá em casa todos os meus filhos têm o nome começado por “u”.
O padre Navarro, perdendo a esportiva:
– Nesse caso, dona Sebastiana, é melhor a senhora batizar esse seu crioulinho de "urubu", que tem três “u”...
Dona Sebastiana ficou tão injuriada com a desfeita, que virou Testemunha de Jeová no mesmo dia.
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3 comentários:
Porra, Simão. Texto genial! Inteligente e sarcástico. Tô de acordo com o padreco. hehehehehe
Parabéns.
Pica inflamada foi sem comparação, muito bom, muito bom.
simão, realmente o padre navarro existiu,e foi professor do pedrinho ribeiro. Era conhecido popularmente como padre jagunço, e os"causos são veridicos, pois sou uma das testumunhas que junto com o pedrinho fomos coroinhas do padre jagunço.
valeu pela publicação, pois o padre jagunço deixa muita saudade
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