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sexta-feira, novembro 13, 2009

O dia em que o Dr. Marinho botou um ovo


Edlúcio Castro abatendo uma loura em um boteco de Sampa

Dezembro de 1993. Ainda saboreando o estrondoso sucesso do primeiro programa interativo da tevê brasileira (“Você Decide!”, então em sua segunda temporada), a rede Globo de Televisão resolveu apresentar o episódio nº 30 (“Ídolo Perdido”) diretamente de Manaus. O circo foi armado na Praça São Sebastião, em frente ao Teatro Amazonas.

Sobrinho do jornalista Mário Adolfo, na época secretário municipal de Comunicação, o hoje publicitário Edlúcio Castro, na flor de seus 20 anos, estava dando os primeiros passos na profissão e trabalhava na Oana Publicidade, como responsável pela TV Fiscal da agência.

Enfurnado em um cubículo no porão da agência, seu trabalho era passar o dia assistindo, gravando e identificando todos os programas televisivos da taba para documentar os crimes de calúnia, difamação e injúrias cometidos diariamente contra o recém-eleito prefeito de Manaus Amazonino Mendes – na época, quase um modismo institucionalizado entre os intrépidos apresentadores locais.

No começo da noite daquela quinta-feira, dia em que o programa “Você Decide!” era exibido, Edlúcio estava copiando pra mim uma fita VHS do clássico filme “Behind The Green Door”, com a esfuziante Marylin Chambers (ela parecia com a Cybil Sheppard, a “gata” do seriado A Gata e o Rato… Se você tem menos de 25 anos, morra!), quando sua concentração no pardieiro foi rudemente interrompida.

Repórteres especiais da Secretaria Municipal de Comunicação, Marcelo Dutra (atual secretário municipal do Meio Ambiente) e Joh Farah (atual presidente da ONG Associação Mata Viva), que na época engordavam seus magros salários realizando algum “jabaculê” para os políticos da base aliada do prefeito, ficaram invocados em ver que Edlúcio ainda estava trabalhando na agência – o que, tecnicamente, os impediria de preparar o jabá com cebolas tradicional.

– Bicho, negócio seguinte: amanhã cedo eu vou falar pro Edson Gil que você fica aqui até tarde da noite, gastando as fitas da agência! – disparou Marcelo Dutra, sem disfarçar a irritação.

Edlúcio, que sempre foi um moleque abusado, devolveu no mesmo tom.

– Rapaz, você pode falar o que quiser até pro caralho! Eu estou aqui finalizando uma fita em que o Nonato Oliveira chama o Amazonino de ladrão, contrabandista e passador de cheques sem fundos! E só estou perdendo tempo até agora porque tenho o maior respeito pelo prefeito... Eu já devia estar na praça São Sebastião participando do “Você Decide!” para ganhar o carro importado da rádio Transamérica...

Percebendo que o jabá com cebolas poderia se transformar em uma paella valenciana, os dois repórteres ficaram vivamente interessados pelo assunto. Edlúcio explicou do que se tratava.

De acordo com a rádio, a maior presepada feita em nível nacional utilizando o bordão “Eu sou louco pela Transamérica!” daria ao autor da façanha um carro importado, avaliado em 50 mil dólares.

Edlúcio também explicou que não seria uma tarefa fácil. Um sujeito já havia desfilado pela avenida Atlântica, em Copacabana, com a mulher totalmente pelada e apenas tendo o logotipo da rádio Transamérica pintado sobre a xereca. Quase parou o trânsito.

Um outro havia descido de pára-quedas na final do campeonato paulista, entre Palmeiras e São Paulo, no estádio do Morumbi, interrompendo a partida e exibindo no pára-quedas o logotipo da rádio Transamérica. Quase que as arquibancadas se transformavam em palco de uma batalha campal.

Pelo regulamento da promoção, as presepadas deveriam ser filmadas (ainda não existia essa moleza de celular com filmadora) e enviadas para o estúdio da rádio, em São Paulo. Uma comissão de notáveis escolheria o maior golpe de marketing.

Na maior cara de pau que só um moleque de 20 anos pode ter, Edlúcio explicou que estava programando os equipamentos da agência para filmarem sua participação no “Você Decide!”, declarando seu amor pela emissora. Ninguém nunca tinha tentado aquilo antes.

Com a menina dos olhos quase se transformando em cifrões, Marcelo Dutra e Joh Farah compraram instantaneamente a idéia do jovem publicitário:

– E que merda você ainda está fazendo aqui na Oana? Vamos lá pra praça, porra, que nós já estamos atrasados! – intimou Marcelo Dutra.

Os três embarcaram no carro do Joh Farah e se mandaram.

Como havia uma multidão no entorno da praça de São Sebastião, Joh Farah resolveu estacionar o carro na avenida Eduardo Ribeiro, em frente ao Ideal Clube, e no cruzamento da Monsenhor Coutinho com a Tapajós, avisou pro Ed:

– Desce do carro e te manda, porra! Daqui a pouco, a gente se encontra lá no local do crime...

Boa pinta, ao ponto de ser confundido com os artistas da rede Globo, Edlúcio saiu abrindo caminho entre a multidão, distribuindo beijinhos, autógrafos, apertos de mão e abraços, até se aproximar do cercadinho de corda que separava os pagantes (os futuros entrevistados) dos pipocas (a imensa turba de mortais comuns) naquele bloco carnavalesco da Vênus Platinada.

Sem se perturbar, ele levantou a corda, passou para dentro da área vip e saiu caminhando tranquilamente em direção ao que, supostamente, seriam as pessoas escolhidas pelo programa para darem suas opiniões ao vivo.

Uma bichinha de cabelos compridos e cavanhaque (provavelmente o produtor do programa), portando uma prancheta em que anotava coisas indecifráveis, se aproximou do intruso, irritadíssima, e disparou:

– Que merda você está fazendo aqui dentro, ô palhaço?

Imperturbável como sempre, Edlúcio colocou uma das mãos sobre o ombro da bichinha e, na maior calma do mundo, disparou:

– Quem me mandou vir pra cá foi aquele cidadão ali. Vai lá e conversa com ele...

E apontou para o empresário Philipe Daou, dono da TV Amazonas, responsável pela transmissão da rede Globo em Manaus, que, alheio a tudo, conversava animadamente com a jornalista Elaine Ramos.

A bichinha quase infartou.

Aí, se recompondo, posicionou Edlúcio ao lado do empresário Zeca Nascimento, que já havia sido pautado para dar sua opinião. O aprendiz de publicitário sentiu que estava na fita.

A trama do episódio “Ídolo Perdido” era de uma bovinice atroz. Um ídolo juvenil (Fábio Jr.), em excursão pelo interior do país, sofre um acidente de carro. Ele é encontrado por uma fã (Silvia Buarque), que o trata com carinho. Ele não sabe quem é. Ela sabe.

A questão era a seguinte: Silvia Buarque deveria contar a Fábio Jr. quem ele era antes do acidente ou era preferível ela ficar calada e dar continuidade ao romance entre os dois, já que ele estava enormemente satisfeito com a nova vida.


As apresentadoras Maria João e Virginia Novik

Responsável pelas entrevistas, a apresentadora Virginia Novik começou a passar o texto com os escolhidos. Pros machos, a pergunta era a seguinte: “E se em vez do Fábio Jr. fosse a Vera Fischer?”

Empolgado com a resposta sugerida pela apresentadora, Edlúcio resolveu embolar o meio campo:

– Eu vou dizer que não contaria nada pra Vera Fischer, pra ficar com ela pro resto da vida, mas também diria que preferia ficar com você, Virginia Novik, porque você é uma tremenda gata!

Virginia Novik não gostou da resposta improvisada e vetou a participação daquele cabeludo meio abusado, exigindo mais respeito.

Imprensados no meio dos pipocas, Marcelo Dutra e Joh Farah perceberam o que havia acontecido e começaram a sinalizar pro Edlúcio naquele código universal do “top top”, certos de que ele tinha se fodido.

Edlúcio ficou na dele.

Estava se aproximando o último bloco. Quando a apresentadora Virginia Novik se aproximou de Zeca Nascimento para repassar o texto pela milésima vez, Edlúcio comentou em voz alta:

– Com trinta mulheres pra cada homem aqui em Manaus, duvido que elas não ficassem com o Fábio Jr. sem contar nada do seu passado.... Ele, também, se viesse aqui, não ia nem querer ser descoberto... As amazonenses são loucas por ele...

Ouvindo aquilo, Virginia Novik se aproximou do aprendiz de feiticeiro:

– Você consegue repetir isso sem gaguejar? – indagou a apresentadora.

– Na hora! – devolveu Edlúcio.

No último bloco, Virginia Novik fez a pergunta combinada pra Zeca Nascimento, ele respondeu do jeito combinado.

Satisfeita, ela se aproximou do Edlúcio e fez a mesma pergunta.

O cabeludo não negou fogo e, falando para todo o Brasil (o programa atingia 63% de audiência), mandou ver:

– Com trinta mulheres pra cada homem aqui em Manaus, duvido que elas não ficassem com o Fábio Jr. sem contar nada do seu passado.... Ele, também, se viesse aqui, não ia nem querer ser descoberto... As amazonenses são loucas por ele... Mas eu sou louco mesmo é pela Transamérica!

Como o áudio ambiente era cortado (as pessoas em casa só ouviam a voz da apresentadora e a do sujeito que dava a resposta), a turba rude e ignara não notou o que havia acontecido porque o barulho na praça era realmente ensurdecedor.

Mas Edlúcio percebeu o tamanho da encrenca quando viu Virginia Novik puxar os cabelos e se jogar no chão, ganindo como um cachorro atropelado por um caminhão de mudanças.

A bichinha produtora entrou em surto psicótico:

– Prende esse filho da puta, prende esse filho da puta! – determinou para um meganha, que fazia a segurança do cercadinho de corda..

O sujeito explicou que não poderia deixar o posto.

Enlouquecida, a bichinha produtora saiu em busca do comandante da PM, coronel Lemos, e explicou a situação. Uns seis meganhas agarraram Edlúcio.

Imperturbável como sempre, Edlúcio colocou uma das mãos sobre o ombro do coronel e, na maior calma do mundo, disparou:

– Coronel, eu apenas dei a minha opinião... Eles me pediram para falar e eu falei... Foi apenas isso!

Edlúcio foi liberado pelos meganhas. Na mesma hora, Marcelo Dutra e Joh Farah entraram no cercadinho para resgatar o intrépido soldado bryan.

Como estavam posicionados próximos do carro de transmissão, eles ouviram quando o temperamental José Bonifácio Sobrinho, diretor geral da rede Globo, demitira a bichinha produtora do programa sob uma saraivada de palavrões.

– Te manda lá pro Ideal e fica dentro do carro, que isso aqui vai feder a chifre de boi queimado! – determinou Joh Farah, entregando a chave do carro pra Edlúcio.

Demitida via Embratel pelo todo-poderoso Boni, a bichinha produtora já havia jogado a prancheta na direção da cabeça de Edlúcio e agora estava procurando um trinta e oito com balas dum-dum para descarregar no meio da cara daquele cabeludo abusado.

Com o coração quase saindo pela boca, Edlúcio saiu correndo em direção à avenida Eduardo Ribeiro, atropelando todo mundo, desesperado como um vampiro diante de uma réstia de alho.

A apresentadora Virginia Novik, soltando faíscas pelos olhos, começou a incentivar os presentes a darem uma surra naquele sujeito impertinente que havia transformado Manaus na capital nacional da infâmia.

A praça de São Sebastião estava prestes a se transformar em uma praça de guerra.

Dentro do carro, mais nervoso do que nunca, Edlúcio sintonizou a rádio Jovem Pan.

No mesmo instante, um locutor interrompeu a música “Rhythm is a dancer”, do Snap!, para dar uma informação:

– Porra, moçada, um boyzinho lá de Manaus acabou de fazer o doutor Roberto Marinho botar um ovo... No bloco final do programa “Você Decide!”, o cara meteu lá que é louco pela Transamérica, pra todo o Brasil escutar... Ô lôko, meu!... Nunca mais a Globo vai fazer programa ao vivo em Manaus... Isso, se o doutor Roberto Marinho sobreviver a essa tiração de onda sem precedentes... Que muitas cabeças vão rolar na emissora do Dr. Marinho, não há a menor dúvida.... Aliás, se a Transamérica precisasse fazer um comercial desses, no mesmo programa, em nível nacional, ia gastar uns 10 milhões de dólares.... Ô lôko, meu!... O boyzinho é da pesada!

Edlúcio começou a achar que havia se fodido. Quando Marcelo Dutra e Joh Farah entraram no carro, seu “achismo” se transformou em certeza absoluta.

– Porra, bicho, o pessoal da TV Amazonas está uma arara. Os caras estão putos da vida e brabos que nem siri em lata! E eles são os principais parceiros do prefeito Amazonino Mendes. Não sei não, mas acho que só vai dar pro teu! – avaliou Marcelo Dutra.


Eu e a publicitária Liduina Mendes enchendo a lata em um boteco de Coari

No dia seguinte, no refeitório da Oana, Edlúcio começou a ser tratado como um cão leproso. Ficou sentado sozinho em uma mesa.

Redatora premiada e uma das mais talentosas escritoras da cidade, a publicitária Liduina Mendes se sentou à sua mesa e disparou:

– Porra, moleque, você ontem botou lascando! Foi o melhor golpe publicitário que já vi na minha vida... Parabéns!

Edlúcio, meio constrangido, limitou-se a rir amarelo.

Dez minutos depois, Edson Sena, o encarregado de mídia da agência, sentou-se à mesa:

– Ed, bicho, você é um grande filho da puta! Sacaneou com a TV Amazonas, nossa principal parceira... Fez uma desfeita daquela em nível nacional... Já pedi a tua cabeça pro Edmar Costa... Você só faz merda...

Edlúcio, meio constrangido, limitou-se a rir amarelo.

Liduina saiu em defesa do moleque:

– Escuta aqui, bicho, você trabalha com mídia, mas não deve entender porra nenhuma de publicidade... O que o Ed fez ontem foi um escândalo, foi um escândalo!... Ele colocou o nome da Transamérica na casa de 80 milhões de pessoas... Foi um golpe de marketing incrível...

Irritadíssimo, Edson Sena se levantou da mesa e foi degustar seu café da manhã em outro canto.

Edlúcio, meio constrangido, limitou-se a rir amarelo e, algum tempo depois, já estava encafifado no seu mocó.

De repente, chega a secretária do Edson Gil, um dos diretores da agência, informando que ele exigia a presença de Edlúcio na sua sala.

Nervosíssimo e acreditando piamente que iria receber sua carta de demissão, Edlúcio entra na sala:

– Pois não, doutor Edson!

– Ed, esse aqui é o doutor fulano de tal, presidente do Açúcar Itamarati, e esse aqui é o doutor sicrano de tal, presidente da indústria de Brinquedos Estrela! – avisou Edson Gil.

Aí, se virando para os dois senhores, mais pimpão do que nunca, arrematou:

– Pessoal, esse aí é que é o nosso funcionário Edlúcio Castro, que ontem à noite aplicou um belo golpe de marketing na poderosa rede Globo. Ok, Ed, pode ir embora!

Edlúcio saiu da sala achando que seu emprego estava salvo. Dessa vez, acertou na mosca – tanto que permaneceu na agência até dezembro de 1995, quando partiu em busca de novos horizontes.

Infelizmente, ele não ganhou o carro. O DJ Raidi Rebelo, responsável pela emissora em Manaus, demorou para enviar a fita VHS para a matriz em São Paulo e, quando sua façanha chegou, as inscrições já haviam sido encerradas.

O carro importado foi dado para uma banda de rock que excursionava pelo país com todos os instrumentos pintados com o logotipo da emissora, incluindo o ônibus que transportava os músicos.

Ninguém se lembra mais do nome da banda, mas quem assistiu ao episódio “Ídolo Perdido” nunca mais vai esquecer a presepada do Edlúcio Castro. Você decide...

2 comentários:

Tágore Aryce disse...

Eu me lembro desse episódio, na época, ainda criança, nos amontoamos na sala pra ver nosso querido Ed falar. Esse bicho é uma figura e essa história é a cara dele! Muito bom!

Antonio Cesar Designer disse...

Eu me lembro perfeitamente da promoção da rádio, bem como as loucuras feitas por vários ouvintes e vi esse episódio de 'Você Decide' e sempre comento conto pros meus amigos aquela situação extremamente engraçada onde um jovem louco, que parecia bêbado, aparece no meio da galera, pega o microfone e diz que "acho que são todos loucas e eu sou louco pela Transamérica"!
A apresentadora realmente ficou desconsertada, e com um sorriso amarelo virou pra câmera e disse "éee... os ânimos estão exaltados por aqui".

Eu ri muito daquilo!!! Principalmente porque eu sabia da promoção (quem não sabia não deve ter entendido NADA).
Incrível como, tantos anos depois, eu achei essa figuraça. hahaha

Cara, parabéns. Há quase VINTE ANOS vc ainda me faz rir quando lembro disso!!! :)