Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sexta-feira, novembro 27, 2009
Pedrinho Ribeiro em cinco tempos
O músico Pedrinho Ribeiro estava coletando apelidos de cabocos na zona rural de Parintins para utilizar em uma versão atualizada da sua famosa “Ópera Cabocla” e, para não chamar a atenção dos seus reais propósitos, se fazia passar por um representante do Banco Brasil.
Um dia, ele chegou de canoa numa pequena comunidade no Paraná do Ramos, já nos contrafortes de Barreirinha.
Foi recebido pelo líder da comunidade, um caboco simpático e gentil, dotado de um defeito físico incomum: andava jogando uma das pernas, como se precisasse de uma muleta para apoiar um dos ombros e manter aquela perna nervosa sob controle.
Feitas as apresentações, Pedrinho iniciou a conversa:
– Sêo João, o senhor tem algum agrado, algum apelido, algum nome mais popular, que o identifique mais intimamente aqui na comunidade?...
– Não, parente, eu não tenho nenhum agrado! – cortou o caboco, enquanto consertava uma rede de pesca.
No jirau, a mulher do cidadão estava preparando o café, com o ouvido pregado na conversa.
Pedrinho insistiu:
– É que eu tenho um plano de financiamento do Banco do Brasil para comunidades carentes, mas eles pedem o nome e depois o apelido, pra facilitar a identificação do proponente...
– É, seu Pedrinho, mas num tenho apelido não! – avisou o caboco.
O compositor não se deu por vencido:
– É um financiamento a fundo perdido para ser aplicado em agricultura familiar no valor de R$ 5 mil. Não tem burocracia nenhuma. Eu anoto aqui o seu nome, o seu apelido e daqui a uma semana chega o dinheiro...
– É muito bom, seu Pedrinho, é muito bom. Pena eu não ter nenhum apelido! – argumentou o caboco mais uma vez.
A mulher do cidadão, já pressentindo que a bolada poderia ir embora por causa de um detalhe insignificante, gritou, lá do jirau:
– Mas, João, meu velho, diz logo pro seu Pedrinho que o teu apelido é “Cu de Arraia...”
Quase que começa uma briga conjugal na comunidade.
2
Logo após um show de Pedrinho Ribeiro em Santarém (PA), o tecladista Paulinho de Santarém apresentou o músico parintinense para o saxofonista Nem, um dos grandes talentos da cidade.
Sessentão, Nem havia se separado da esposa e casado com uma menina de 18 anos, mas Pedrinho ainda não sabia.
Daí, quando ele viu aquela jeitosa cunhantaí se enxerindo para o lado do saxofonista, cresceu o olho gordo, pegou delicadamente na mão da menina e mandou bala:
– Mas e essa cunhan tão bonita é sua filha, companheiro Nem?...
– Não, é minha mulher! – devolveu Nem, de bate-pronto.
Pedrinho tentou consertar o estrago:
– Me desculpe o ato falho, parente, mas é que eu achei ela muito novinha...
O saxofonista jogou a pá de cal:
– Parente, mulher é que nem cerca. Ela vai ficando velha, a gente vai trocando...
3
Pai do músico Pedrinho Ribeiro, o velho Pedro só usava cuecas samba-canção porque, segundo dizia, “gostava de criar o bicho solto”.
Daí, que depois de uma pequena apresentação em Belém (PA), o músico resolveu presentear o pai com meia dúzia de moderníssimas cuecas Zorba.
No dia seguinte, Pedrinho acordou com os gritos de sua mãe, Dona Marilza, discutindo asperamente com seu pai, no quarto do casal:
– Mas Pedro não é desse jeito!... Não tás vendo que não é assim, criatura?... Ô, Pedrinho, vem aqui ensinar teu pai a vestir direito essa coisa...
Pedrinho entrou no quarto. Seu Pedro insistia em usar a abertura da cueca para colocar o passarinho pra fora, mas estava achando aquilo meio esquisito.
– Olha, pai, essa abertura aí a gente só usa quando vai mijar! – explicou o músico. “Coloque a besteira dentro da cueca virada pro lado esquerdo!”
Seu Pedro seguiu as instruções do filho. Não gostou.
– Ficou que nem uma xereca de mula parida, com os colhões prum lado e o pau pro outro...
– Bom, então experimente colocar a besteira pro lado direito, junto com os colhões! – explicou Pedrinho.
Seu Pedro seguiu as instruções do filho. Não gostou.
– Ficou apertando os colhões demais da conta e dando uma dor da muléstia...
– Bom, então experimente colocar a besteira pra cima, no rumo do umbigo! – insistiu o músico.
Seu Pedro seguiu as instruções do filho. Não gostou.
– Não vai dar, rapaz, não vai dar... Essa porra vai ficar o tempo todo de pescoço pra fora...
– Olha, pai, então o jeito é o senhor colocar a besteira pro rumo de baixo...
Seu Pedro se encrespou:
– Vamos parar por aí, vamos parar por aí... Negócio de pomba no rumo do cu não vai dar certo... Ainda mais que eu posso acabar sentando em cima dela...
E, na mesma hora, devolveu a coleção de cuecas Zorba para o filho.
Pelo visto, seu Pedro tinha uma besteira tipo king size.
4
Aproveitando que o músico Pedrinho Ribeiro estava se apresentando em Óbidos (PA), os compositores Eduardo Dias e Nelson Vinenti (parceiro do violonista Sebastião Tapajós) o levaram para conhecer uma das atrações da cidade: um boteco que possuía estacionamento de cambada de peixes.
Óbidos vive, naturalmente, da pesca. Mas, sobretudo, do comércio com o interior, graças à sua posição estratégica junto do rio. O mercado municipal funciona, se a cheia do rio o permitir, quase todos os dias até ao final da manhã. E o dono do boteco visitado pelos músicos, localizado próximo do mercado, havia tido uma idéia genial.
Ele colocara do lado de fora do bar uma imensa placa de compensado cheia de pregos numerados. Assim, quando os cachaceiros vinham do mercado com suas enfiadas de peixes, bastava pendurar cada uma delas em um dos pregos e ir biritar com tranqüilidade. Como cada um sabia do número de seu prego, não havia confusões na saída.
Pois foi nesse boteco diferente que Pedrinho Ribeiro conheceu o sanfoneiro Valdevino Carvalho, auto-intitulado “o homem mais azarado do mundo”. Eis algumas de suas histórias.
O sanfoneiro morava na margem do rio Amazonas, na beira de uma encosta. Um dia, logo após detonar uma suculenta caldeirada de gujuba (o nosso cuiu-cuiu), ele sentiu uma preguiça disgramada. Foi até a varanda, amarrou a rede e estava se balançando, esperando o sono chegar.
De repente, no meio do rio, um gavião pegou uma arraia pequena e levantou vôo. A arraia começou a se debater. O gavião soltou a presa. A arraia caiu dentro da rede de “seu” Valdevino e lhe arpoou a costela. Ele passou 24 horas urrando de dor.
De outra feita, o sanfoneiro estava bastante adoentado, tossindo muito e com uma pequena febre intermitente, quando, por insistência das filhas que suspeitavam de pneumonia, resolveu procurar o médico da família.
Na hora em que estava atravessando a rua em direção ao consultório médico, um urubu teve um passamento no ar, ficou desgovernado, lhe atropelou abruptamente, ele caiu e quebrou uma perna. Ficou seis meses no estaleiro.
O sanfoneiro viajou para Manaus, para morar na casa de uma filha no bairro do São José, enquanto aguardava a marcação de uma cirurgia na perna quebrada, que seria realizada no hospital Adriano Jorge.
Como sua filha e o genro trabalhavam no Distrito Industrial e seus netos passavam o dia na creche, “seo” Valdevino ficava sozinho em casa.
Um belo dia, ele estava sentado numa cadeira de balanço, na varanda da casa, matutando solitariamente, quando um motoqueiro parou diante da residência.
Sem dizer uma palavra, o sujeito apeou da moto, abriu o portão, se aproximou dele e cataplum! Deu-lhe um murro no meio da cara, que o levou a nocaute, e escafedeu-se.
Sua filha chegou em casa algumas horas depois e levou um susto ao encontrar o pai com o nariz fraturado e ainda sangrando copiosamente.
Imediatamente ela chamou um táxi, o levou ao pronto-socorro, seu Valdevino foi medicado, e, quando retornaram à residência se depararam com o motoqueiro no portão.
Pedindo mil desculpas, o sujeito explicou que havia cometido um equívoco. Ele havia ido ali a pedido de um prestamista amigo seu que vinha sendo enrolado por um caloteiro há mais de seis meses. A porrada era para o vizinho da casa ao lado.
– Porra, seu Valdevino, mas o senhor deu o troco no motoqueiro, não deu não? – questionou Pedrinho Ribeiro, visivelmente irritado.
– Olha, parente, o rapaz me pediu perdão com tanto jeito que eu acabei perdoando...
Aí, como se estivesse purgando todos os pecados do mundo, concluiu:
– É que eu sou mesmo muito azarado, “seo” Pedrinho, muito azarado...
5
Na companhia de meia dúzia de músicos, Pedrinho Ribeiro estava participando de uma roda musical improvisada, em um bar de Oriximinã (PA), quando um senhor bastante idoso, mas vestido com aprumo, se aproximou da mesa, pagou uma rodada de cervejas pra moçada, arrastou uma cadeira, sentou-se e começou a contar seu drama pessoal.
– Olha, meus filhos, desculpa eu invadir a praia de vocês, mas é que eu tenho muita inveja da vida de músicos. Eu tenho pouco estudo, sempre trabalhei na roça tomando conta do sítio da família, de forma que sempre sonhei um dia ser músico profissional, mas nunca pude. Meu avô tocava clarinete, meu pai tocava violão e eu, na minha juventude, toquei muito cavaquinho. Mas depois que fiquei viúvo, parei de tocar. Dos meus quatro filhos, nenhum quis saber de música. A minha filha mais velha foi pra Belém estudar. Depois de cinco anos, voltou pra casa com um diploma, o Netinho, que eu estou criando como filho. Minha outra filha foi morar em Santarém. Depois de três anos, voltou pra cá. Veio já se vestindo de jogador de futebol, falando grosso e cuspindo no chão. Já vieram me dizer até que ela é sapatão. O meu filho mais velho, o Zé Raimundo, não pode ver um gado na beira do Amazonas que rouba. Já foi preso quatro vezes. De tanto eu ir lá pagar fiança pra soltar ele, fiquei amigo do delegado. O único que pensei que fosse dar para o que preste foi o caçula. Ele foi estudar odontologia em São Paulo e haja eu a vender gado pra custear seus estudos. Agora, no fim do ano, ele me mandou uns retratos. Está usando brinquinhos, cabelo colorido e posou só de sunga numa festa com um bando de machos.
Aí, num misto de resignação e fatalismo, concluiu:
– Já vieram me dizer até que ele é gái...
PS: Pedrinho Ribeiro vai fazer um show musical no próximo dia 5, sábado, no Fino da Bossa, ali na entrada da Cidade Nova, onde vai contar dezenas de causos. O show vai se chamar “Canto Geral” em homenagem ao poeta chileno Plabo Neruda. No repertório, além de standards da Bossa Nova e MPB, clássicos de Mercedes Sosa, Violeta Parra, Trini Lopez et caterva. Agende. Eu recomendo.
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Um comentário:
Muito bom esses, digamos, causos do Pedrinho, a quem tive o prazer de conhecer aqui em Santarém.
Parabéns ao blogueiro pela reprodução de tais casos e que, como quelônios que vc. degusta com prazer vascaíno, "explodam" sempre por aqui, com propósito de nos fazer sorrir e gargalhar.
Jeso Carneiro, jornalista, professor e blogueiro
www.jesocarneiro.com
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