O jeito moleque, sempre sorrindo, meio negro, meio índio, já são características desse artista multifacetado que é a cara de Roraima. Misto de escritor, poeta, filósofo, jornalista, músico, compositor, (ufa!) outras coisas mais, Eliakin Rufino é o que se pode definir como o camaleão da cultura roraimense.
“Eu sou um caboco preto metido a índio, como diz o compositor amazonense Guto. Na verdade eu sou um cabocrioulo. Meu bisavô era um preto pernambucano que casou uma índia da etnia Mhura, na floresta amazônica. Além da bagagem cultural, do estudo, da pesquisa, eu tenho uma herança genética africana”, revela.
Contemporâneo do jornalista Vladimir Herzog, entrou na Faculdade de Jornalismo em 1975, aos 18 anos, na Universidade Federal de Goiás,
“Cortaram a mesada e eu abandonei o curso, mas não abandonei o jornalismo. Aqui em Roraima, além de escrever artigos eu já produzi e apresentei programas de rádio e de televisão. Fui o primeiro a criar um programa radiofônico para tocar a música de Roraima e da Amazônia em
Sua verve jornalista permaneceu incólume e durante dez anos (1988-1998) escreveu artigos de opinião para jornais impressos de Boa Vista. “É neste conjunto de artigos, mais de 300, que está a minha reflexão filosófica sobre a realidade roraimense”, diz.
Muito embora lecione Filosofia, Arte e História para adolescentes do Ensino Médio há vinte anos, Eliakin diz que não enveredou pela carreira docente. “Eu não escrevo teses, eu só escrevo tesões”, faz questão de dizer.
Com forte influência do Modernismo e do Tropicalismo, junto com os amigos Zeca Preto e Neuber Uchôa, criou o movimento Roraimeira, em 1984, que por quase duas décadas influenciou e revelou artistas nas artes plásticas, culinária, literatura, dança, fotografia e, claro, na música.
O trio Roraimeira - como ficaram conhecidos os três artistas - lançou dois CD’s: Roraima (1992) e O canto de Roraima e suas influências indígenas e caribenhas (2000).
“O Roraimeira foi um movimento que pretendia ajudar na construção de uma estética local, esboçar nossa fisionomia cultural, criar nossa certidão de nascimento, nossa identidade. Creio que conseguimos muito. Recentemente a banda Garden, composta por garotos que fazem rock, gravou uma das canções ícones do movimento (Cruviana, de Neuber Uchôa). As novas gerações passaram a ter o movimento como uma referência fundamental”, regozija-se.
Mas Eliakin é inquieto, não consegue ficar inerte ao que acontece em sua volta e, ao mesmo tempo em que compunha com o trio, enveredava por uma carreira solo, que se mantém sólida até hoje.
Desse trabalho nasceram Amazônia Legal (1997) e Me toca (1998), CDs que acabaram por alavancar sua carreira musical, proporcionando um maior alcance de sua obra pela Amazônia e no resto do país.
Algumas de suas composições já foram gravadas por artistas da Amazônia que hoje fazem sucesso em nível nacional. O paraense Nilson Chaves gravou a música Tudo índio e a amazonense Eliana Printes incluiu Madrugada
“Não, creio que eu sou fundamentalmente um poeta. Um poeta/letrista. Desses que fazem letra de samba. Um desses herdeiros de Vinicius de Moraes. Tenho mais de uma dezena de parceiros e alegra-me pertencer a esta tribo da qual fazem parte Fernando Brandt, Márcio Borges, Ronaldo Bastos, Aldir Blanc, Fausto Nilo, Waly Salomão, Antonio Cícero e tantos outros que escrevem coisas para se cantar. Entre eles destaco Paulo César Pinheiro, que eu mesmo produzi sua vinda até Roraima para inaugurar a Casa do Poeta em setembro de 2001. Música mesmo é com meus parceiros, agora poesia, eu tiro de letra”, define.
E foi com sua veia poética que Eliakin transformou o Estatuto da Criança e do Adolescente numa grande poesia, que foi transformado em livro e distribuído por todo o país. A obra fez tanto sucesso que a companhia de balé Stagium, de São Paulo, o transformou em um grande espetáculo, onde 50 crianças recitam todo o texto durante o show.
Eliakin, que há cerca de 20 anos faz shows de música e poesia por todo o país, agora é um cinquentão. Como ele mesmo diz, foram “50 voltas ao redor do sol”. E, como não poderia deixar de ser, falando em Eliakin, ele já escreveu e musicou um poema com esse título (leia abaixo).
Em julho deve sair seu terceiro CD solo Eliakin
“Estou no mundo pra fazer poesia. Música e poesia. A atividade artística criadora me remoça, me recicla, me renova. Sofro e rio junto com meu povo. Optei por viver na cidade onde nasci. Como diz Thiago de Mello: ‘estou no centro da praça, estou no meio do povo, piso firme no meu chão, sei que estou no meu lugar, como a panela no fogo e a estrela na escuridão’. Espero fazer muita arte nos próximos 50 anos”, vaticina.
50 voltas ao redor do sol
Eliakin Rufino
50 voltas ao redor do sol
na cabine de comando
50 voltas e eu quero é mais
continuar girando
ao redor do sol
50 voltas ao redor do sol
só poesia na bagagem
eu vou cantando pela via-láctea
não tem volta essa viagem
ao redor do sol
planeta terra é minha nave-mãe
eu sou seu fã eu sou seu filho
o universo é minha aldeia mas
tenho toda a minha tribo
ao redor do sol
(Fonte: site Overmundo, 30/5/2006)
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