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quinta-feira, dezembro 21, 2006

GLAUCO MATTOSO, NOSSO PÉDOLATRA AMADOR



Poeta, ficcionista, ensaísta e articulista em diversas mídias, Glauco Mattoso é o pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva (nascido em São Paulo, em 1951).

O nome artístico não passa de um trocadilho infame com a palavra "glaucomatoso", que designa o portador de glaucoma, doença congênita que lhe acarretou perda progressiva da visão, até a cegueira total em 1995, além de aludir a Gregório de Matos, de quem é herdeiro na sátira política e na crítica de costumes.

Após cursar biblioteconomia (na Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e letras vernáculas (na USP), ainda nos anos 70 participou, entre os chamados "poetas marginais", da resistência cultural à ditadura militar, época em que, residindo temporariamente no Rio, editou o fanzine poético-panfletário JORNAL DOBRABIL (trocadilho com o JORNAL DO BRASIL e com o formato dobrável do folheto satírico) e começou a colaborar em diversos órgãos da imprensa alternativa, como LAMPIÃO (de temática gay) e PASQUIM (semanário político-humorístico), além de periódicos literários como o SUPLEMENTO DA TRIBUNA e as revistas ESCRITA, INÉDITOS e FICÇÃO.

Durante a década de 80 e o início dos 90 continuou militando no jornalismo contracultural, desde a HQ (gibis CHICLETE COM BANANA, TRALHA, MIL PERIGOS) até a música (revistas SOMTRÊS, TOP ROCK), além de colaborar na grande imprensa (crítica literária no JORNAL DA TARDE, ensaios na STATUS e na AROUND) e publicar vários volumes de poesia e prosa.

Na década de 90, com a perda da visão, abandonou a criação de cunho gráfico (poesia concreta, quadrinhos) para dedicar-se à letra de música e à produção fonográfica, associado ao selo independente Rotten Records.

Com o advento da internet e da computação sonora, voltou, na virada do século, a produzir poesia escrita e textos virtuais, seja em livros, seja em seu sítio pessoal ou em diversas revistas eletrônicas (A ARTE DA PALAVRA, BLOCOS ON LINE, FRAUDE, VELOTROL) e impressas (CAROS AMIGOS, OUTRACOISA).

Jamais deixou, entretanto, de explorar temas polêmicos, transgressivos ou politicamente incorretos (violência, repugnância, humilhação, discriminação) que lhe alimentam a reputação de "poeta maldito" e lhe inscrevem o nome na linhagem dos autores fesceninos e submundanos, como Bocage, Aretino, Apollinaire ou Genet.

Em colaboração com o professor Jorge Schwartz (da USP) traduziu a obra inaugural de Jorge Luis Borges, trabalho que lhes valeu um prêmio Jabuti em 1999. Nesse terreno bilíngüe GM tem-se dedicado a outros autores latino-americanos, como Salvador Novo e Severo Sarduy, e tem sido traduzido por colegas argentinos, mexicanos e chilenos.

Segundo Pedro Ulysses Campos, "A poesia de Glauco Mattoso pode ser dividida, cronologica e formalmente, em duas fases distintas: a primeira seria chamada de FASE VISUAL, enquanto o poeta praticava um experimentalismo paródico de diversas tendências contemporâneas, desde o modernismo até o underground, passando, principalmente, pelo concretismo, o que privilegiava o aspecto gráfico do poema; a segunda fase seria chamada de FASE CEGA, quando o autor, já privado da visão, abandona os processos artesanais, tais como o concretismo dactilográfico, e passa a compor sonetos e glosas, onde o rigor da métrica, da rima e do ritmo funciona como alicerce mnemônico para uma releitura dos velhos temas mattosianos (a fealdade, a sujidade, a maldade, o vício, o trauma, o estigma), reaproveitando técnicas barrocas e concretistas (paronomásia, aliteração, eufonia e cacofonia dos ecos verbais) de mistura com o calão e o coloquialismo que sempre caracterizaram o estilo híbrido do autor. A fase visual vai da década de 70 até o final dos anos 80; a fase cega abre-se em 1999, com a publicação dos primeiros livros de sonetos."

"Para aqueles que só conseguem aceitar o novo depois de terem conseguido grudar-lhe algum rótulo de identificação, Glauco Mattoso passa por ser um típico representante da poesia marginal na sua vertente mais agressiva – a pornográfica. A culpa dessa rotulagem cabe em grande parte ao próprio Glauco, que escreveu em 1981, para a coleção Primeiros passos, da Brasiliense, um pequeno volume sobre O Que É Poesia Marginal. Ali, ao mesmo tempo em que fornecia pistas para a compreensão dos laços de afinidade que mantinha com a marginália dos anos 70, apontava nesta certas características com as quais ele nada tem a ver. As afinidades são óbvias: o mesmo gosto pelo sexo livre, pela gíria e pela chulice; o mesmo empenho de contestar os valores estabelecidos menos a partir de uma posição política que de uma opção existencial; o mesmo alinhamento em favor do mau gosto desbragado contra o cauteloso bom gosto das elites lítero-sociais; a mesma veiculação da própria produção em edições autofinanciadas ou através de publicações alternativas. Entretanto, reverso da medalha, Glauco Mattoso absolutamente não compartilha a desorientação e a desinformação que reconhece nos poetas marginais da década de 70, nem tampouco aquele ‘descompromisso com qualquer diretriz estética’ que acabou por fragilizar a produção literária deles, tornando-a tão circunstancial e efêmera, as mais das vezes."

JOSÉ PAULO PAES, JORNAL DA TARDE

Se bem guardem da produção de antes de 1990 os conteúdos paródicos que fizeram de Glauco Mattoso o melhor herdeiro de Bocage ou de Gregório de Matos, entre nós, os sonetos de CENTOPÉIA debocham de tudo, da seriedade e da falta dela, e implacáveis com a própria cegueira, num vezo satírico muitas vezes autodemolidor, se outros méritos não possuíssem, o teriam este – o de constituir-se em autêntico "óvni" no panorama mais ou menos chapado da atual poesia brasileira.
WILSON BUENO, O ESTADO DE S. PAULO.

Despudor, sarcasmo e, o mais importante, culhões de observar e sublinhar o país que nos tornamos, com suas xoxotas embaladas a vácuo, fuzis de repetição e políticas de interesses escusos. O Brasil que Glauco passa a limpo é escatológico, injusto, perverso e autodestrutivo. Nada mais verdadeiro, para quem mantém um índice mínimo de abertura de olhos.
FERNANDO BONASSI, FOLHA DE S. PAULO.

Em três volumes, mais de 300 sonetos camonianos, perfeitos como técnica, transbordantes de idéias, nojentos como temática e assustadores pelas confissões, pura literatura, eu sei, ninguém é tão tarado, mas minuciosa, exagerada, buscando o fígado do leitor. Cada palavra de Glauco Mattoso é uma reverberação. Não há como ultrapassá-lo.
MILLÔR FERNANDES, JORNAL DO BRASIL.

Sansão fescenino, cego, de cabeça raspada, Glauco Mattoso não deixa pedra sobre pedra: demole o templo da poesia a fim de tecer-lhe o elogio. Esses sonetos, de versos heróicos (decassilábicos, camonianos), expressam grande desconforto, em relação à tradição. Tal desconforto, por sua vez, coloca a poesia em constante duelo consigo mesma. Ao parodiar a tradição, o autor não a exclui; ao invés, reelabora-lhe o legado, usa-a como matéria-prima, glorifica-a.
NELSON DE OLIVEIRA, O GLOBO.

Para um homem que se classifica de bruxo – nos anos 70, leu Aleister Crowley, Helena Blavatsky e Krishnamurti –, o misticismo é cada vez mais uma experiência solitária. O isolamento fermenta a crença. Glauco debocha de profetas e religiões. Mas diz que a cegueira aumentou sua religiosidade. Deu-se conta de que muita coisa, aparentemente obrigatória no cotidiano de qualquer mortal, não o é. Foi uma descoberta solitária.
EDUARDO NASI, ZERO HORA.

Para ler as obras completas do Glauco Mattoso, acesse http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/,

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