Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sexta-feira, fevereiro 19, 2010
O bailarino das palavras e a dançarina caiapó
A dança do carimbó foi introduzida no Pará por ex-escravos maranhenses que se estabeleceram em uma região nas proximidades de Belém, batizada de zona do Salgado, que hoje compreende os municípios de Marapanim, Curuçá e Algodoal.
O nome da dança vem do nome do tambor de troncos de árvore e couro de gato com o qual se marca o ritmo. Em tupi, o instrumento se chamava curimbó, mas foi abrasileirado para carimbó.
A dança não difere muito das quadrilhas tradicionais. Quando começa a música, uma fila de homens se dirige ao encontro de uma fila de mulheres, que também vai de encontro aos homens e, na hora do encontro entre as duas filas, os homens batem palmas.
Formam-se os casais. Num movimento de rotação e translação, os casais se agrupam num grande círculo, com todos de mão dadas. Aí, começa a esculhambação propriamente dita.
Soltando as mãos dos machos, as mulheres vão para o salão, rodopiam suas saias rendadas e, segurando a barra da saia, jogam em cima dos machos (na parte de baixo das saias, elas usam uma espécie de bermuda ou short de lycra).
As mais atrevidas chegam a cobrir o parceiro com a saia rendada e depois dão marcha a ré, sempre girando no seu próprio centro. Pense numa “gira de umbanda”. É por aí mesmo.
No meio do agito, um casal vai para o centro do salão e faz um número solo, intitulado de “dança do peru” (não, não é isso que vocês estão pensando).
O parceiro da dama é obrigado a apanhar com a boca, sem deixar de dançar, isto é, sem parar de girar sobre o seu próprio centro de gravidade, um lenço que a vadia deixou cair no chão.
Caso o sujeito não consiga executar tal proeza sua companheira atira-lhe a barra da saia no rosto e ele é forçado a abandonar a dança, debaixo de vaias dos outros casais. Caso consiga, é aplaudido e indica outro sujeito para tentar a façanha.
Há alguns anos, o artista plástico Inácio Evangelista foi passar as férias em Belém do Pará e aproveitou para conhecer o Festival de Carimbó de Marapanim, realizado em novembro.
Acompanhado de sua irmã, ele dirigiu-se ao Barracão das Tradições e ocupou uma das mesas do Restaurante da Paróquia, onde o festival de gastronomia inclui a apresentação de grupos locais de carimbó de raiz.
Ele estava sentado em uma mesa exatamente na borda do salão, quando uma fogosa dançarina, provavelmente da etnia caiapó, se aproximou dele, rodopiando alegremente, segurou a barra da saia e jogou a saia sobre ele, encobrindo-o totalmente.
A caiapó estava nua em pelo.
Com extrema presença de espírito, Evangelista passou sua língua de camaleão, de baixo pra cima, no pacurau da dançarina, que retornou para o salão quase em estado de choque.
A caiapó continuou dançando com seu parceiro e, depois de alguns minutos, repetiu a brincadeira com o artista plástico amazonense.
Dessa vez, Evangelista segurou a índia pela cintura e enfiou sua língua na caverna do dragão, demorando quase um minuto. A caiapó quase chegou ao orgasmo.
Ela conseguiu se desvencilhar do artista e retornar para o salão, onde seu parceiro iniciava a dança do peru.
Aparentemente, ninguém dentro do restaurante havia percebido o que estava acontecendo.
Assim que a dança terminou, Inácio Evangelista convidou a fogosa caiapó para lhe fazer companhia.
A menina, que ainda estava meio abalada com aquele inesperado beijo francês desferido pelo artista plástico, aceitou o convite com certa relutância.
– Escuta aqui, minha filha, todo mundo dança carimbó sem calcinha?... – quis saber Inácio.
– Não, só as dançarinas que são filhas de guerreiros. É para manter a tradição dos indiosdescendentes! – explicou a menina, timidamente.
– Interessante. Eu também sou indiodescendente, mas ainda uso cueca... – avisou Evangelista.
– Você é indiodescendente? De que tribo? – espantou-se a menina.
– Dos temidos papakus, que habitam o nordeste do Amazonas! – explicou Evangelista. “Por enquanto eu ainda sou um papakuzinho, mas depois que fizer o ritual de iniciação da dança do macaco aranha, vou me transformar em um respeitado papakuzão...”
A caiapó estava encantada com aquela conversa fiada. Evangelista foi em frente:
– Lá em Manaus, eu estou organizando o MRI, a sigla do Movimento pela Reparação aos Indiodescendentes. Logo faremos o nosso primeiro congresso. Na última reunião preparatória, os guerreiros e guerreiras me perguntaram se não devemos portar alguns instrumentos de luta, alguma coisa ligada às nossas tradições. Claro que sim, garanti! Escolhi o cartão de crédito. Cada indiodescentente deve ter um cartão de crédito.
– Ah, mas isso não é tipicamente indígena! – devolveu a menina.
– Como não? Provo pra você, com a ajuda da Funai e da Polícia Federal. Esses dois órgãos não sustentam que o facão é parte da cultura dos caiapós? Isso significa que, quando os portugueses aportaram por aqui, os silvícolas indomáveis já se dedicavam à fundição de metais, certo? Então, por que o meu cartão de crédito, que abre todas as portas, não pode ser considerado tão autêntico quanto um facão caiapó?...
Ele disse isso enquanto estendia o cartão de crédito ao garçom para o pagamento da despesa no restaurante.
A caiapó estava completamente bestificada. Inteligente daquele jeito, o papakuzinho só podia ser São Sumé em pessoa, o grande “mair” tupi (“grande feiticeiro branco e barbado”).
Enquanto assinava a fatura do cartão de crédito sem sequer conferir a conta - provavelmente para impressionar a caiapó -, Inácio Evangelista continuava deitando falação:
– Nós, os índios, somos uma gente muito avançada. Quando os caraíbas chegaram ao litoral brasileiro, a indiarada já voava pela floresta usando o cipó voador, como nos filmes do Tarzan. A Amazônia era atravessada em poucos dias, bastava fazer baldeação e trocar de cipó. Funcionava mais pontualmente que o metrô de São Paulo. Quando o índio estava de saco cheio, enfadado ou deprimido, não usava cocaína como caraíba. Bastava lamber um bom sapo alucinógeno ou o pacurau de uma indiazinha entrando na puberdade. Agora, tudo ficou tumultuado, neste nosso país. Tem petralhas demais, tem missionários demais, tem ongs demais, tem roubo demais em Brasília. Acho que precisamos fazer como o Hans Staden observou e voltar a comer alguns caraíbas assados no espeto. Proteína nunca é demais e ainda nos livraríamos de muitos corruptos. Você não acha?...
A caiapó assentiu com a cabeça, rindo nervosamente.
Inácio Evangelista se despediu da irmã, chamou um táxi, embarcou junto com a caiapó e, na mesma noite, o papakuzinho fez mais uma vítima.
Sem contar que foi na base do 0800, já que indiodescendentes não cobram entre si pelos serviços sexuais prestados.
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