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quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Caipirinha de lima-da-Pérsia? No, thanks...


Luiz Alberto, Alberto Castelo Branco, Sergio Bastos e eu, durante um dos aniversários da Saga Publicidade

Dezembro de 1992. Empolgado com o sucesso que o nosso outdoor “Ecologists, go home!” havia feito na Eco-92, o empresário Valdo Garcia, dono da agência G&F Comunicações, resolveu enviar eu e Sergio Bastos para participar de um seminário internacional de publicidade e propaganada, que iria acontecer no hotel Rio Othon Palace, na Cidade Maravilhosa.

A estrela do seminário era o publicitário inglês David Ogilvy, considerado o melhor redator publicitário de todos os tempos e o “pai da propaganda moderna”, mas também havia uma constelação de publicitários brasileiros que seriam palestrantes, como Washington Olivetto, Roberto Duailibi, Nizan Guanaes, Marcelo Serpa, Lula Vieira e Alexandre Gama.

Seriam três dias de seminário, de quinta-feira a sábado. O credenciamento seria feito a partir do meio-dia de quinta feira.

Quando eu e Sergio fomos deixados no aeroporto Eduardo Gomes por um carro da agência, a primeira presepada: algum funcionário, inadvertidamente, havia colocado a minha mochila no carro do Valdo Garcia, porque ele supostamente havia dito que iria me deixar no aeroporto. Só que, de repente, o Valdo mudou de idéia e o funcionário esqueceu da minha mochila.

Viajei apenas com a roupa do corpo – e isso porque havia colocado o bilhete de passagem e a carteira de identidade no bolso de uma jaqueta de couro, comprada exclusivamente para enfrentar as madrugadas cariocas. Minha carteira porta-cédulas com o adiantamento para a viagem havia ficado dentro da mochila.


Chegamos ao Rio Othon Palace por volta das 14h e nova presepada: a data do seminário havia sido mudada. O credenciamento seria na sexta-feira e o seminário iria se estender até domingo.

Serjão, que não pisava na sua terra natal há 15 anos, resolveu aproveitar aquela quinta-feira livre pra botar no toco.

De cara, ele foi até uma agência bancária e tirou o seu salário integral (algo, hoje, em torno de R$ 8 mil). Ele me emprestou a metade da grana e guardou a outra metade.

Do banco, fomos até uma loja Sears. Comprei calças, camisas, camisetas, tênis e uma nova mochila.

De lá, ele resolveu me levar até sua antiga agência, a Contemporânea, ali nas imediações da Cinelândia. Os caras fizeram uma festa com a presença do Sergio.

No subsolo do prédio onde fica a agência, funciona um restaurante frequentado pelos publicitários, que depois do expediente se transforma em um ruidoso botequim. Depois de meia-hora conversando com o pessoal da Contemporânea, descemos para o restaurante.

Em vez de almoçar, Serjão já pediu logo uma jarra de caipirinha de lima-da-Pérsia, considerada por ele a “melhor batida do país”. Eram 16h.

Resolvi acompanhá-lo na aventura sabendo de antemão que por volta das 18h nós dois estaríamos fora de combate.

Ingerir bebida destilada de estômago seco é convite certo para nocaute técnico. Não deu outra.

Depois de quatro jarras de caipirinha de lima-da-Pérsia, o Serjão já estava filosofando em alemão. Pagamos a conta e voltamos pro hotel.

Calculei que se a gente tirasse uma soneca, por volta das 21h estaríamos de novo prontos pra fuzarca. Sergio não quis nem saber e começou a detonar as bebidas que haviam no frigobar. Quando elas acabaram, ele desceu para o lobby do hotel.

Liguei para o Antonio Paulo Graça, que estava na cidade fazendo seu doutoramento em Literatura na UFRJ, e combinamos de nos encontrar às 21h.

Pedi pra ele avisar o músico Rui de Carvalho de que eu estava na cidade. Depois, fui dormir.

Acordei com o Paulinho interfonando da portaria. Tomei um banho rápido, coloquei a jaqueta de couro e desci. A gente estava conversando no lobby do hotel, quando o Serjão apareceu pra lá de Marrakesh.

Ele havia alugado um carro da Localiza e queria nos levar até o bar da Contemporânea pra gente “pegar umas putas”.

Vendo ele naquele estado, Paulinho foi direto na jugular:

– Serjão, há quanto tempo você não dirige no Rio de Janeiro? – questionou.

– Ah, desde que fui embora, há uns quinze anos. Por que? – devolveu Sergio.

– Bicho, então é melhor a gente ir de táxi. Eu morei aqui durante três anos, passei dois anos em Manaus e voltei pra cá esse ano. Nesse meio tempo, metade das ruas mudaram de direção. Esse trânsito carioca está um verdadeiro inferno! – explicou Paulinho.

– Porra, professor, deixa comigo que eu me garanto. Não sou nenhum mané não! – avisou Sergio, já ficando meio injuriado.

Ficamos ali, naquele impasse. Paulinho achando que a gente ia se ferrar, Sergio afirmando que se garantia, e eu dividido entre os dois.

É claro que confiava mais nas ponderações do Paulo do que nos argumentos do Sergio, que estava totalmente louco. Mas, porra, o cara havia me emprestado a grana. Não dava pra eu largá-lo daquele jeito, sem mais nem menos.

Convenci o Paulinho a dar uma chance pro piloto tarimbado. Na primeira fuleiragem, a gente abandonava ele e ia embora de táxi. Cabreiríssimo, Paulinho aceitou o desafio.


Pra gente ir de Copacabana, aonde fica o Othon Palace, ao centro, onde fica a Cinelândia, foram duas horas de sufoco.

Na maioria das vezes, a gente entrava na contra-mão e era um pára pra acertar até conseguirmos pegar a mão correta – sem contar os xingamentos dos motoristas vindos no sentido contrário.

Quando uma carreta de três eixos a 100km/h passou em sentido contrário tirando fino do nosso lado direito, avisei pro Sergio que a brincadeira já tinha ido longe demais.

Ele parou o carro pra eu e Paulinho descer, mas de repente seu rosto se iluminou:

– O prédio da Contempoânea é aquele ali! Me esperem lá, que eu vou só estacionar o carro...

Reconheci o edifício, que estava a uns 100 metros de distância. Eu e Paulinho nos dirigimos para lá.

Serjão parou o trânsito da avenida Rio Branco manobrando no meio da rua para colocar o carro no sentido correto. Coisa de maluco!

Dali a uns 20 minutos, ele se juntou a nós e descemos para o porão onde era servida a famosa caipirinha de lima-da-Pérsia.

Os criativos da agência estavam aguardando ele em uma mesa gigantesca sem disfarçarem a apreensão pela demora.

Nova festa de confraternização. O sacana era mesmo muito querido pelos sujeitos.

Serjão apresentou o Antonio Paulo Graça para a galera como “o maior intelectual do Amazonas de todos os tempos”, o que não estava muito longe da verdade.

Ficamos bebendo com eles, eu, acompanhando o Serjão na caipirinha de lima-da-Pérsia, o Paulinho indo de chope.

Lá pelas tantas, um garçom se aproximou e nos entregou um novo cardápio. Era um fantástico book de meninas de programa, cada uma mais bonita do que a outra.

Duzentas pilas o programa completo, incluindo o apartamento. Elas apanhavam o sujeito no local, levavam pra transar e depois devolviam em casa.

Serviço garantido, sem aprontação, porque todas elas eram registradas no boteco.

O Paulinho escolheu uma ruiva e eu, uma morena cor de jambo, mas antes que acionássemos o garçom para chamar as duas lias, ele se lembrou que o Rui de Carvalho estava nos esperando no Bar Diagonal, no Leblon.

Avisei pro Sergio que ia puxar o carro. Empolgado com a bajulação dos velhos camaradas, ele apenas enfiou uma das mãos na minha jaqueta - provavelmente para não cair – e me deu um beijo na testa.

O sacana estava deixando de filosofar em alemão para se converter em dirigente de PC soviético, única explicação para aquele beijo despropositado.


Eu e Paulinho pegamos um táxi e fomos para o Diagonal. Devia ser quase meia-noite. O Rui de Carvalho estava nos esperando desde as 21h, puto da vida, achando que a gente havia dado bolo. Ficou feliz em nos ver.

Nos apresentou para vários músicos, poetas, professores universitários, meninas gostosíssimas sonhando em ser atrizes, enfim, para a fauna que frequenta aquele tipo de bar. Bebemos até umas três da madrugada e combinamos de nos encontrar na noite seguinte.

Aí, peguei um táxi e fui deixar o Paulinho em casa, lá em Botafogo, depois retornei pro hotel. Nem sombra do Sérgio.

Por volta das 10h da manhã de sexta-feira, toca o telefone do quarto. Eu estava no melhor do sono, mas resolvi atender.

Do outro lado da linha, a voz cavernosa do Sergio:

– Bicho, ontem à noite eu fiz a maior merda aí no hotel. Se eu aparecer aí, é capaz de o gerente querer me dar porrada...

– Você está aonde? – indaguei.

– Em um motel, aqui na Barra... – explicou o Sergio.

– Puta que pariu, bicho, o que qui você foi fazer do outro lado da cidade? – perguntei, mas antes de ele responder já dei a dica:

– Faz o seguinte. Vem pra cá agora, que o gerente da noite já se mandou. O gerente do turno da manhã não te conhece. Entra na maior cara de pau, pega o elevador e sobe, que eu vou deixar a porta do quarto aberta.

Dali a meia-hora, o Sergio entrou no apartamento visivelmente deprimido.

Daí a pouco, sem dizer nada, começou a arrumar suas coisas. Estranhei.

– Porra, bicho, que merda foi que aconteceu?... – insisti.

Ele parou a arrumação, se sentou na beira da cama e abriu o jogo.


– Cara, a gente parou de beber por volta das 3h da manhã. Eu estava voltando pro hotel, quando vi no calçadão de Copacabana uma mulata sestrosa que era o teu estilo. Dois metros de altura, sapato plataforma de 15 centímetros, uma saia curtíssima, bundão empinado, de lábios vermelhos, sombra roxa, camisa amarrada na cintura mal cobrindo os dois melões. Resolvi contratar ela pra te dar de presente.

A mulata chamou uma amiga pra ficar comigo. Quando cheguei no hotel, o gerente impediu elas duas de subirem pro quarto. Começou a se arretar comigo, dizendo que aquilo era um hotel de respeito, que não aceitavam mulheres de programa, essas coisas. As meninas não abriram a boca.

Levei elas duas pra um dos bares que ainda estavam funcionando. Quando a tua mulata se sentou no estofado, a saia dela subiu até a altura do umbigo. Os gringos que estavam lá ficaram pirados. O garçom trouxe uma rodada dupla de chopes.

Pedi um suflê de camarão para as minhas duas convidadas, que estavam brocadas, e o garçom falou que o restaurante já estava fechado. Entrei na cozinha do restaurante, coloquei o chapéu de mestre-cuca e comecei a preparar o suflê. O gerente chamou os seguranças e me expulsaram de lá. Resolvi não pagar a conta. Deu a maior confusão.

Peguei minhas duas convidadas, coloquei no carro e levei pra um motel da Barra. Elas jantaram, beberam, me comeram, fizeram tudo a que tinha direito. A grana que eu ainda tinha no bolso só deu pra pagar a despesa do motel. Elas queriam 100 pilas, 50 pra cada uma porque me disseram que tinha sido uma foda completa. Disso eu não me lembro.

Passei num caixa eletrônico, minha conta estava sem saldo. A tua negona ficou injuriada, puxou uma gilete e quis me cortar. A gente estava naquela confusão, quando passou uma rádio-patrulha.

Mostrei pros policiais meu cartão de hospedagem no Othon Palace, expliquei que as vadias haviam me roubado até os documentos e que eu estava sem um puto para telefonar pro meu chefe – você, claro! – para contar o que estava acontecendo. Os policiais levaram as duas vadias para averiguações, pediram desculpas pelo ocorrido e me deram duas fichas de orelhão. Foi com elas que te liguei...

Pra mim, aquela história era totalmente surrealista.

– E o que qui você vai fazer? – perguntei.

– Vou me mandar agora pra Manaus. Eu não estou me sentindo bem. Não quero nem pensar no que vai acontecer quando eu contar pra Marilda que meu salário de dezembro se evaporou... – explicou ele, tristemente.

Convenci ele a subir comigo pra piscina na cobertura do hotel e a comer alguma coisa, antes de viajar. O filho da puta estava há 24 horas se alimentando exclusivamente de caipirinha de lima-da-Pérsia, só podia dar naquilo mesmo.

Ele mal provou o polvo com brocólis que eu havia pedido pra nós dois. Se despediu apressadamente e me deixou jiboiando na piscina.

Liguei pro Antonio Paulo Graça, relatando o ocorrido.

À tarde, peguei a minha credencial e a do Sergio, o riquíssimo material do seminário e fui assistir a palestra do David Ogilvy, a única que realmente me interessava.


Anotei os dez pontos básicos que ele abordou e exemplificou com maestria, que continuam mais atuais do que nunca:

Na publicidade, o que você diz é mais importante do que como você diz.

Na publicidade, quanto mais informativo, mais persuasivo.

O consumidor não é tolo. Ele é sua esposa. Não insulte sua inteligência.

Nunca pare de testar suas idéias e sua publicidade nunca deixará de se aprimorar.

Nunca escreva um anúncio que você não gostaria que sua família visse. Você não mentiria para sua própria esposa. Não minta para a minha.

Na era moderna dos negócios, é inútil ser criativo ao menos que você saiba vender o que você cria.

Se você está tentando persuadir pessoas a fazer algo ou comprar alguma coisa, me parece que você deveria usar a linguagem delas, a linguagem que elas usam no dia-a-dia.

É preciso uma grande idéia para atrair a atenção de consumidores e fazê-los comprar seus produtos. Ao menos que a publicidade contenha uma grande idéia, ela passará como um navio na noite. Duvido que mais de uma campanha entre 100 contenha alguma grande idéia.

O segredo de uma vida longa é uma carreira dupla. Uma para você realizar até os 60 anos e outra para os próximos 30.

A publicidade reflete os costumes da sociedade, mas não os influencia. Pense sempre nisso antes de querer inventar alguma coisa “revolucionária”.

Naquela mesma noite, o Antonio Paulo Graça passou no hotel e expliquei a situação esdrúxula em que estava envolvido pela ausência do meu parceiro.

Ele me aconselhou a fechar a conta no Othon Palace e ficar hospedado na casa dele. Foi o que fiz.

As despesas do quarto foram debitadas do pagamento antecipado das diárias. Me devolveram umas 500 pilas, porque estavam na estação de alta temporada. Aquilo era o suficiente para a gente beber sem se preocupar durante dois dias.

Fomos nos encontrar com o Rui de Carvalho no Bar Diagonal e, novamente, ficamos bebendo e conversando até de madrugada.

No sábado, eu e Paulinho passamos o dia batendo pernas pelos sebos da cidade.

Quando retornamos pra casa dele, por volta das seis horas da tarde, uma outra surpresa: a Cláudia, esposa do Paulo, resolvera lavar minha jaqueta de couro e encontrara cerca de R$ 3 mil em um dos bolsos. Eu não fazia a menor idéia de como aquela grana tinha ido parar ali.

No domingo à noite, no vôo de volta pra Manaus, caiu a ficha. Aquela grana devia ter sido colocada pelo Sergio quando enfiou a mão na minha jaqueta e me deu um beijo na testa.

Porre do jeito que estava, ela não se lembrava da presepada. Eu, muito menos. Na hora do ocorrido, pensei que ele havia feito aquilo para não cair no chão.

Quando entrei na agência G&F na segunda-feira pela manhã, o Sergio estava finalizando um anúncio no computador, entre o miseravelmente triste e o mais que perfeito macambúzio.

Entreguei pra ele o seu material do seminário (uma pasta contendo livros, jornais, boletins, fitas VHS, o diabo a quatro), os R$ 3 mil que a Cláudia havia encontrado no bolso da jaqueta e os R$ 4 mil que ele havia me emprestado.

De repente, o seu salário do mês de dezembro havia se materializado de novo.

O Serjão ficou tão feliz e agradecido, que quase que a gente começava uma nova cachaçada na mesma hora. Mas, dessa vez, sem caipirinha de lima-da-Pérsia, pelo amor de Deus!

Grande Serjão!

Um comentário:

Daniel disse...

Muito doidas essas suas histórias cara.
Encontrei seu blog por acaso e já estou lendo ele compulsivamente durante 4 dias.

Saudações.