Eu entrevistando Fausto Wolff com uma miratinga, na casa do radialista Joaquim Marinho
Allan Sieber
Especial para
a FOLHA
Estávamos eu, Arnaldo Branco e Leonardo – o “nightmare team”
da finada revista F (2004-06) – descendo
o Cosme Velho rumo ao Posto 6, em Copacabana, mais precisamente para o
apartamento do escritor e hooligan Fausto Wolff (1940-2008), que comemorava o
aniversário naquela noite.
Eis que o celular de Arnaldo deu sinal de vida (ele era o
único de nós a possuir tal aparato do demônio). Era minha amiga Denise, ele atendeu
e me passou o aparelho: “Ela quer falar com você.”
“Oi, Dedê. É, acabou aqui, a gente tá indo para a casa do
Fausto. Você já tá aí? (...) Hã?? Sério? Por quê?(...) Entendi (...). Valeu por
ter avisado. Beijo.”
Desliguei e devolvi o celular para o Arnaldo.
“Fodeu. Dedê falou que o Fausto está possuído. Ele viu a F impressa e leu na frente de todo
mundo a entrevista com ele. Ficou puto. Ele quer arrancar nossas cabeças e
pisar em cima.”
Diante dessa notícia, não tivemos outra opção senão abortar
o plano de aparecer na casa dele e ir beber em outro lugar. Ninguém em sã
consciência peitaria Fausto Wolff, mistura de urso com geladeira dos anos 50.
No começo de 2006, decidimos entrevistá-lo para o quarto – e
derradeiro – número da F. Fazíamos
parte da seleta lista das pessoas em quem ele ainda não queria bater, Faustin
von Wolffenbüttel era nosso ídolo, e ainda havia o fato de ele estar tramando
uma insana campanha para presidente nas eleições daquele ano e querer nossa
ajuda.
Armados de duas garrafas de White Horse – e algumas doses já
na cabeça –, chegamos no apartamento do Mito.
A ideia era eu, Arnaldo, Leonardo e nosso amigo André
Dahmer, também cartunista, entrevistá-lo, e João Cabral – meu sócio na época e
o único Comunista de Verdade em todo o Rio, junto com o próprio Fausto –
registrar tudo em vídeo.
Tinha tudo para dar errado, e obviamente deu.
Apesar de uma isquemia meses antes, o velho lobo estava mais
sedento do que nunca, e nós, “amiguinhos gentis e amadores”, como ele gostava
de frisar, tentando acompanhar o seu ritmo viking.
Duas horas e três garrafas depois, Fausto tentava fumar uma
nota de R$ 50 e nos xingava sem perdão, “vocês sãos uns merdas, a revista de
vocês é uma merda, vocês só entrevistam merdas”, enquanto pensávamos numa
maneira de sair do apartamento da avenida Atlântica sem hematomas e com a
câmera intacta.
Por dias um sentimento de frustração tomou conta dos outrora
bravos editores da minúscula F.
Tínhamos fracassado na aparentemente simples missão de entrevistar nosso ídolo
e faltava pouco para entregar a revista na gráfica.
Sem esperança, Arnaldo começou a decupar as fitas. Surpresa:
estava muito melhor do que lembrávamos (?). Com um pouco de esforço, dava para
dizer inclusive que foi uma ótima entrevista, dada as condições, os
entrevistadores e o entrevistado.
Fausto tinha falado sobre os seis meses em que pescara
sardinhas no mar do Norte; o fato de que não declarava Imposto de Renda fazia
30 anos; o dia em que bateu o temível Mariel Mariscot numa queda de braço; a
ocasião em que comeu Brigitte Bardot em Búzios sem saber que era Brigitte
Bardot; a sessão de LSD em 1962 supervisionada por um médico loucão; e, por
fim, suas desavenças – muitas, a maioria impublicáveis – com o velho amigo Ziraldo,
quando este era editor do Caderno B, no JB.
A certa altura, Fausto falou: “Olha, essa vai ser a primeira
entrevista que não vou pedir para ler antes de ser publicada, confio em vocês.”
Mas fizemos questão de mandar o texto editado para ele.
Para nosso espanto, ele nos devolveu a entrevista reeditada,
com perguntas e respostas que nunca existiram – dava uma aliviada em Ziraldo,
colocava na nossa boca questionamentos com “segundo dados do IBGE” etc. Por
algum motivo obscuro – talvez seu tamanho e peso –, ele acreditava piamente que
publicaríamos a versão dele, e por isso ficou tão transtornado ao encontrar a
entrevista verdadeira na revista.
Meses depois ele estava nosso amigo de novo, é claro. Minha
maior recordação de todo o episódio é a inspiradora frase:
“Eu vou explicar para vocês, porque sou jovem há muito mais
tempo que vocês...”
2 comentários:
Que delícia essa história da entrevista, Simão. Teu blog é que nem padaria, sempre tem algo quente esperando pela gente.
essa entrevista é antológica.
por que não relata esse encontro com o LOBO em Manaus?
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