As famosas barricadas
de maio de 68, em Paris
Maurício Cardoso
“1968, o que fizemos de nós” é o nome de um belo livro, do
jornalista Zuenir Ventura, lançado em 2008, como sequência de um outro livro
ainda mais lindo, “1968, o ano que não terminou”, de 1989.
Os dois livros falam de um personagem incomum, o ano de
1968: “É possível que no século XX, tenha havido ano igual ou mais importante
do que 1968, mas nenhum tão lembrado, discutido e com tanta disposição para
permanecer como referência, por afinidade ou por contraste”, explica o autor na
contracapa do último volume.
E diz mais: “A geração de 68, que dizia não confiar em
ninguém com mais de 30 anos, está completando 40. Ainda dá para confiar nela?
Que balanço se pode fazer hoje de um ano tão carregado de ambições e de sonhos?
O que foi feito dessa herança?”
As questões que o livro de Zuenir procura responder podem
ser encontradas também, em larga escala, no plenário do Supremo Tribunal
Federal, todas as segundas, quartas e quintas-feiras, enquanto se julga a Ação
Penal 470, o processo do mensalão.
O livro de Zuenir Ventura pode até não explicar porque o
partido que era apontado como mais ético e mais autêntico da história da
República se tornou patrono do maior escândalo de corrupção desse país.
Mas ele mostra que boa parte dos principais personagens
desse drama político estavam todos lá em 1968, caminhando e cantando, e
seguindo a revolução.
Quem abrir o livro à página 48, vai encontrar o capítulo “Há
um meia-oito em cada canto”.
Vai saber que, nos idos de meia-oito, José Dirceu, acusado
de ser o “chefe da quadrilha” do mensalão, era um dos mais influentes líderes
do movimento estudantil.
E que o ministro Celso de Mello, o decano do tribunal que
está julgando Dirceu juntamente com toda a “quadrilha”, era praticamente colega
do político.
“Em 1968, José Dirceu e Celso de Mello moravam numa
república de estudantes em São Paulo, visitada frequentemente por agentes do
Dops”, conta o livro.
Os dois trilharam caminhos diferentes. “Dirceu foi para a
militância e Mello para os estudos”. Mas, em suas respectivas trincheiras,
defenderam os mesmos ideais de liberdade.
Celso de Mello relembra o momento difícil que enfrentou como
orador da turma de promotores aprovados no concurso do Ministério Público.
“Eu precisava protestar contra o regime ditatorial, e fiz um
discurso que não agradou muito ao chamado establishment; não fui aplaudido.”
Outros meia-oito ilustres que passaram pelo Supremo Tribunal
Federal já estão aposentados.
Sepúlveda Pertence, que deixou o Supremo em 2007, foi
vice-presidente da UNE (1959-1960) e professor da UnB (1962-1965), cargos dos
quais se viu afastado à força pelo regime dos generais.
Hoje é integrante da Comissão de Ética Pública, ligado à
presidência, criada justamente para evitar que novos mensalões aconteçam.
O outro é Eros Grau, que se aposentou em 2010. Em uma de
suas últimas intervenções no Supremo, foi o relator da Ação Direta de
Inconstitucionalidade que julgou constitucional a Lei de Anistia.
Adepto do Partido Comunista (“nunca tive carteira, porque o
partido não dava carteira, mas eu tinha um comprometimento com as teses do
partido, digamos assim”), foi preso e torturado por sua atuação na resistência
à ditadura.
“A geração de 68 não chegou a eleger nenhum presidente,
ainda que os dois últimos — Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da
Silva — considerem ter levado para o poder idéias e representates das turmas
com a qual reivindicam ter afinidades eletivas”, diz Zuenir, na abertura do
capítulo dos meia-oito.
Claro, o livro foi lançado em 2008, época em que Dilma
Rousseff, ex-militante da VAR-Palmares, ainda não havia sido eleita presidente
da República.
“Em face de sua resistência à tortura na prisão, o promotor
que a denunciou chamou-a de Joana D’Arc da subversão”, rememora Zuenir.
Além de Dilma e Zé Dirceu, são citados, ainda, como
representantes da geração meia-oito que chegaram ao poder na era Lula, o
governador da Bahia, Jaques Wagner (então presidente do diretório acadêmico da
PUC-Rio e militante do PCdoB), o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel
(militante do movimento estudantil e da VAR-Palmares), o ex-ministro da Fazenda
e da Casa Civil Antônio Palocci (militante da organização trotskista Libelu,
juntamente com o ex-secretário da presidência Luiz Dulci e o ex-secretário de
Comunicação, Luiz Gushiken).
Franklin Martins, que sucedeu Gushiken na Secretária de
Comunicação foi do MR-8 e seu secretário executivo Ottoni Fernandes Junior, da
ALN.
O ministro da Cultura de Lula, Gilberto Gil não era filiado
a nenhum grupo militante, mas só de cantar, foi preso e proibido de se
apresentar, optando por se exilar na Inglaterra.
Tarso Genro, ministro da Educação e da Justiça no governo
Lula, foi ativista da UNE e do PCdoB e da dissidência desta, a Ala Vermelha,
que pregava a luta armada.
Foram seus companheiros na militância esquerdista, Milton
Seligman, hoje diretor de Relações Corporativas da Ambev, e Paulo Buss,
presidente da Fundação Osvaldo Cruz.
Os três compartilharam também as salas de aula da
Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
“Era uma cidade pequena, e todo mundo se conhecia. Diante da
convocação de uma manifestação, o Dops prendia os de sempre”.
Que eram os três, relembra Seligman em entrevista para o
livro de Zuenir.
Também são meia-oito os verdes Fernando Gabeira, ex-deputado
federal pelo Rio de Janeiro, e Carlos Minc, outro ministro do governo Lula.
Mas não só no PT e no PV que se firmou o destino de quem
viveu as convulsões de 1968.
Antes, muito pelo contrário, como sustenta Zuenir Ventura ao
resgatar o nome de dois ilustres meia-oito que tomaram outra direção.
Um é o ex-senador
tucano pelo Amazonas e atual líder na corrida para a prefeitura de Manaus,
Arthur Virgílio Neto.
Naqueles tempos,
Arthur Virgilio era militante do clandestino PCB e diretor do Centro Acadêmico
da Faculdade Nacional de Direito (atual UFRJ).
Outro é o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, que
pertenceu à Corrente, uma dissidência do PCB que pregava a luta armada.
Foi preso no Congresso da UNE, em 68 e foi para o exílio na
Argentina e no Chile, onde ficou amigo de outro militante de esquerda no
exílio, José Serra.
Como diz Zuenir Ventura, “eles estão no poder, na oposição,
à esquerda, à direita, e até prestando contas à Justiça. Há um meia-oito em
cada esquina”.
NOTA DO EDITOR DO MOCÓ
Claro que não se trata de um filme de faroeste feito pelo Sergio Leone. Mas para saber quem é o mocinho e quem é o bandido, basta observar de que lado está o Artur e seu Colt 45. O resto pode ser creditado à cartilha dos mensaleiros ressentidos e rancorosos.
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