O poeta Waly Salomão,
morto em 2003, é homenageado com 'Poesia Total', livro que reúne sua produção
poética e as letras de músicas que escreveu para artistas como Maria Bethânia,
Gal Costa e Cazuza
Maria Fernanda Rodrigues
Há muito não se via um livro de poesia nas listas de mais
vendidos no Brasil, mas o curitibano Paulo Leminski conseguiu tal feito este
ano quando a Companhia das Letras lançou um volume com toda a sua produção
poética. Ele chegou, inclusive, a desbancar o best-seller erótico Cinquenta
Tons de Cinza.
Quem entra na briga pela atenção do leitor brasileiro agora
é Waly Salomão, baiano de Jequié, filho de pai sírio e mãe sertaneja, e poeta
que agitou o Rio de Janeiro nos anos 70, 80, 90, morreu precocemente e fez
escola influenciando novas gerações de poetas.
Poesia Total, que será lançado nesta segunda-feira no Rio e
no dia 31 em São Paulo, traz, além de seus poemas, as músicas que escreveu e
que ficaram famosas na voz de artistas – entre elas estão Vapor Barato, gravada
por Jards Macalé, Gal Costa e Rappa; Mel, por Maria Bethânia e Caetano Veloso;
e Assaltaram a Gramática, interpretada por Lulu Santos e Paralamas do Sucesso.
Waly Salomão não falava, declamava. Era todo gestos, caras,
bocas e sorrisos largos. Inventou um personagem e viveu nele até perder a
batalha para o câncer em 2003 – nessa época, ele era também secretário nacional
do livro enquanto o amigo Gilberto Gil comandava o ministério da Cultura.
O movimento de resgate da obra de Waly Salomão (1943-2003),
iniciado agora com o lançamento de Poesia Total, terá desdobramentos durante o
ano. Omar Salomão, poeta como o pai, músico e artista visual, está organizando
um show em São Paulo com a presença de Gal Costa, Jards Macalé e Lirinha e de
cantores da nova geração, como Alice Caymmi e Botika.
No Rio, está prevista para setembro a exposição A Biblioteca
de Grifos de Waly Salomão. Omar, curador ao lado de Anna Dantes, conta que a
mostra que estará em cartaz na Biblioteca Pública do Estado partirá do acervo
de seus pais e das anotações que ele fazia nas beiradas dos livros. Será uma
boa oportunidade de rever Waly Salomão ou de apresentar à nova geração o
artista hiperativo, “de olhar periférico”, que vivia em constante estado de
alerta e representando seu personagem, e que teve a primeira grande motivação
para escrever quando foi pego numa blitz com fumo e levado ao Carandiru.
“O fato de eu ver o sol quadrado foi uma concentração até
espacial do meu desejo e meu primeiro texto jorrou daqui de dentro”, ouvimos o
poeta contar em Pan-Cinema Americano, documentário de Carlos Nader sobre ele.
O texto a que se refere é Apontamentos de Pav Dois, e o
também poeta e letrista Antonio Cicero comenta sobre ele num dos vários textos
críticos que completam o volume lançado agora com as letras e os livros do
autor – Me Segura Q’eu Vou Dar um Troço (1972), Gigolô de Bibelôs (1983),
Algaravias: Câmara de Ecos (1996), Lábia (1998), Tarifa de Embarque (2000) e
Pescados Vivos (2004). De Poemas de Armarinho de Miudezas (1993) e Hélio
Oiticica: Qual é o Parangolé? (1996), livros de gêneros mistos, foram extraídos
alguns textos.
Ao Estado, Cicero disse que a poesia do amigo é, ao mesmo
tempo, vital e elaborada. Ele explica: “Pela vitalidade dos seus poemas,
pode-se pensar que eles surgiram num jorro. De certa maneira, sim: elas surgiam
num jorro. Por outro lado, esse jorro inicial era submetido a um trabalho
exaustivo, até chegar ao ponto de ser publicado”.
A amizade dos dois e admiração mútua remete aos anos 1970.
Cicero já tinha ouvido músicas escritas por Waly Salomão quando o conheceu num
jantar na casa de Gal Costa e de sua mãe, “uma distinta senhora”. A casa estava
cheia e o poeta estava há muito trancado no banheiro. “Ao aparecer na sala, sem
cumprimentar ninguém, anunciou, com sua voz megafônica, que ia nos mostrar, em
primeira mão, alguns de seus novos poemas. E começou a recitar. Entretanto, os
versos que ele dizia não pareciam em nada com os poemas e as letras dele que eu
já tinha ouvido. Falavam de crianças, flores, borboletas borboleteando, etc.”.
Ele e Caetano Veloso se entreolharam sem entender nada. “De repente, dona
Mariah gritou, com sua voz rouca: ‘Ladrão! Esses poemas são meus!’”, conta
Cicero – e isso dá uma ideia de sua personalidade.
Os dois viraram amigos e Cicero, tímido, teve a ajuda de
Waly para se soltar. “Com sua irreverência, ele tinha a capacidade de desarmar
qualquer situação de convencionalismo repressor ou caretice. Ele expunha a
farsa subjacente a tais situações. Isso me fez muito bem.”
O poeta Ramon Mello, de 30 anos, não conheceu Waly, mas,
admirador de sua obra, desabafa em determinado ponto de seu Poema Atravessado
Pelo Manifesto Sampler: “Alô Waly. Ah, se você ainda estivesse por aqui”. Ele tem
todos os livros em primeira edição. “Era um poeta que estava muito a frente de
seu tempo e que fazia uma poesia que estava em diálogo com as manifestações
culturais e artísticas. Isso é fundamental”, conta.
Da mesma geração de Ramon, Bruna Beber se encantou primeiro
pela música Mel, que a mãe ouvia sem parar. “Depois fui pescando uma letra dele
aqui e ali quando comecei a ouvir Gal e Jards Macalé. Daí para os livros foi um
passo só”, comenta. E completa: “Eu não conheci o Waly, mas é difícil ler seus
livros sem sentir sua presença, ao mesmo tempo impávida e doce. Seu nome me
remete à palavra ‘vigor’ em todos os seus significados”.
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