Foi divulgada nesta quarta-feira, 23, uma carta que Matheus
Nachtergaele escreveu para Ariano Suassuna, ressaltando a importância do
personagem “João Grilo” em sua vida.
O ator interpretou o papel no ano 2000 no filme “O Auto da
Compadecida”, baseado na obra do escritor paraibano.
A carta foi escrita antes da morte de Suassuna, que ocorreu
nesta quarta, e enviada ao jornal Diário de Pernambuco:
Carta para Ariano,
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos
cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas
casas. Toda vez que alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo
e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por
Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil
édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas.
Fui domado por cavaleiros de Sheakespeare, de Nelson, de
Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas
guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi
teu Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com
ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote,
no lombo dolorido de mim e nele descansou.
Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom
pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos.
Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da
caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente.
Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a
beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por
você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado,
que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cercas de arame farpado, e
encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom.
Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para onde há verde
gramagem eterna.
Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui
desse país bonito e duro.
Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui
morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma
sombra brasileira, com rede de chita e tudo.
De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e
coloridos, uns reis e uns santos.
De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha,
contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós.
Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele
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