Por Ruy Castro
Na próxima vez que Casablanca, o filme, surgir na sua tela
às duas da manhã, fiquei atento às peripécias de Rick Blaine (Humphrey Bogart)
e Ilsa Lund (Ingrid Bergman). Você deve se lembrar. Eles se amaram em Paris.
Veio a Ocupação e a Guerra os separou, mas o destino os reuniu, dois anos
depois, em Casablanca – ele, à frente do Rick’s, um boteco de luxo; ela, de
braço com Victor Laszlo, militante antinazista e, na verdade, seu marido, que
ela julgava morto quando namorou Rick.
E, como você também deve se lembrar, é Rick que, no fim do
filme, põe Ilsa e Laszlo no avião e lhes permite escapar para os EUA via Lisboa
– quando podia ter ido com ela, deixando o marido bolha para trás, entregue aos
alemães. Nem todos se conformaram com o altruísmo de Rick – há anos, aqui no
Rio, o jornalista João Luiz de Albuquerque produziu um vídeo em que remontou a
sequência final, “corrigindo” a história.
O fascínio por Casablanca é inesgotável. Já devo ter
assistido ao filme umas trinta vezes – na tela do cinema e em telinha de
cineclube, em super-8, VHS, laser disc, DVD ou blue-ray, dublado ou com
legendas, e no glorioso preto-e-branco em que foi feito ou numa infeliz versão
colorizada – e até hoje ele me deu coisas.
Repare, por exemplo, como nas cenas do café La Belle Aurore,
em Paris, Bogart, no auge do romance com Ingrid, parece muito mais jovem,
embora, na história, aquilo tenha acontecido apenas dois anos antes. Seu cabelo
está mais preto e mais cheio do que nas cenas em Casablanca. Como se explica? É
que, para cada situação, o estúdio lhe aplicou perucas diferentes – ou você não
sabia que, já então, Bogart era careca?
Houve uma época nos anos 90 e em parte do 00 em que,
trabalhando em São Paulo, raro era o mês em que alguma revista recém-lançada
não me pedia um artigo sobre Casablanca, sobre Bogart ou sobre “As Time Goes By”,
a grande canção do filme.
Atendi com prazer a todas as encomendas e, pela generosidade
dos editores daquelas publicações, devo à saga de Casablanca muitos aluguéis
pagos em dia, quilos de alcachofra na feira, jantares no Le Casserole, no Largo
do Arouche, ou no Don Curro, em Pinheiros, e maratonas de sorvete na doceria
Ofner, em Perdizes. Só por essa amostra posso calcular quanto o septuagenário
Casablanca ainda movimenta a economia.
Bem, tudo isso é para dizer que os americanos ameaçam rodar
uma continuação de Casablanca. Não uma refilmagem – nem eles se atreveriam –,
mas uma continuação mesmo. E, segundo esta, Ilsa não apenas transou com Rick em
troca das “cartas de trânsito” para fugir de Casablanca com Laszlo, como viajou
grávida dele, Rick, para Lisboa!
No elegantíssimo filme de 1942, há de fato uma insinuação de
transa entre os dois na véspera da fuga – lembra-se de um farol fálico que
pisca quando os dois se beijam? Pois, nessa nova versão, Hollywood poderá
mostrar um flashback com os dois pelados na cama, em três ou quatro posições
diferentes.
Sempre se especulou sobre o que teria acontecido a Rick e
Ilsa no futuro, ou seja, depois de terminado o filme. Em seu livro Suspeitos (1985), David Thomson sugere
que, em Nova York, Ilsa chutou Laszlo, tornou-se modelo do pintor Edward Hopper
e morreu em 1961 no desastre de avião na Rodésia que matou o secretário-geral
da ONU, Dag Hammarskjold, para quem ela então trabalhava.
E, para outros, Rick teria aberto mão de Ilsa no filme
porque, no fundo, estava a fim era do capitão Louis Renault (Claude Rains). Faz
sentido. Na última cena – pode reparar –, assim que o avião decola, os dois se
afastam na bruma do aeroporto, e Rick diz:
“Louis, acho que esse é o começo de uma bela amizade.”
Capitão Renault, Rick
Blayne, Ilsa Lund e Victor Laszlo ao lado do Buick Phaeton numa das cenas
finais do filme Casablanca
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