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terça-feira, setembro 04, 2018

As últimas de Casablanca



Por Ruy Castro
Na próxima vez que Casablanca, o filme, surgir na sua tela às duas da manhã, fiquei atento às peripécias de Rick Blaine (Humphrey Bogart) e Ilsa Lund (Ingrid Bergman). Você deve se lembrar. Eles se amaram em Paris. Veio a Ocupação e a Guerra os separou, mas o destino os reuniu, dois anos depois, em Casablanca – ele, à frente do Rick’s, um boteco de luxo; ela, de braço com Victor Laszlo, militante antinazista e, na verdade, seu marido, que ela julgava morto quando namorou Rick.
E, como você também deve se lembrar, é Rick que, no fim do filme, põe Ilsa e Laszlo no avião e lhes permite escapar para os EUA via Lisboa – quando podia ter ido com ela, deixando o marido bolha para trás, entregue aos alemães. Nem todos se conformaram com o altruísmo de Rick – há anos, aqui no Rio, o jornalista João Luiz de Albuquerque produziu um vídeo em que remontou a sequência final, “corrigindo” a história.
O fascínio por Casablanca é inesgotável. Já devo ter assistido ao filme umas trinta vezes – na tela do cinema e em telinha de cineclube, em super-8, VHS, laser disc, DVD ou blue-ray, dublado ou com legendas, e no glorioso preto-e-branco em que foi feito ou numa infeliz versão colorizada – e até hoje ele me deu coisas.
Repare, por exemplo, como nas cenas do café La Belle Aurore, em Paris, Bogart, no auge do romance com Ingrid, parece muito mais jovem, embora, na história, aquilo tenha acontecido apenas dois anos antes. Seu cabelo está mais preto e mais cheio do que nas cenas em Casablanca. Como se explica? É que, para cada situação, o estúdio lhe aplicou perucas diferentes – ou você não sabia que, já então, Bogart era careca?
Houve uma época nos anos 90 e em parte do 00 em que, trabalhando em São Paulo, raro era o mês em que alguma revista recém-lançada não me pedia um artigo sobre Casablanca, sobre Bogart ou sobre “As Time Goes By”, a grande canção do filme. 
Atendi com prazer a todas as encomendas e, pela generosidade dos editores daquelas publicações, devo à saga de Casablanca muitos aluguéis pagos em dia, quilos de alcachofra na feira, jantares no Le Casserole, no Largo do Arouche, ou no Don Curro, em Pinheiros, e maratonas de sorvete na doceria Ofner, em Perdizes. Só por essa amostra posso calcular quanto o septuagenário Casablanca ainda movimenta a economia.
Bem, tudo isso é para dizer que os americanos ameaçam rodar uma continuação de Casablanca. Não uma refilmagem – nem eles se atreveriam –, mas uma continuação mesmo. E, segundo esta, Ilsa não apenas transou com Rick em troca das “cartas de trânsito” para fugir de Casablanca com Laszlo, como viajou grávida dele, Rick, para Lisboa! 
No elegantíssimo filme de 1942, há de fato uma insinuação de transa entre os dois na véspera da fuga – lembra-se de um farol fálico que pisca quando os dois se beijam? Pois, nessa nova versão, Hollywood poderá mostrar um flashback com os dois pelados na cama, em três ou quatro posições diferentes.
Sempre se especulou sobre o que teria acontecido a Rick e Ilsa no futuro, ou seja, depois de terminado o filme. Em seu livro Suspeitos (1985), David Thomson sugere que, em Nova York, Ilsa chutou Laszlo, tornou-se modelo do pintor Edward Hopper e morreu em 1961 no desastre de avião na Rodésia que matou o secretário-geral da ONU, Dag Hammarskjold, para quem ela então trabalhava.
E, para outros, Rick teria aberto mão de Ilsa no filme porque, no fundo, estava a fim era do capitão Louis Renault (Claude Rains). Faz sentido. Na última cena – pode reparar –, assim que o avião decola, os dois se afastam na bruma do aeroporto, e Rick diz:
“Louis, acho que esse é o começo de uma bela amizade.”
Capitão Renault, Rick Blayne, Ilsa Lund e Victor Laszlo ao lado do Buick Phaeton numa das cenas finais do filme Casablanca

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