NO dia 7 de março de 2003, faleceu em Nova York, nos Estados Unidos, o biólogo, pesquisador e conservacionista José Márcio Ayres, vítima de um câncer. A doença havia sido diagnosticada 17 meses antes e Ayres estava licenciado do Museu Emílio Goeldi para o tratamento. Seu sepultamento ocorreu em Belém, no Pará, onde nasceu. Márcio Ayres tinha 49 anos, era casado e deixou dois filhos.
Ele ficou internacionalmente conhecido como o idealizador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), a primeira reserva amazônica a produzir resultados econômicos significativos, unindo pesquisa e preservação ambiental.
Localizada no município de Tefé, a reserva foi criada em 1990 e tem 1,124 milhão de hectares, boa parte dos quais permanece inundada durante mais de seis meses por ano.
Em Mamirauá, vivem 6 mil habitantes e 180 cientistas e têm sido especialmente bem-sucedidas as iniciativas de manejo participativo, com o desenvolvimento e comercialização de produtos extrativistas e agrícolas. Destaca-se, por exemplo, o projeto de restabelecimento da população de pirarucus, comercializado de forma racional na reserva.
Também são modelos o manejo racional de madeira, extraída da várzea pelos ribeirinhos, e a infraestrutura ali implantada para o ecoturismo, testada em duas ocasiões, por Fernando Henrique Cardoso, como presidente da República.
Além de ser responsável pela implantação da Reserva de Mamirauá, Márcio Ayres lutou pela criação, em área contígua, da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, efetivamente constituída em 1998, com 2,35 milhões de hectares.
Junto com o Parque Nacional do Jaú, as duas reservas formam um vasto corredor ecológico, de mais de 5,7 milhões de hectares, recentemente transformados em Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco.
No Museu Emílio Goeldi, de Belém, Márcio Ayres se destacou por seu trabalho com os macacos uacaris, em especial o uacari-de-cabeça-branca, nativo da região de Mamirauá.
Também foi responsável pela descoberta ou identificação de algumas espécies novas, juntamente com outros pesquisadores, entre as quais está, por exemplo, o sauim-de-maués.
O pesquisador recebeu diversos prêmios, nacionais e internacionais, como a Medalha Duque de Edimburgo de Conservação, entregue pessoalmente pelo príncipe Philip, do Reino Unido, em 1992. Dez anos depois, foi homenageado com o prêmio da Sociedade de Biologia da Conservação (SCB) e o Rolex Award for Enterprise.
Quando a notícia da descoberta do sauim-de-maués chegou a Londres, dois dos mais renomados pesquisadores da Real Sociedade Geográfica Britânica estavam prestes a descobrir as ruínas de uma “cidade perdida” dos Incas, escondida em uma montanha de uma remota selva e intocada havia mais de 500 anos.
Chamadas de Cota Coca, as ruínas ficam no sudeste do Peru, a cerca de 50 quilômetros de Machu Picchu, na Cordilheira dos Andes, escondidas no sopé de um cânion praticamente inacessível, em meio à densa selva. O escritor e explorador britânico Hugh Thomsom, um dos líderes da expedição, disse que “você só encontra uma nova cidade inca uma vez na vida”.
O arqueólogo americano Gary Ziegler, que também liderou a expedição, começou a procurar a “cidade perdida” depois de receber uma dica de um dos carregadores da região. Os dois, entretanto, tiveram de interromper os trabalhos e viajar para Maués, às pressas.
– Esta é uma descoberta importante porque se trata de um grande centro do último período inca – disse John Hemming, especialista em civilização inca e ex-diretor da Real Sociedade Geográfica Britânica. – Mas o sauim-de-maués nos pareceu um achado muito mais fascinante!
– Nossas informações sobre os primatas daquela região ainda são escassas e quanto mais dados de campo tivermos, melhor. Além disso, o sauim-de-maués vive numa área em que a exploração ilegal de madeira é grande e por isso precisamos de projetos que ajudem a conservar esta espécie e seus habitats – explicou Ziegler.
Em Maués, Hugh Thomsom e Gary Ziegler foram recebidos pelo prefeito Sidney Leite. O alcaide ficou tão encantando com a presença dos pesquisadores no município, que convocou uma reunião extraordinária do seu estado-maior.
Além dos dois gringos e do intérprete, estavam presentes Chico Gruber (primeiro-ministro e manda-chuva da prefeitura), Eugênio Borges (secretário de Produção), Nuno Coutinho (secretário de Cultura, Turismo e Meio Ambiente), vereador Ivanildo (da nação Sateré-Maué), tuxaua Alencar (líder dos Sateré-Maué do Marau), Sílvio Turbinado e Barrô Mafra.
O prefeito foi direto ao assunto.
– Esses dois pesquisadores são de Londres e estão dispostos a investir dois milhões de dólares numa unidade de conservação ambiental no rio Urupadi, para proteger o sauim-de-maués – explicou. – Só que eles precisam ver antes um exemplar do macaquinho, para saber se é mesmo uma nova espécie ou apenas um sauim já descrito antes. Alguém aqui sabe onde encontrar pelo menos uma foto do bichinho?...
De olho no cargo de administrador da futura unidade de conservação ambiental, Barrô Mafra não contou conversa:
– Eu sei onde tem um desses macacos, meu chefe, e vou buscar um deles agora mesmo! – avisou.
Dito isso, saiu da sala feito uma flecha. Sidney ficou conversando com os gringos sobre as propriedades terapêuticas do guaraná.
Meia hora depois, Mafra reaparece na sala, todo arranhado. Dava a impressão de que tentara fazer amor com uma jaguatirica. Tentando esconder dos gringos o rosto lanhado, ele abriu o jogo, quase se desculpando:
– Olha, chefe, o macaco não quis vir não. O disgramado se soltou do viveiro e não teve cão que segurasse o bicho... Sumiu no trecho!
Sidney respirou fundo, sem esconder a decepção. Aí, virando-se para o secretário de Produção, chutou de trivela:
– Porra, Eugênio, quando vocês estavam tirando madeira para a Getal, lá pras bandas do Urupadi, vocês não viram esse macaquinho não?...
– Vimos, não, chefe. O que tinha muito lá era mutuca...
– E tu aí, Chico Gruber! – insistiu o prefeito. – Lá naquela derrubada de árvores no rio Paracuni não tinha nenhum sauim dando sopa?...
– Tinha não, chefe! – devolveu o primeiro-ministro. – O que tinha muito lá era leishmaniose... – explicou, mostrando as cicatrizes da ferida braba no cotovelo.
Os gringos já estavam dando mostras de impaciência, quando o prefeito, meio puto, tentou a última cartada:
– Rapaz, a minha esperança são vocês dois! – disse ele, encarando Ivanildo e o tuxaua Alencar. – Não vão me dizer que vocês também nunca viram a porra desses macaquinhos...
Ivanildo e Alencar entreolharam-se, cabreiríssimos. O vereador tomou a palavra:
– Ulha, chefe, além di cunhecê o macaco, nóis gusta dele às pampa...
Quando o intérprete traduziu o dialeto para o inglês, os rostos dos gringos se iluminaram.
– Do you like the monkey? Do you like the monkey? – questionava Thomson.
– Really? Do you like it? – insistia Ziegler.
Percebendo do que se tratava, Ivanildo foi em frente:
– Yes, mister! Yes! Yes! Nós laiki muito o sauim, principalmente cozido no leite de castanha...
A reunião acabou na mesma hora. Os gringos fretaram um bimotor e se mandaram de Maués como o tinhoso foge da cruz.
No final de 2002, pesquisadores do INPA avistaram o sauim-de-maués no município de Nova Olinda. Eles devem estar fugindo em massa da terra do guaraná, para não serem cozidos no leite de castanha. O biólogo José Márcio Ayres faz muita falta.
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