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sexta-feira, março 13, 2020

O tal de mingau de mungunzá


Junho de 1984. Morador da comunidade da Serra do Bacaba, em Urucará, o velho Argemiro Gomes, de 78 anos, estava visitando a afilhada Cristina Reis, na sede do município, na véspera de São João. A cidade estava fervilhando de fogueiras, quadrilhas, comidas típicas, arraiais, músicas de forró no volume máximo e quermesses. Conversa vai, conversa vem, a afilhada foi lá na cozinha da residência e retornou com uma caneca de mungunzá, que ofereceu ao padrinho. O velho Argemiro começou a comer a iguaria com devoção e gosto.

– Minha filha, está uma delícia! Cumé que cê faz pro mungunzá ficá tão cremoso desse jeito? – perguntou Argemiro.

– Ah, padrinho, não tem segredo não! – explicou Cristina. – Depois de cozinhar o milho branco com água e sal, a gente coa e reserva. Aí, acrescenta um litro de leite de gado, um vidro de leite de coco, uma lata de leite condensado, uma lata de creme de leite, uma xícara de açúcar, um pedaço grande de pau de canela e uns dez cravinhos. Pronto. É só misturar bem e levar a panela ao fogo de novo. Assim que começar a ferver, pode desligar o fogo que o mungunzá está pronto.

Os olhos do velho Argemiro se encheram d’água. Reminiscências de sua infância passada na Boca do Paraná do Cumprido vieram à tona, aos borbotões. Emocionado, ele desatou o nó do peito:

– Sabe, minha filha, toda vez que chegava as festa junina lá na comunidade, a minha saudosa mãe também fazia mungunzá pra nóis. Mas num era desse jeito não...

– Como assim, padrinho? – espantou-se Cristina.

– Nós era muito pobre, minha filha, não dava pra comprar leite de gado, leite de coco, leite condensado, creme de leite, essas coisas – explicou o velho. – A mamãe cozinhava o milho branco com água e sal, coava, aí acrescentava dois litros d’água, um quilo de açúcar, pau de canela, cravinho e colocava no fogão à lenha por meia hora.

– Mungunzá sem leite?! Olha, padrinho, é a primeira vez que estou ouvindo isso – avisou Cristina. – Mas o mungunzá da sua mãe ficava bom?...

O velho Argemiro, limpando as lágrimas dos olhos:

– Olha, minha filha, ficava que nem o cu dela!

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