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sexta-feira, março 25, 2011

Milagres de Santa Edwiges


Foi assaltado por três. Trio musical, de percussão: Colt 45, Smith & Wesson três oitão, Parabellum. Deu tudo, menos pio, nem olhou a cara dos trabalhadores braçais.

Fervorosamente pediu na hora que Santa Edwiges o acudisse.

Contou depois, já sobrevivente, que jamais ouvira falar nessa santa, mas uma súbita mediunidade, um clarão sobrenatural soprou-lhe o nome da salvadora. Dedicou-lhe uma vela.

Do desastre só lamentava a perda de um Cartier único, escolhido a dedo, edição limitada, longamente namorado até que deu-se de presente de aniversário. Um rio de ouro.

Dois meses depois estava chupetilhando o uísque vespertino na varanda do Hotel Miramar, em Copacabana, quando se acerca dele um crioulo bem vestido, coberto de jóias, simpaticão, pede uma sorridente licença, tira do bolso um enroladinho de papel de seda.

– Sou da Marinha, doutor. Acabao de voltar da Europa e como vi que o senhor é uma pessoa distinta e eu não conheço ninguém aqui no Rio, vim oferecer essa maravilha para o senhor, por uma pechincha.

Abriu o embrulhinho e exibiu um esplendoroso Cartier, o que lhe fora expropriado no “ganho”.

Pediu para examinar melhor o relógio, reconheceu os defeitos, comprovou que era mesmo o dele, elogiou a peça, soube do preço, fez cara de desinteresse, mas segredou ao visitante:

– Já que você é da Marinha, pode me quebrar um galho. Sou paulista e só venho ao Rio de carro e desarmado. Sabe como são as coisas, a gente fica meio indefeso, pode acontecer um enguiço de noite, sabe como é. Será que tu me arranja uma arma?

O crioulo resplandeceu.

– Mas, doutor! O senhor está falando com a pessoa indicada! Tenho aqui uma máquina que se não agradar o doutor dou minha cara a tapa.

Deixa ver.

– Doutor, aqui não dá. A peça tem volume. O senhor faça o favor de me acompanhar.

Perto dali tinha um terreno baldio, cercado, sem vigia. E para lá foram vendedor e comprador.

A arma exibida: uma pistola 45, privativa das Forças Armadas e da Barra Pesada.

– Está carregada? – perguntou o civil apreensivo.

– Até a boca, doutor, mas não se incomode porque, olha aqui, está travada.

Foi a hora. O comprador otário destravou o canhão, botou uma ameixa na câmara, segurou com as duas mãos e berrou:

– É assalto! É assalto! Bota a mão na cabeça, nego safado, senão te encho a boca de chumbo!

Repetiu o que ouvira quando vítima, com a mesma força de expressão.

O crioulo ficou cinza-pardo-marinho. Não conseguiu balbuciar uma única palavra.

– Arreia as calças, porra, e tira a roupa toda! Anda logo, filho da puta!

Fico pensando o que deve ter passado na cabeça do assaltado nessa hora.

Inteiramente aparvalhado, pasmo, sendo depenado por um caretão bacano da Zona Sul, logo ele, o terror do Borel.

Mas com a boca do túnel da morte e a disposição miradas bem no meio dos zóim dele, foi tirando tudo: anel, relógio, carteira, grana, inúmeros documentos, uma obsoleta mas ainda providencial Sölingen. Só sobrou um cordão, no pescoço.

– Bota o cordão na trouxa também!

Aí, o crioulo ajoelhou:

– Companheiro, tu vai entender. Trabalho no ramo também. Leva essa bagulhada, mas livra o cordão e a cueca. O cordão é de Santa Edwiges, da minha devoção. Se perco a medalha, danço legal.

– Tu trabalha no setor?

O outro fez sim com a cabeça e deu-se o segundo milagre de Santa Edwiges:

– Então eu livro a santa. Mas agora, tira a cueca, porra! Quero ver essa bundoca de fora!

Um comentário:

Anônimo disse...

Não se brinca com religião!