A partir desta quarta-feira, 16, o manuscrito do livro “On
the road”, versão original datilografada por Jack Kerouac, está sendo exposto
no Museu das Letras e Manuscritos, em Paris. O rolo de 36 metros ficará em
exposição até o dia 19 de agosto.
Jack Kerouac escreveu sua obra-prima, que seria consagrada
mais tarde como a “Bíblia Hippie”, em apenas três semanas. O fôlego narrativo
alucinante do escritor impressionou bastante seus editores.
Jack usava uma
máquina de escrever e uma série de grandes folhas de papel manteiga, que cortou
para servirem na máquina e juntou com fita para não ter de trocar de folha a
todo momento. Redigia de forma ininterrupta, invariavelmente sem a preocupação
de cadenciar o fluxo de palavras com parágrafos.
O material bruto que chegou às mãos de Malcom Cowley, da
editora Viking Press, em 1957, deu trabalho. Os rolos quilométricos de texto
tiveram de ser revisados, foram inseridos pontos e vírgulas e praticamente 120
páginas do original foram eliminadas.
O estilo-avalanche de Jack tinha ainda um
elemento intensificador. Ao contrário das ideias correntes, segundo as quais
trabalhou em cima do livro sob o efeito de benzedrina (uma droga estimulante),
Kerouac garantiu que realizou seu trabalho usando nada mais do que doses
industriais de café.
A obra ganhou filme dirigido pelo brasileiro Walter Salles,
que estreia em junho e tem Kristen Stewart, Amy Adams, Kristen Dunst e Viggo
Mortensen no elenco.
Num primeiro momento a história resume-se a Sal Paradise e
sua decisão de viajar de New Jersey a San Francisco para encontrar Dean
Moriarty (o escritor Neal Cassady), seu amigo ainda não tão amigo assim, no
exato ano de 1947. Com uns 50 doláres no bolso ele bota o pé na estrada e adeus
vidinha simples casa-trabalho-casa.
Sal passa por diversas cidades e Kerouac descreve-as
brevemente, nunca enchendo o leitor de detalhes mas sempre falando o suficiente
para que possamos vislumbrá-las aos olhos do protagonista. Além disso, parte da
viagem é feita por ônibus, parte via caronas (daquelas que envolvem o dedão), e
tudo parece lindo. Os carros, os motoristas, os passageiros, os caronistas, os
habitantes locais... cruzar os Estados Unidos de carona parece ser a melhor
experiência do mundo.
Bom, este primeiro momento engana. A história não é sobre
uma viagem, é sobre várias. E não é apenas sobre viagens, é sobre o sonho
americano e a liberdade que o Oeste – leia-se Califórnia – oferece.
Sal chega a San Francisco, encontra seu amigo Dean e juntos fazem diversas outras coisas. É um vai e volta entre Leste e Oeste tão grande que em determinado momento você não sabe mais onde eles estão: se em Frisco, Denver ou New York, e no final nem faz diferença, porque onde quer que eles estejam a vida é a mesma.
Passeios noturnos por becos e bares undergrounds tocando o
ensandecido bop, garotas loucas para se agarrarem a eles, promessas vãs sobre
atravessar o país e construir uma vida nova repleta de sonhos e realizações: é
o nascimento do estilo beat de ser e agir.
E num ritmo frenético, numa narrativa simples e sem rodeios,
Kerouac consegue filosofar suas loucuras através de Dean e seus pensamentos mais
profundos e confusos por Sal.
É exatamente neste momento em que se percebe que o livro o
enganou. A história não é sobre viagens ou sobre o sonho americano, é sobre
amizade, especificamente a que rola entre Sal e Dean.
O livro é também sobre como o sonho americano é hipócrita, e
a melhor maneira de ilustrar isso é copiando aqui um parágrafo do livro, que
diz tudo:
“Dean me mostrou outras fotos. De repente percebi que eram
essas as fotografias que nossos filhos olhariam algum dia, com espanto,
pensando que seus pais tinham vivido vidas ordeiras, tranquilamente, tudo
conforme o figurino, e que eles acordariam de manhã para percorrer
orgulhosamente as calçadas da vida, sem jamais sonhar com a loucura esfarrapada
e a balbúrdia de nossas vidas reais, de nossa noite real, o inferno disso tudo
e a estrada do pesadelo sem sentido. Tudo isso num vazio sem começo nem fim.
Oh, a santa ignorância dessas pobres crianças.”
A edição da L&PM vale a pena: o preço é de um pocket
brasileiro e a edição tem prefácio e posfácio escritos por Eduardo Bueno,
grande fã da obra e do autor, além de assinar a tradução para o português.
Inclusive no posfácio ele comenta sobre ter ido de New York a Porto Alegre de
carona!
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