Mr. Cohen, na época em
que era chamado de Capitão Mandrax
Ronaldo Bressane, do site Impostor
Leonard Cohen concede uma entrevista no Mayfair Hotel de
Nova York quando, de repente, no meio de uma frase, levanta-se, abre o cinto,
desce o zíper, abaixa as calças, dobra-as cuidadosamente e acomoda-as no
espaldar de uma cadeira. “O dia estava pegajoso e ele não queria amassar o
vinco da calça”, conta Mikal Gilmore, um dos principais críticos de música
norteamericanos. Mesmo de cueca, Cohen continua de jaquetão escuro, camisa
branca engomada, gravata sóbria, meias e sapatos, desenvolvendo uma teoria
séria e serena sobre o fim do mundo. Pouco antes, havia ligado para a recepção
pedindo bebidas geladas e instalado Gilmore na poltrona mais confortável do
quarto.
A cena é uma síntese do temperamento do poeta, compositor e
romancista canadense: equilíbrio sutil entre elegância, gentileza, nonsense – com uma melancolia inescrutável. “Há algo em Cohen que o diferencia de todos os
outros artistas, escritores, filósofos e celebridades que encontrei”, diz
Gilmore em Ponto Final, sua clássica compilação de perfis de personalidades dos
anos 60. “O homem é um verdadeiro cavalheiro, cortês e atencioso, e é evidente
que esses atributos lhe são naturais. Ele não se comporta assim só para passar
boa impressão: essas qualidades lhe são inerentes e explicam como se conduz no
mundo.”
Quando saiu de um monastério budista, em 2001, após seis
anos de silêncio, Cohen descobriu que a antiga empresária havia deixado um
rombo de milhões em sua conta. A solução foi voltar à ativa com os álbuns Ten
New Songs e Dear Heather além de uma turnê de quase 300 shows – que rendeu o
belo Live in London – só interrompida ano passado por exaustão.
Apesar de zen,
o velhote não pára de aparecer na mídia. Este ano é publicado no país o romance
A Brincadeira Favorita (além deste, The Beautiful Losers, ainda sem título em
português, também é prometido pela editora Cosac Naify), no fim de 2012 será
lançada a biografia escrita por Sylvie Simmons (autora da bio de Serge
Gainsbourg) e o novo álbum Old Ideas acaba de chegar.
Seu primeiro álbum de estúdio em oito anos flana por folk e
blues e flerta com o jazz. “I’d
like to speak with Leonard/ He’s a sportsman and a shepherd/ He’s a lazy
bastard living in a suit.” (Gostaria de falar com Leonard/ Ele é um
esportista e um pastor/ Ele é um bastardo preguiçoso vivendo em um terno), se
detona em “Going Home”, que abre o disco. Alternando ironia com desilusão, ele
diz em “Darkness“: “I got no future / I know my days are few” (“Não tenho
futuro/ Eu sei que meus dias são poucos”).
Já seu romance de estreia, lançado em 1963, A brincadeira
favorita, segue a trajetória de Lawrence Breavman, da adolescência em Montreal
às estripolias sexo-literárias na Nova York dos anos 50. Narrado em terceira
pessoa, é uma autobiografia disfarçada de Cohen, editada em capítulos curtos,
elípticos, com um humor muito fino a aquela indefinível melancolia que tão bem
conhecemos de suas canções. Lawrence perde o pai, descobre o poder dos símbolos
e da irona, enfrenta a doença mental da mãe, publica um livro de poesia,
enrola-se com Tamara, Shell, Lisa, Wanda… até que um episódio trágico em uma
colônia de férias o leva bruscamente a mudar de vida.
Egresso de uma família judia de classe média em Montreal, o
jovem Cohen aproveitou a bolsa ganha com a publicação do primeiro livro, Let Us
Compare Mythologies, de 1956, e comprou uma casa de três andares – onde morava
sob o implacável sol grego num jardim coberto de margaridas, lendo García
Lorca, ouvindo vinis de Elvis Presley, Ray Charles e Nina Simone até
derreterem, e escrevendo.
Ali conheceu a norueguesa Marianne Ihlen, a graciosa
loura da contracapa de Songs From a Room. Saiu com os livros debaixo do braço e
foi bater em Nova York, onde, surpreso, descobriu que novos ídolos como Bob
Dylan e Lou Reed eram seus fãs. “Eu tinha sido uma pequena influência naquele
movimento antes mesmo de começar com a música”, lembra.
Só em 1967 o escritor passou a ser conhecido como
compositor, quando a cantora Judy Collins gravou “Suzanne” – a moça que “leva
você para sua casa perto do rio; você sabe que ela é meio doida, e é por isso
que você quer estar lá”. A canção virou hit e o produtor John Hammond (de Dylan
e Billie Holiday) convidou Cohen a gravar seu primeiro álbum, Songs, de 1968.
Seu estilo estava definido: composições elegantes acompanhadas por um simples
violão entre folk celta, country e blues, a voz grave e amistosa, melo dias de
tristeza oceânica e letras que combinam metáforas surrealistas à iconografia
judaico-cristã.
E, acima de tudo, os galantes retratos de musas como
Marianne, “Suzanne”, “Winter Lady” (“Sou só uma estação em seu caminho/ eu sei
que não serei seu amor”) ou arrebatadoras canções românticas como “Hey, that’s
no way to say goodbye” que fizeram a fama de Cohen como Ladie’s Man – o
perfeito cavalheiro que, agregando sensualismo e lirismo em doses iguais, tem a
postura de quem sabe das coisas mas, modesto de verdade, prefere exaltar seu
desconhecimento e angústia frente ao amor.
Esses sentimentos foram os companheiros com quem aprofundou
amizade durante os anos 70 e 80, quando lançou álbuns esparsos e, mergulhado em
crises com Suzanne Elrod, casos variados, ópio, uísque, cigarros e
barbitúricos, chegou a ganhar a alcunha “Capitão Mandrax” (um poderoso
sedativo). Suzanne se mudou para a França com os filhos, Adam e Lorca, o que
piorou o mergulho de Cohen no hedonismo e na depressão.
Somente escapou do
“demônio do meio-dia” ao conhecer Roshi, mestre zen-budista que determinou sua
decisão, às vésperas de completar 60 anos, de virar um monge. No monastério em
Mount Baldy, Los Angeles, trabalhando como humilde motorista e cozinheiro,
Cohen foi rebatizado Jikan, “o silencioso”. Seis anos depois, curado, sentiu
necessidade de soltar o barítono quando percebeu ter um bom punhado de poemas e
canções – bem como já contamos, notar que a ruína financeira o deixara com
pouco mais que as calças.
No vestir, ao contrário de muitos ícones pop dos anos 60
(Cohen é mais velho do que Elvis!), o compositor teve poucas e boas variações.
Já nos tempos de poeta prodígio em Montreal, usava ternos alinhados entre o
negro e o grafite, preferindo camisas cinzentas e gravatas monocromáticas – em
linha com sua profundidade e melancolia.
O crooner atravessou os coloridos 60,
os espalhafatosos 70, os yuppies 80 e os grunge 90 usando inalteravelmente os
mesmíssimos chapéus, boinas, coletes e blazers bem-cortados – um look agora
transformado em linha de roupas pela hypada grife dinamarquesa Soulland. Muito
apropriado a quem, em 1966, perguntava em um poema: “Não devíamos estudar
etiqueta antes de praticar magia?”.
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