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sexta-feira, junho 22, 2012

Por que a música dos Beatles ainda é tão boa?



Foto da primeira sessão de gravação dos Beatles com Ringo na bateria

Adam Gopnik
Escritor e ensaísta americano

A Grã-Bretanha celebrará neste verão (inverno, no Brasil) o jubileu de uma instituição que está durando mais tempo do que qualquer um imaginava, que transcendeu as fronteiras do país, e que se mantém ainda hoje como uma fonte constante de alegria no mundo.

Estou me referindo não à monarquia britânica – cuja rainha Elizabeth 2ª também celebra seu jubileu – mas ao 50º aniversário do primeiro show com a formação clássica dos Beatles.

Também há cinquenta anos foi feito o primeiro registro fotográfico de John, Paul, George e Ringo. A imagem foi feita em um ensaio à tarde, poucos dias antes de 22 de agosto de 1962 – a data do primeiro show dos Beatles.


Coloco esta foto ao lado de outra imagem importante, feita no dia 22 de agosto de 1969 – exatamente sete anos depois. Este é o último registro dos quatro Beatles juntos.

Existe algo sombrio, trágico ou até meio cósmico sobre os Beatles – foram sete anos de fama imediata, e longas décadas de tremores secundários.

Esses dias, vi um vídeo na internet sobre “coisas que as pessoas nunca falam”. Um dos itens da lista é: “eu não gosto dos Beatles”.

 Todos gostavam dos Beatles antes, e todos gostam deles ainda hoje. Meus filhos discordam de mim quando falamos sobre os Rolling Stones, e eles não entendem o jeito “metal farofa” do Led Zeppelin (por que eles cantam gritando com sotaque americano?).

Mas para meus filhos, os Beatles são tão incontestáveis quanto a lua. Simplesmente algo que não para de brilhar.

É um fenômeno. Se a geração da época dos Beatles ainda estivesse escutando músicas de 50 anos atrás – como nós hoje – eles estariam ouvindo canções da época da Primeira Guerra Mundial, o que é impensável.

Então, por que os Beatles continuam atuais?

A explicação que se ouve geralmente é que eles refletiam bem o seu tempo e eram um espelho para uma década que todos ainda reverenciam – os anos 60.

Mas o quanto mais eu os escuto e mais o tempo deles vai ficando no passado, mais fundamental o som deles se torna.

Fico pensando se grandes personalidades do mundo pop não têm uma relação inversa com a sua própria época.

Charlie Chaplin, que é um dos poucos artistas com este tipo de estatura, criou sua obra depois da Primeira Guerra Mundial – a era dos automóveis e da metralhadora, um dos períodos mais conturbados da história da humanidade.

Mas seu trabalho era baseado no teatro vitoriano e na prosa de Charles Dickens, evocando uma época anterior ao seu tempo. Luzes da Cidade e O Garoto mostram a Londres dos anos 1890, não a Nova York dos anos 1920.


Eu acho que o mesmo acontece com os Beatles. Eles não eram provocadores. Seu grande tema é a infância perdida, e o que fazer diante de um mundo sério e austero, mas organizado e seguro da Inglaterra onde eles cresceram.

Seus trabalhos mais duradouros – como Strawberry Fields e Penny Lane – contam histórias como a de um menino solitário em um jardim que lhe traz conforto, ou de uma rua animada de Liverpool, onde um garoto esperto e sociável vê o mundo ao seu redor.

Sons estranhos do passado – como bandas de metais – adornam as músicas dos Beatles, como ilustrações em um livro infantil. Sexo é um tema presente no primeiro disco, mas é raramente tratado nos demais álbuns.

A música dos Beatles é duradoura sobretudo por causa do poder da colaboração entre opostos. John tinha profundidade. Ele entendia instintivamente o que separa um grande artista de um grande agente de entretenimento. O artista procura surpreender e até chocar seu público.

Paul tinha compreensão, sobretudo do aspecto material da música, e sabia instintivamente que a arte que surpreende mas não consegue entreter é mera vanguarda.

Nós percebemos a diferença quando os ouvimos após a separação: Paul tinha milhares de melodias maravilhosas, mas ambições artísticas esporádicas; John tinha muita ambição artística, mas só um punhado de melodias.

Mas naqueles sete anos que a profundidade de John encontrou a compreensão de Paul, nós todos subimos o Everest (que por sinal era para ser o nome do último disco dos Beatles).

O dom dos Beatles era o dom da harmonia, e sua visão sempre foi essa. Harmonia – as vozes se entrelaçando em uma canção – ainda são o nosso símbolo mais poderoso de um mundo melhor, onde os opostos cantam juntos como se fossem um só.

É por isso que até mesmo Bach e Handel terminavam suas melhores obras com corais – para nos alegrar e encorajar com sons de um mundo harmônico onde nós ainda não chegamos, mas o coral já atingiu e agora está nos chamando.

A arte nos faz sentir vivos e conscientes, mas raramente ela nos faz sentir feliz. Cinquenta anos depois, a música dos Beatles ainda sobrevive porque eles nos dão um dos sentimentos mais incríveis: o de que a felicidade é algo que cabe na nossa mão.

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