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quarta-feira, maio 20, 2009

Um artista que pensa com os próprios botões


Paulo Briguet

Tinha um botão no meio do caminho de Hélio Leites. Não era um botão de rosa; era um simples botão, desses que deveriam ter casa. O artista andava cabisbaixo pelas ruas, quando olhou para o botão e o botão olhou para ele. Drummond viu a flor nascer no asfalto. Hélio viu o botão surgir na calçada; abaixou-se, limpou-o e guardou-o.

Desde aquele encontro, Hélio não parou mais de pensar com seus botões. Uns pregam peças; outros pregam mandamentos; Hélio prega botões. Prega, desenha, pinta, decora, junta e coleciona. Tio Patinhas, milionário de Patópolis, guarda sua primeira moeda da sorte. Tio Hélio, milionário de miudezas, guarda seu primeiro botão. Dá sorte.

Hélio Leites é um artista do pequeno. Há quem o chame de minimalista; ele prefere “minimelista”. Neste final de semana, esse personagem de Curitiba estará em Londrina.

No sábado, às 10 horas, Hélio vai à loja Ciranda, para conversar com todo mundo (adultos e crianças) e lançar o livro Pequenas Grandezas, um perfil sobre a trajetória do artista, escrito pela pesquisadora Rita de Cássia Baduy Pires. Na manhã de domingo, ele vai ao Mercadinho Shangri-Lá para conversar com as pessoas e mostrar as miniaturas que vive criando e cria para viver.

Nem só de botões vive Hélio. Ele também coleciona e recria tudo que vai ficando pelo caminho: palitos de sorvete, caixas de fósforos, sapatos sem par, meias sem sapatos, talheres, latas, garrafas, bonés, embalagens. É um mundo colorido, repleto de detalhes.

Uma vez perguntaram a Hélio: “Por que você faz miniaturas?” A resposta veio imediata: “Porque é mais fácil de carregar”. Formado em economia, ele mantém uma só característica da profissão: economiza recursos. Seu mestre não é Adam Smith, nem Marx, nem Keynes. É São Francisco de Assis: “Só resta a quem não é melhor ser o menor”. É a microeconomia de um universo heliocêntrico.

Hélio Leites vê graça onde os outros veem lixo. E, graças a isso, muita gente boa o vê com bons olhos: o livro Pequenas Grandezas, além de centenas de imagens das miniaturas, reúne textos elogiosos de Paulo Leminski, Helena Kolody, Adélia Prado, Millôr Fernandes, Domingos Pellegrini e outros. Não é por acaso que os escritores gostam de Hélio. Ele gosta de escrever e faz bons poemas. Alguns estão no livro.

Bem antes de reciclagem virar moda, Hélio já reaproveitava as coisas que normalmente vão para o lixo. “Marcel Duchamp é um dos precursores da reciclagem. Pegou um pinico e pôs na roda!”, diz, com sua verve para o trocadilho.

Neste final de semana, o “anarquiteto” de Curitiba vai colocar as suas miniaturas na roda. Pode ser em Curitiba, São Paulo, Londrina ou qualquer lugar do mundo – se tiver botão, Hélio Leites está em casa.

Serviço – Hélio Leites – Bate-papo e lançamento do livro Pequenas Grandezas. Sábado, às 10h, na loja Ciranda (Rua Jorge Velho, 190). Domingo de manhã, ele circula pelo Mercado Shangri-Lá. Grátis.


JL: Quando você começou a pensar com os botões?

Hélio Leites: Na hora em que eu vi que não tinha mais sentido pensar em outra coisa. As pessoas ficam pensando em coisa grande, coisa grande, coisa grande – e olha o mundo como está. As coisas grandes vão tomando conta da sua vida e você não consegue tomar conta delas. Sobre as pequenas coisas você ainda tem um certo controle. Leminski dizia que a gente não se preocupa com as coisas pequenas; e são elas que levam a gente para o buraco. A gente só está conversando aqui porque ainda não apertaram o botãozinho atômico. Quando apertarem, acabou a conversa. Não vai adiantar mais telefone, nem Jornal de Londrina, nem nada.

Qual foi o seu primeiro botão?

Eu já estava no meio da história, tentando divulgar a história dos botões. Morava em São Paulo nessa época. Eu achava que botão era ao mesmo tempo crítica e humor. Estava voltando de um lugar – o Centro Cultural São Paulo – onde havia recebido uma recusa; não quiseram fazer uma exposição de botões. O diretor do lugar dizia que não havia espaço para botão – porque “botão não tem arte”. Fui embora de cabeça baixa. Passando por cima de um viaduto, na volta para casa, me deu um pigarro e eu cuspi no chão. Adivinha em cima de que eu cuspi? Pensando em desistir do botão – e acertei um cuspe no botão. O cuspe acabou de sair da boca da gente é a coisa mais nojenta que existe. Deus fez o cuspe para baixar a crista da gente; tanto é que botou embaixo da língua. Abaixei, limpei o botão e levei pra casa. Está comigo até hoje. Achei que aquilo era uma mensagem do além – era o botão querendo conversar comigo. Aquele botão ainda está comigo. Não sei onde, mas está.

E você fez a exposição?

Naquele dia, fui a um bar que a gente freqüentava no Bexiga. Cheguei lá e fiquei me lastimando por não achar lugar para expor os botões. Uma mulher do Sesc chegou a me dizer que eu deveria expor no manicômio. No mundo, a gente vive procurando uma história para justificar o que está fazendo no mundo. No bar, um cara disse: “Por que não faz a exposição em mim” – e esticou a camiseta. Pensei: “Se posso fazer a exposição nele, posso fazer em mim mesmo!” No dia seguinte comprei um pano numa loja, voltei para casa e fiz uma roupa com os botões pendurados. Às vezes a solução do seu problema está no seu vizinho. Se eu tivesse ficado quieto, jamais teria resolvido meu problema.

Foi um ovo de Colombo para você...

O botão de Colombo! Quando você tem um problema, se você contar para os outros, o problema se divide – e a solução vem junto. Quando comecei a mexer com caixinha de fósforo, resolvi fazer um bonequinho. Só que para abrir a boca desse bonequinho eu tinha que usar um fio... não ficava bom. Uma vez fui numa escola e um menino de 9 anos tinha uma caixinha que abria a boca sem fio. Aprendi a abrir a boca da minha caixinha com um piá de 9 anos. Quando a gente pensa que está ensinando, está aprendendo. É só baixar a crista.

E como ele fazia para a caixinha abrir a boca sem fio?

A mola estava dentro da caixa. A caixa tem a lateral mais comprida e outra mais curta. Ele dobrou a parte mais curta, virou para dentro, encaixou e mexia com o dedo. Era uma mola perfeita. A caixinha dele abria a boca sem fio – e a minha não! Sempre falo. Como diz a Adélia Prado, as ideias não têm dono. Estão no ar. Pega quem tem jeito.

Uma vez perguntaram por que você trabalhava com miniaturas e você respondeu que era mais fácil de carregar.

Sou formado em economia. Pode não parecer, mas eu sou. O que é que eu fiz? Economizei no tamanho. É a micro-economia. Tenho uma banca na feirinha de artesanato, no Largo da Ordem, em Curitiba. Chega uma família e o menino pergunta: “O que é isso?” Eu respondo: “É um inutensílio. Não serve pra nada, mas às vezes resolve problema que nem o médico consegue resolver!”. O que você faz com palito de sorvete? A criança responde: Jogo fora. Eu digo: “Joga fora e o idiota aqui vai lá fora buscar – para transformar em passarinho”. Aquele palito vira uma arara. O que salvou meu artesanato foi contar histórias. O palito de sorvete que virou arara vira um sinalizador de TPM. No dia em que a mulher vai ficar de TPM, ela mostra esse palito de sorvete modificado para avisar que ela está uma arara. Assim você dá a volta na brabeza dela. Eu botei humor naquilo. Isso não tem preço. Cobro 6 reais. Vou ali na padaria e compro um quilo de pão. Peguei um palito de sorvete e transformei em um quilo de pão. É o milagre da transformação: peguei um palito e transformei em pão.


(Publicado no Jornal de Londrina, de 19 de março de 2009)

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