Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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terça-feira, maio 26, 2009
Um descolado beatnik tirando onda no terceiro milênio (final)
Zé Guedes voltou pra Manaus três anos atrás, dessa vez como um disciplinado militante do movimento pela “simplicidade voluntária”. Você não sabe do que se trata? Bom, a revista Vida Simples, de maio de 2008, já deu alguns toques sobre o assunto. Vamos a eles.
Você deve ter passado a vida inteira ouvindo a expressão “tempo é dinheiro”. Como se cada segundo desperdiçado equivalesse a moedas indo pelo espaço. E também deve ter escutado aos montes sobre a sociedade materialista e seus supostos males à humanidade.
Agora, suponhamos que tudo isso virasse de cabeça para baixo. Dinheiro é tempo, o tempo que você gasta para ganhá-lo. E materialismo pode ser bom desde que você entenda como materialista aquela pessoa que valoriza tanto os bens materiais, mas tanto mesmo, que aproveita tudo o que pode deles, e, por isso mesmo, não precisa de muito para se satisfazer.
Essas remexidas em velhos conceitos são algumas das propostas da simplicidade voluntária, um estilo de vida que passou a se propagar nos Estados Unidos nos anos 70, em resposta à sociedade de consumo, ganhou ecos em países como Canadá e França e, devagarzinho, chegou ao Brasil.
Pesquisas estimam que, nos Estados Unidos, cerca de 20 milhões de pessoas, 10% da população, estejam optando por uma vida materialmente mais comedida, pautada na convivência com a família, os amigos e a comunidade e no respeito à natureza, no sentido de fazer o máximo para preservar seus recursos.
Uma maneira de viver que é exteriormente mais simples e interiormente mais rica, diz o escritor norte-americano Duane Elgin em seu livro “Simplicidade Voluntária”. O título do livro, lançado em 1981, deu nome a essa forma de viver.
A expressão simplicidade voluntária deixa claro que ter uma vida mais simples é questão de escolha, de estarmos mais conscientes do que queremos, de quais são os propósitos da nossa vida. E esclarece: não se deve confundir simplicidade com pobreza. Simplicidade é escolha, pobreza não.
Simplicidade tampouco tem a ver com negar a tecnologia. Afinal de contas, ela é útil pra caralho. E muito menos significa mudar-se para uma cabana na floresta. A idéia é simplificar a vida onde se está, com o que se tem - e a maior parte das pessoas que já fazem isso vive nas cidades.
Um homem é rico na proporção do número de coisas de que pode prescindir, afirma o filósofo americano Henry David Thoreau em seu livro “Walden Ou a Vida nos Bosques”. A verdadeira riqueza não estaria nos bens materiais, mas sim na qualidade das relações consigo mesmo e com os outros.
O consumo em excesso poderia, então, ser um sintoma do vazio em outras áreas da vida, uma forma de compensação. Se essas áreas forem preenchidas, naturalmente, o consumismo decresce. E esse seria o primeiro passo para, quem diria!, ser um bom materialista.
As pessoas que consomem excessivamente têm baixo materialismo: compram um computador, mal o aproveitam e já querem outro, maior e mais potente. O bom materialista é aquele que tira o proveito máximo dos bens materiais. Se você tem uma coisa, use-a muito, até acabar.
O Zé Guedes faz isso há quase dez anos. Aqui em Manaus, ele mora sozinho em uma casa que pertencia aos seus pais e que estava completamente deteriorada. Ele reformou a casa toda, usando praticamente apenas material de demolição. A mulherada tem orgasmos múltiplos só de ver a beleza arquitetônica do covil.
Como não tem nenhuma fonte de renda fixa, Zé Guedes faz pequenos trabalhos artesanais (esculturas, entalhes, colagens) e vende nas feiras da cidade. Com o dinheiro arrecadado paga as pequenas contas (água, luz, telefone, internet) e faz um rancho. Quando a comida acaba, produz um novo trabalho e vende. Simples, assim.
Para andar pela cidade, se locomove apenas a pé ou de bicicleta. Logo que chegou em Manaus, passou um ano se alimentando basicamente de um pé de carambola, que havia em seu quintal. Das frutas, fazia doces, compotas, geléias, licores e sucos. Ganhou uma pedra no rim, quase entrou na faca e teve de mudar de dieta.
Sua criatividade não tem limites (desconfio que ele seria um bom parceiro do Hélio Leites). Entre outras coisas, já desenvolveu 20 receitas originais para transformar o vagabundo miojo em um prato digno de uma autêntica cantina italiana. O miojo à valenciana, por exemplo, é enfeitado com ovos cozidos cortados em cubos – nunca em fatias! –, raminhos de hortelã, tomilho e orégano.
Ele também é capaz de transformar uma prosaica caipirinha em um estupendo “bloody mary”, apenas acrescentando um certo tipo de suco de tomate que só ele conhece a receita (“depois de retirada a pele e as sementes, o tomate deve ficar na geladeira durante dois dias, para perder a umidade”, explica, sem entrar em maiores detalhes).
Não é só isso. Desde que assistiu ao filme “Coração Satânico” e aprendeu com o Roberto Di Niro como se descasca um ovo cozido (quebrando levemente as duas pontas e depois rolando-o sob a mão em uma mesa), exige que seus convidados façam o mesmo.
Ao jornalista Mário Dantas, Zé Guedes explicou que o verdadeiro significado da palavra simplicidade é aproveitar tudo que se pode de cada coisa e de cada momento da vida. Até as ações mais simples, como chupar um picolé, desfrutando a cor, a textura, o aroma e a doçura. E, com coisas demais, fica difícil dar essa atenção toda a cada uma.
Um simples cafezinho servido por ele, ganha ares de ritual de iniciação maçônica. O bule com café, o açucareiro, o leite, as xícaras (de porcelana, of course!) e colheres são arrumadas solenemente em uma mesa giratória redonda.
Depois que ele tocar a pequena sineta de mordomo, abrindo oficialmente o “trabalho”, a mesa deve ser girada sempre no sentido horário, para que cada objeto pare na frente do convidado e este se sirva. Se um “apressadinho” se debruçar sobre a mesa para apanhar um objeto que esteja do outro lado, será bem capaz de ser excomungado.
Aliás, segundo ele, um dos pequenos luxos que ainda cultiva é visitar ou ser visitado pelos amigos. Mas sempre exige as regras da boa etiqueta na mesa, o que inclui a absoluta “falta de pressa” do visitante. Leitor compulsivo, Zé Guedes gosta de conversar sobre os mais variados assuntos, de literatura a política, de psicanálise a ocultismo. E é detalhista, como qualquer pessoa que aprendeu a não ser mais escrava do tempo.
Sempre bem humorado, Zé Guedes diz que a convivência humana é essencial para quem quer ter uma vida simples e sustentável, mas longe da privação ou do sofrimento, pois isso não tem nada a ver com simplicidade. Também garantiu ser um cozinheiro de mão cheia, mas deu “marcha ré” quando lhe propusemos levar carne de tatu canastra para fazer um risoto de respeito. “Não conheço a culinária amazônica”, desconversou.
De qualquer forma, no próximo sábado estaremos conferindo seus dotes culinários no preparo de “moqueca de peixe à moda capixaba”, com guarnição de “arroz de puchá”, que ele aprendeu a fazer em São Luís.
Para saber mais sobre essa instigante filosofia beatnik do terceiro milênio, Zé Guedes dá as seguintes dicas:
Livros
Simplicidade Voluntária, Duane Elgin, Cultrix
Dinheiro e Vida, Joe Dominguez e Vicki Robin, Cultrix
Walden Ou A Vida nos Bosques, Henry D. Thoreau, Ground
Sites sobre simplicidade voluntária
No Brasil:
www.simplicidade.net
Site do Jorge Mello, adepto e um dos principais divulgadores da simplicidade voluntária no Brasil. Jorge dá workshops sobre Conversation Café e Círculos de Simplicidade. A idéia é formar multiplicadores que possam organizar esses encontros em diversas partes do país.
Fora do Brasil:
www.awakeningearth.org
Site do Duane Elgin, autor do livro Simplicidade Voluntária (Cultrix). Vale a pena conferir o link writing, onde se encontram textos escritos pelo autor e entrevistas concedidas por ele. Uma bela atualização do pensamento de Duane Elgin sobre simplicidade voluntária e sustentabilidade, já que o livro que deu nome ao movimento é de 1981.
www.conversationcafe.org
Site que explica tim tim por tim tim sobre Conversation Café: a história, exemplos e como fazer um.
No link http://www.youtube.com/swf/cps.swf?datatype=playlist&data=7C0AB81A49095619&eurl=http%3A//www.conversationcafe.org/Video%2520Training.htm Vicki Robin dá uma espécie de treinamento para quem quer se engajar na iniciativa.
www.seedsofsimplicity.org
Além de dar informações sobre simplicidade voluntária, o site fala sobre os Círculos de Simplicidade.
www.simplicityforum.org
Grande fórum que integra os adeptos da simplicidade voluntária, especialmente dos Estados Unidos.
www.newroadmap.org
Site da organização New Road Map Foundation de Vicki Robin. Lá você pode saber mais sobre as idéias de Vicki Robin em relação ao dinheiro.
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