Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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terça-feira, maio 26, 2009
Um descolado beatnik tirando onda no terceiro milênio (parte 1)
Paulo Henrique, eu e Zé Guedes, em mais uma celebração dionisíaca no baixo Adrianópolis
No último domingo, a pretexto de inaugurarmos o toca discos de vinil com uma sessão nostalgia via “bolachões” dos anos 70, nos reunimos no Solarium para uma nova rodada de cachaçada homérica.
Como prato de sustentação, guisado de paca com arroz carreteiro, uma das especialidades do Nelson, e camarão à baiana, cortesia da Mocinha, mulher do Mário Dantas. De sobremesa, pavê de cupuaçu.
De convidados especiais, Zé Guedes e Paulo Henrique, amigos do Simas, que eu havia conhecido no dia anterior, durante uma happy hour no bar Snoopy, e meu primo, Geovanni “Gigio” Bandeira, que estava comemorando sua recém-adquirida cidadania italiana. Arrumar grana pra conhecer a terra natal de seus avós paternos, entretanto, vai ser um outro papo...
Como eu e Mário Dantas não estávamos bebendo, coube a eles quatro (os três convidados mais o Simas) detonarem uma garrafa de uísque, uma grade de Brahma e quatro caixas de Skol em lata, numa esbórnia que só terminou por volta das 8h da noite.
No meio da conversa, descobrimos que Zé Guedes é primo do meu brother Xisto Filho, atualmente morando em Manacapuru, e irmão do jornalista Inácio Guedes, editor do jornal A Tropa, que durante muitos anos fustigou as elites locais da Velha Serpa.
Aos 68 anos, mas com um corpinho de 50, Zé Guedes é praticante de ioga, corre semanalmente 30 quilômetros, pedala outros 100 km, não fuma, bebe com moderação e parece ser viciado em carne de paca. Basta dizer que detonou cinco pratarraz num piscar de olhos.
Nascido em Itacoatiara, ele morou em Manaus (se formou em Contabilidade em 1961, na mesma turma do Paulo Henrique), mas passou o maior tempo de sua vida no Rio de Janeiro. Sua história daria um livro fascinante.
Entre outras façanhas, Zé Guedes morou durante seis anos dentro de um trailer, no camping do Recreio dos Bandeirantes da rede Camping Clube do Brasil, quando, pelo regulamento de uso do clube, só poderia ficar, no máximo, 30 dias. Uma de suas filhas nasceu lá e detém o título de “mais jovem campista a se hospedar no CCB” (tinha três dias de nascida).
Ele também veio do Rio de Janeiro a Manaus, pelo litoral, no início dos anos 90, sem um tostão no bolso, pilotando uma Caloi 10 – Aro 700, a bicicleta estradeira por excelência, em uma viagem que levou três meses.
Em troca de alimentação, pernoite e utilização do banheiro, Zé Guedes realizava pequenos serviços domésticos (lavar pratos, varrer salões, capinar, recolher o lixo, etc) nos restaurantes de beira de estrada e em casa de pescadores ou lavradores.
Aqui na taba, ele montou uma empresa de confecção de brindes e bonés, que chegou a ter 32 funcionários, e tinha entre seus clientes as grandes empresas do Distrito Industrial (Moto Honda, CCE, Yamaha, Recofarma).
Em 1995, com a quebradeira do México e seus respingos no Brasil (a tal “crise sistêmica” de que nos falava o presidente FHC), o próspero negócio do Zé Guedes foi pro vinagre. Com a crise, as empresas cancelaram os pedidos e ele foi obrigado a se desfazer do negócio.
Se o senhor não está lembrado, entre 1995 e 2000, o governo brasileiro gastou mais de R$ 30 bilhões, algo equivalente na época a 2,5% do Produto Interno Bruto (a soma de todas as riquezas produzidas pelo país), com o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER).
Atualizada, essa dinheirama atingiria hoje a casa dos R$ 50 bilhões. Serviu para tapar o rombo de sete bancos (Nacional, Econômico, Bamerindus, Mercantil, Banorte, Pontual e Crefisul) que acabaram incorporados por outros.
O PT esperneou como diabo. Acusou o governo de usar o dinheiro do contribuinte para livrar a cara de banqueiros acostumados a ganhar com a inflação e que não haviam se preparado para conviver com a estabilidade da moeda assegurada pelo Plano Real. Houve até CPI a respeito. Não deu em nada. Zé Guedes, que não era banqueiro, perdeu tudo.
Voltou para o Rio de Janeiro assim que se livrou das dívidas trabalhistas. Novamente sem um tostão no bolso, novamente de bicicleta, novamente pelo litoral, em uma viagem que, dessa vez, durou mais de três anos. É que ele se apaixonou por João Pessoa (PB) e ficou morando em uma praia deserta durante quase três anos. Se alimentava exclusivamente de coco, banana e dos peixes que fisgava.
E foi uma de suas histórias de pescador que mais chamou a atenção da moçada. A presepada aconteceu no Rio de Janeiro, nos anos 80, quando ele morava no citado trailer do Recreio dos Bandeirantes e era considerado o “rei do molinete” das praias cariocas.
Zé Guedes estava na sua luta diária pelo “peixe nosso de cada dia”, quando fisgou uma arraia de mais de dois metros de comprimento. Depois de meia hora de luta, conseguiu puxar a monstruosa criatura até a praia, onde, depois de tirá-la do anzol, deixou-a emborcada, de ventre pra cima.
As arraias – ou raias – são peixes fora do desenho clássico, mas da mesma subclasse dos tubarões, dos quais diferem pelo formato achatado de corpo e pela localização das fendas branquiais.
Possuem cauda longa, que, na parte superior, junto ao corpo, apresenta um, dois ou mais ferrões. Visíveis ou não, essas armas estão perigosamente preparadas contra a vítima, homem ou animal, que nelas esbarra.
Ao longo do ferrão, dezenas de pontas recurvadas. Assim, esses ferrões serrilhados penetram nos músculos e aí se fixam como anzóis. Nas bases desses pequenos anzóis, estão glândulas que injetam na vítima um veneno violento, semelhante ao das serpentes.
Ao contrário das espécies marinhas, que nem sempre têm ferrões, as arraias de água doce possuem ferrões desde seu nascimento e, se de algum modo é danificado, ele se desprende e cresce um novo.
Pois bem. Zé Guedes estava tentando fisgar um verdadeiro peixe nobre (badejo, robalo, guiavira, enchova) para o almoço, quando um crioulo parrudo, de quase dois metros de altura, pesando uns 150 kg, de bermudão, sandálias Havaiana e camiseta do Flamengo, se aproximou, examinou a arraia detidamente e arriscou:
– E aí, “da vara”, quer vender o peixe?...
– Não, não quero vender não – explicou Zé Guedes. “É pra consumo próprio”.
O negão não arredou o pé, fascinado com a movimentação da arraia nos seus estertores finais. E insistiu:
– Pago R$ 50 pela bichinha...
Zé Guedes fez que não ouviu.
O negão se acocorou ao lado da arraia, acariciou seu (dela) ventre com carinho e insistiu, mais uma vez:
– Pago R$ 100 pela bichinha...
Zé Guedes fez, de novo, que não ouviu.
O negão, esfregando as duas mãos, sem tirar os olhos da arraia, começou a ficar impaciente.
– Pô, gente boa, não me sacaneia! Daqui a pouco você pega outra... Eu pago 300 paus pela bichinha, que é tudo que tenho na carteira...
Zé Guedes ficou cismado:
– Porra, meu irmão, você deve gostar muito de guisado de arraia... Essa merda tem pouca carne... Com essa grana, você compra 30 quilos de filé de anchova, que é muito melhor do que arraia...
O negão, de olhos lúbricos, boca seca, quase arfando, abriu o jogo:
– Eu não quero ela pra comer não, campeão! Eu quero ela é pra foder!
Aí, apontando para uma fenda branquial que a arraia possui na parte de baixo do ventre, atrás da parte anterior das nadadeiras peitorais, explicou:
– Essa bucetinha de arraia é a melhor coisa do mundo. Isso é mais gostoso do que mulher com bezerro. O cara que come uma vez, nunca mais quer saber de outra coisa na vida...
Zé Guedes garante que não vendeu a arraia pro negão (que, pelo tamanho, devia ter meio metro de pomba), mas ficou uma dúvida no ar: curioso por natureza, será que o próprio Zé Guedes não quis tirar a prova dos nove e conhecer biblicamente a tal arraia? Se sim, como fez para não levar uma ferroada dilacerante no lombo?
Aqui no Amazonas, são comuns as histórias de ribeirinhos que mantém relações sexuais com as fêmeas do boto vermelho, aquele simpático golfinho que o Jacques Cousteau batizou de “boto cor de rosa”.
No Nordeste, o “barranqueamento” de éguas, vacas e cabritas faz parte da iniciação sexual dos moleques da zona rural.
Mas foder uma arraia, fala sério, foi a primeira vez que ouvi falar.
Gostaria de saber se os meus brothers Tagore e Romero, que moram em Goiânia, conhecem alguma história a respeito dessa nova modalidade (para mim) de bestialismo.
Porque, pelo número de arraias que existe no rio Araguaia, aquilo deve ser um verdadeiro harém do rei Salomão para quem gosta do esporte.
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Um comentário:
Mestre Simão. Te confesso que nao conhecia a modalidade esportiva das arraias. Essa semana vou lá dar uma pescada, mas nao estou pretendendo experimentar hehehehe. Um grande abraço!
Tágore
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