Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
Pesquisar este blog
quarta-feira, setembro 21, 2011
Duas ou três coisas que ainda lembro do camarada Nestor
Considerado um dos maiores símbolos da Guerra Fria, o muro de Berlim deixou de existir em 8 de novembro de 1989.
A queda do muro de Berlim simbolizou o desmoronamento do comunismo na Europa Central e Oriental, que começou na Polônia e na Hungria.
Confrontado com um êxodo maciço de sua população para o Ocidente, o governo da Alemanha Oriental abriu as suas fronteiras.
Foi a reunificação da Alemanha após mais de 40 anos de separação e a sua parte oriental integrada a CEE em Outubro de 1990.
A grande maré capitalista que tomou conta do mundo, particularmente após a derrocada dos regimes estabelecidos nos países do Leste europeu e na extinta União Soviética, não significou somente a explosão das propostas neoliberais nos terrenos econômico e político.
Implicou, também, uma ofensiva sem precedente da ideologia burguesa-imperialista visando à conquista dos corações e mentes em escala mundial.
Uma das manifestações mais emblemáticas dessa ofensiva foi, primeiramente, o artigo, aparecido ainda em 1989, com o título "O fim da história" e, posteriormente, em 1992, o livro “O fim da história e o último homem”, ambos do norte-americano Francis Fukuyama.
O esforço principal de Fukuyama, que tem provocado grande repercussão, foi o de tentar elaborar uma linha de abordagem da história, indo de Platão a Nietzsche e passando por Kant e Hegel, a fim de revigorar a tese de que o capitalismo e a democracia burguesa constituem o coroamento da história da humanidade, ou seja, de que a humanidade teria atingido, no final do século XX, o ponto culminante de sua evolução com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes.
Para ele, este século viu, primeiramente, a destruição do fascismo e, em seguida, do socialismo, que fora o grande adversário do capitalismo e do liberalismo no pós-guerra.
O mundo teria assistido ao fim e ao descrédito dessas duas alternativas globais, restando apenas, atualmente, em oposição à proposta capitalista liberal, resíduos de nacionalismos, sem possibilidade de significarem um projeto para a humanidade, e o fundamentalismo islâmico, confinado ao Oriente e a países periféricos.
Assim, com a derrocada do socialismo, Fukuyama conclui que a democracia liberal ocidental firmou-se como a solução final do governo humano, significando, nesse sentido, o “fim da história” da humanidade.
No dia 2 de fevereiro de 1990, o último presidente do apartheid (segregação racial) na África do Sul, Frederik de Klerk, fazia o discurso histórico no Parlamento em que anunciava a libertação dos prisioneiros políticos, entre eles Nelson Mandela.
Dave Steward, diretor da Fundação FW (Frederik Willem) de Klerk, afirmou: “Esse discurso foi um marco na história da África do Sul. Para os sul-africanos brancos, ele marcou a vontade de acabar com séculos de humilhação e dissensões e abandonar a posição dominante que ocupavam há 300 anos.”
O último presidente branco da África do Sul pronunciou o famoso discurso cinco meses depois de sua eleição, num momento em que a tensão nos guetos estava no auge, e a economia sofria as consequências das sanções internacionais.
Nove dias depois do discurso, Nelson Mandela, o herói da luta contra o apartheid, saiu de prisão, depois de passar 27 anos atrás das grades.
A libertação de Mandela surpreendeu muitos sul-africanos.
O ex-arcebispo da Cidade do Cabo e militante contra o regime segregacionista Desmond Tutu disse: “Sempre tive a certeza de que Mandela seria libertado algum dia, mas não achei que estaria vivo para ver isso.”
Mandela deixou a prisão fazendo o mesmo gesto que era marca registrada de Nestor Nascimento: o braço levantado com o punho fechado.
“A luta continua, companheiro!”, era o significado daquele gesto (tanto que, em 1994, Mandela foi eleito presidente da África do Sul, tornando-se o primeiro chefe de Estado negro do país).
Naquele mês de fevereiro de 1990, a gente (eu, Anibal Beça, Antonio Paulo Graça, Almir Graça, Armando Guimarães, João Rodrigues, Arnaldo Garcez, Marco Gomes, Jorge Marques, Inácio Oliveira, etc) estava tomando um pifão federal no Bar Calígula, do escritor Rui Sá Chaves, ali no bairro da Aparecida, quando surgiu o Nestor Nascimento visivelmente emocionado com a libertação de Mandela.
Conversa vai, conversa vem, Antonio Paulo Graça enquadrou o negão, parodiando aquele famoso poema drummondiano:
– E agora, Nestor? O socialismo ruiu, o Mandela saiu e o sonho acabou. Que bandeira nós vamos levantar?...
Antes que Nestor Nascimento abrisse a boca para responder, o artista plástico e poeta João Rodrigues tirou do bolso uma algema (provavelmente utilizada por ele em práticas sadomasoquistas extramaritais) e bateu de três dedos, em forma de haikai:
– O sonho não acabou! Soltaram Mandela? Prendamos Nestor...
O príncipe nagô quase caiu no chão de tanto rir.
Eu e o poeta João Rodrigues durante um ensaio da BICA
Uns dois anos depois, durante uma discussão bizantina sobre a mão de obra federal que estava dando para organizar o gigantismo da Banda Independente Confraria do Armando (BICA) durante os desfiles no sábado magro, alguém teve a ideia de jerico de sugerir que a banda fosse divida em alas, cada uma subordinada a um coordenador.
– Sendo assim, eu vou trazer a rapaziada do Jaqueirão para desfilar na minha ala! – avisou Nestor.
– Eles são comunistas? – indagou Antonio Paulo Graça.
– Alguns são, mas a maioria defende o socialismo democrático! – explicou Nestor.
– Ah, sei. São revisionistas ligados a terceira via. Então batiza a tua ala com o nome de “Afoxé Filhos de Gramsci”... – devolveu Paulo Graça.
O príncipe nagô quase caiu no chão de tanto rir.
As alas foram rifadas da BICA sumariamente.
Andrea, Astrid Lima e meu filho caçula Marcus Vinicius, no ano passado, na Itália
Uma característica pouco lembrada de Nestor Nascimento foi sua dedicação quase passional a conversão de jovens estudantes para a causa marxista.
Quando conheci a Astrid Lima, uma das pupilas do senhor Nestor, ela era uma graciosa estudante secundarista que tinha tudo para ser uma mimada dona de casa pequeno-burguesa.
O príncipe nagô não deixou e a converteu em uma laboriosa militante comunista.
Aqui em Manaus, Astrid foi apresentadora, produtora e diretora de vários programas televisivos.
Fez teatro com o grupo Origem, fez iluminação para teatro, dança e shows musicais, trabalhou em publicidade e venceu (junto e por causa do Torrinho) os prêmios “Profissionais do Ano” da Rede Globo (Brasil), o “Galo de Ouro” do Festival de Gramado (Brasil) e o “Leão de Bronze” no International Advertising Festival di Cannes (França) com o spot institucional “Burning Flag” sobre a destruição da floresta amazônica (aquele em que a bandeira brasileira é feita de palitos de fósforos, que vão queimando dramaticamente).
Astrid Lima passou um período no Chile e há muitos anos vive na Itália onde trabalha como documentarista.
Entre outras coisas, é co-autora do documentário “Invisible water“, sobre a privatização da água em Manaus.
O filme recebeu criticas positivas na edição italiana de Le Monde Diplomatique, foi transmitido também pela Telesur e participou de vários festivais na Europa e América Latina: DerHumAlc (Argentina), Ficma (Espanha), Verviers au film de l’eau (Belgica), Sarajevo Film Festival (Bosnia-Erzegovina), Generazione Kyoto, Firenze/Toscana (Italia) e Flower Film Festival, Assisi/Umbria (Italia).
Ela é uma das autoras do livro que conta a história de meninos de rua marcados para morrer na violentíssima Manaus dos anos 80.
A cidade chegou a “desovar” quase 100 cadáveres em apenas um ano, indicados como “queima de arquivo”.
Foi militante do Partido Comunista brasileiro e porta-voz, na cidade onde reside, do Partido Verde italiano.
Afastou-se da militância partidária para atuar no movimento italiano de defesa da água pública, sendo uma das fundadoras do Comitato Acqua Pubblica di Velletri, uma das entidades mais sólidas da província de Roma e que constitui o Forum Italiano dei movimenti per l’acqua.
É mãe de Matteo e companheira de Andrea e em ambos os continentes continua sonhando – e construindo – outros mundos.
Nestor Nascimento ficaria muito feliz em saber disso tudo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Pois somente hoje vi.
Quanto ao ser uma possível dona de casa pequeno-burguesa, seria difícil. Sou filha de trabalhadores. Fica no sangue :)
Tenho que voltar mais vezes por aqui. Falta ai no "curriculum":
Criadora do spot oficial da campanha referendária italiana sobre a água, “L’asta”:
Versão original:
http://www.youtube.com/watch?v=RJpsLtse_Pw&list=UU9VSqjzjUhywYkSUz22akUA&index=1&feature=plcp
Versão oficial:
http://www.youtube.com/watch?v=B8IittY58_s&list=UUAiwZ2UXfjmbOgO044SN5Gw&index=36&feature=plcp
Assim, só por teimosia ;)
Postar um comentário