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sexta-feira, setembro 02, 2011

Laços de família


A esta altura do campeonato, meu filho caçula, Marcus Vinicius, já deve estar batendo pernas pelas ruas de Milão.

Ele foi continuar seu curso de mestrado em Design no Politecnico di Milano, reputado como o mais prestigiado instituto técnico da Itália.

Segundo ele, o Politecnico abriga mais de 1.000 professores e pesquisadores e mais de 40 mil alunos em 17 departamentos, e está envolvido em atividades de pesquisa avançada em diversos campos, variando de nano-tecnologia à indústria aeroespacial, de biotecnologia a tecnologia da Informação e Comunicação.

Marcus viajou pra São Paulo na madrugada de quinta e deve ter passado o dia inteiro no aeroporto internacional governador André Franco Montoro, em Guarulhos, porque seu voo estava marcado para as 22h.

Depois de mais 11 horas de voo, deve ter desembarcado no aeroporto internacional Malpensa, em Milão, na manhã desta sexta-feira.

Na última quarta-feira estive na casa da avó dele, Dona Adair, para as despedidas de praxe e com a missão de detonar um tambaqui assado com baião de dois, ambos feitos pela Marilene, mãe do moleque.


Das minhas ex-mulheres, a Marilene é a única que ainda se preocupa em “catar” as espinhas do peixe antes de eu comer porque sabe que sou um desastrado em potencial.

As outras, desconfio, adorariam me ver engasgado com uma espinha na garganta só pelo prazer de curtir o meu sufoco.

Nunca lhes dei essa confiança.

Por conta do tambaqui catado pela Marilene, comi três pratarrazes pra ninguém botar defeito.

Quase não consigo me levantar da mesa.

Enquanto a gente aguardava o Marcus Vinicius, a Marilene me levou pro quarto para mostrar seu novo álbum de “retratos”, da época em que éramos todos jovens.


Quando começamos a namorar, em março de 1979, ela tinha 16 anos e eu, 23.

Ela estava noiva, de casamento marcado.

Eu era casado e pai de dois filhos.

Tinha tudo para não dar certo, mas acabou dando – mesmo aos trancos e barrancos.

Foi amor a primeira vista e uma paixão incendiária cujas brasas permanecem acesas até os dias de hoje.

A gente não pode ficar em algum canto, sozinho, por cinco minutos, que acaba se agarrando alegremente como dois colegiais em uma colônia de férias.

Nessa noite de quarta-feira, meu neto Mathews estava brincando no quarto da avó com seu primo Vitor, filho do Toni Pinheiro, o que, tecnicamente, impossibilitava nossas travessuras.

Em uma das fotos, a Marilene aparecia experimentando a minha cafoníssima camisa de veludo azul piscina.

Hoje, eu só usaria uma merda daquela sob a mira de um pelotão de fuzilamento, mas era moda na época, porra, fazer o que?


A foto era de julho de 1980, provavelmente feita no mesmo dia em que fabricamos a jornalista Maíra, atualmente fazendo pós-graduação em Jornalismo Literário em Dublin, na Irlanda.

Recordei a história da foto para a Marilene, que não lembrava mais da presepada.

No ano anterior, eu havia sido contemplado em um consórcio de carros e estava com um Corcel II GT 79, verde metálico, que era o sonho de consumo dos moleques da época.

Apesar de ter carteira de habilitação, eu não gostava de dirigir.

O carro passava a maior parte do tempo com o Jones Cunha.


No começo de uma noite de sexta-feira daquele mês de julho, ele nos deixou (eu e a Marilene) em uma das suítes do motel Rip e foi pegar sua namorada para irem a um barzinho.

Combinamos de ele nos apanhar antes da meia-noite, já que a moleca era “dimenor” e de família.

Quando deu 1h da madrugada, estranhei o fato de o Jones ainda não ter aparecido no pedaço.

Ele era rigorosíssimo em questões de horário e nunca dava “furo”.

Por volta de 2h da madrugada, comecei a ficar preocupado.

O Jones Cunha ainda não dera nenhum sinal de vida.

Quando deu 3h da madrugada, a preocupação inicial virou desassossego.

Aquele Jones era um filho da puta!

As horas começaram a passar numa velocidade estonteante.

Quando o relógio marcou 6h da manhã, comecei a imaginar o pior: o sacana havia se envolvido em um acidente de trânsito.

Pra complicar, minha bolsa com dinheiro e documentos havia ficado dentro do carro.


Sem perceber a gravidade da situação, a Marilene parecia estar achando aquilo tudo muito divertido.

Só queria saber de sexo selvagem.

Por volta das 9h da manhã de sábado, resolvi agir.

Deixei a Marilene dormindo no quarto, fui até a portaria e expliquei a situação para o gerente.

Ele concordou em manter a garota no quarto como refém, enquanto eu providenciava o dinheiro do resgate.

Apanhei um táxi e fui até a casa do Jones Cunha, lá na rua Borba.

O meu carro não estava na garagem de sua casa.

Deduzi que o acidente de trânsito tinha sido pior do que eu imaginava.


No Bar do Aristides, o boêmio Nei Parada Dura já estava iniciando as atividades do dia.

Expliquei rapidamente a situação.

Ele pagou a corrida de táxi, pegou seu carro, me colocou dentro e voltamos para o motel.

Na portaria, ele desceu do carro e já foi gritando a plenos pulmões para o gerente, assustando os transeuntes que passavam pela rua:

– Eu vim pagar o resgate da namorada do meu amigo Simão Pessoa Filho, que está detida no apartamento 112. E fecha a conta mais ligeiro do que mijada de rã, que nós ainda vamos perseguir um ladrão de carro!

Nei Parada Dura era o único da turma a me chamar desse jeito.

Nunca soube o motivo.

Fiquei tão constrangido que quase me escondi dentro do porta-luvas.

Colocamos a Marilene dentro do carro, descemos em direção ao mercadinho da Cahoeirinha e paramos a uns dois quarteirões de sua casa.

Ela fez um escândalo:

– Escuta aqui, porra, vocês estão pensando que eu sou alguma vagabunda pra ser deixada assim, no meio da rua? Vocês vão ter que me deixar lá na porta da minha casa...

O Nei Parada Dura não contou conversa.

Desembestou na direção da casa da Marilene e parou em frente da casa cantando pneus, no maior escarcéu.

Metade da vizinhança correu pra janelas pra ver que esculhambação era aquela.


Segurando os sapatos em uma das mãos e a nécessaire em outra, a Marilene desceu do carro morrendo de rir, como se fosse a coisa mais normal do mundo uma menina de família, de apenas 16 anos, chegar em casa na manhã seguinte, depois de ter passado a noite inteira na gandaia.

Eu e Nei Parada Dura voltamos pro Bar do Aristides.

O Jones Cunha já estava lá, jogando sinuca com Lúcio Preto e Baixinho, na maior tranquilidade do mundo.

Eu estava mordido.

– Porra, bicho, que putaria foi aquela de ontem? E que fim levou a porra do meu carro? – questionei.

– Rapaz, eu voltei no motel às 11h da noite e me disseram que vocês já tinham ido embora. A menina da portaria conferiu umas três vezes o número do apartamento, interfonou, fez o cacete e não localizou vocês dois. Eu não ia discutir com ela. Aí, eu trouxe o carro, estacionei na garagem do teu pai e entreguei a chave pra ele! –, explicou.

Fui pegar o carro na casa do velho.

Felizmente, a bolsa com os documentos e o dinheiro ainda estava no mesmo lugar.


Por volta das 15h, liguei para a Marilene.

Ela me contou que havia recebido um “ralho” do pai, da mãe e dos irmãos, mas que já estava tudo bem.

Perguntou se a gente ia sair de novo naquela noite.

A Marilene era mesmo da pá virada.

Quando terminei de contar a história, ela, excitadíssima com as lembranças, expulsou os dois moleques do quarto, sentou no meu colo e começou a me beijar.

Mas aí, de repente, entrou no quarto a Juliana, noiva do Marcus Vinicius, avisando que os dois já estavam indo para o aeroporto e tivemos que adiar nossos planos.

Pelo menos até o dia em que a gente se encontrar de novo e ficarmos sozinhos em algum canto.



Um comentário:

Marcus Pessoa disse...

Poxa sogrão foi mal ai. Mas tenho certeza que oportunidade não vai faltar para vc e minha sogra querida estarem sozinhos para recordar essas aventuras maravilhosas. Afinal ela continua sendo a adolescente daquela época. Cheia de amor!