Ao assumir a liderança da AMOAL, no início dos anos 60, o jornalista Carlos Imperial dissolveu sua estrutura templária, possibilitando que seus membros criassem seus santuários privativos em quitinetes ou quartos de motéis, e realinhou-a com a Sabedoria Devassa na qual originalmente havia sido inspirada.
Ele também estabeleceu dentro da Ordem um núcleo independente, “Clube da Pilantragem”, para poder driblar a censura das mães de família e a ditadura militar.
A AMOAL operou sob seu comando entre 1955 e 1992, durante o qual a Sabedoria Devassa foi completamente alinhada com a Corrente de Sodoma & Gomorra vigente nos bailes de carnavais do Rio de Janeiro.
Jornalista, produtor e compositor, Carlos Imperial morreu no dia 4 de novembro de 1992, com 56 anos de idade, no hospital Ordem Terceira da Penitência, na Tijuca, Zona Norte do Rio, de infecção generalizada.
Ele havia sido internado 15 dias antes no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do hospital com problemas cardíacos e chegou a ser submetido a uma cirurgia para extração do timo, órgão que recobre grandes vasos da base do coração.
Seu filho, Marco Antônio, denunciou que um erro médico provocou a morte dele.
Carlos Imperial era conhecido e reconhecido como um gozador, um bon vivant, mulherengo e com especial predileção por garotas bem jovens.
No seu último ano vivia com uma menina de 14 anos, com quem pretendia se casar, segundo chegou a anunciar.
Filho de uma família rica capixaba, seu pai era banqueiro e foi prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, sua cidade natal, onde também nasceu Roberto Carlos.
Imperial foi casado duas vezes, a primeira com Rose, filha do ex-campeão de jiu-jítsu Carlos Gracie, com quem teve os dois filhos, Marco Antônio e Maria Luíza.
Ele foi um dos grandes incentivadores do rock & roll em sua primeira fase, especialmente por meio do “Clube do Rock”, grupo que reunia e apoiava artistas em torno do novo ritmo, e também nome de programa apresentado por ele na TV Continental, do Rio de Janeiro, a partir de 1958.
Disc-jockey e agitador cultural, Carlos Imperial também criou o grupo Os Terríveis, onde Roberto Carlos iniciou sua carreira.
Foi autor das primeiras músicas gravadas por Roberto Carlos (“João e Maria” e “Fora do Tom”).
Ainda apresentou os programas “Festa de Brotos” na TV Tupi e “Os Brotos Comandam” na TV Continental e Rádio Guanabara, que lançou artistas jovens como Eduardo Araújo, Erasmo Carlos, Rosemary, Ed Wilson e Renato e Seus Blue Caps.
Em São Paulo, dirigiu Wilson Simonal na TV Record no programa “Show em Si... monal”.
Com ele, Nonato Buzar e o grupo Som Três (Sabá Oliveira, César Camargo Mariano e Toninho Pinheiro), Imperial criou o movimento “Samba jovem”, que acabou ficando mais conhecido como “Pilantragem”.
Deste novo ritmo surgiram composições como “O carango”, parceria com Nonato Buzar, gravada por Erasmo Carlos e Simonal, “Mamãe passou açúcar em mim” e “Nem vem que não tem”, também do repertório de Simonal.”
São dele ainda as clássicas “Prima Daisy” e “O Bom”, gravadas por Eduardo Araújo, com que dividiu a parceria de “Vem Quente Que Estou Fervendo” e de “A Praça”, sucesso com Ronnie Von.
Foi também nesta época que ficou conhecido no Brasil inteiro ao participar do programa “Esta Noite se Improvisa”, onde demonstrou um grande conhecimento da música brasileira, provando que seu interesse musical não se limitava apenas ao rock.
Na atração da TV Record, criou um personagem arrogante, que destratava os adversários e o próprio público.
Era sempre recebido pelo auditório com vaias.
Cunhou então uma de suas frases mais famosas: “Prefiro ser vaiado no meu Mercury Cougar do que ser aplaudido de pé num ônibus”.
Na década de 70, movimentou o noticiário do Rio de Janeiro ao fundar o Clube da Pilantragem, com Jece Valadão, o cineasta Rui Guerra, Daniel Filho e Hugo Carvana, com o objetivo declarado de “abater lebres” (“modelos, atrizes e garotinhas”).
Os “sócios” se revezavam em um apartamento em Ipanema que se tornou endereço conhecido no Rio.
Nos anos 80, para se contrapor ao movimento feminista, criou então o Clube dos Machões, que manteve até morrer, e cujo último sócio honorário convidado foi o ex-ministro Bernardo Cabral “por ter fugido da Zélia (a ex-ministra da Economia)”, segundo definiu Carlos Imperial ao fazer-lhe o convite um mês antes de morrer.
Ele foi vereador no Rio por duas legislaturas, pelo PDT, sendo que em 1984 foi o mais votado da cidade.
Jurado de quadros do programa Sílvio Santos, no SBT, onde continuava a atuar, chegou a fazer uma peça de teatro, o “Edifício 2.000” e a dirigir filmes pornográficos financiados pela sua produtora.
Nos seus últimos anos vivia entre a Barra da Tijuca e Miami, animado com projetos da sua empresa, a construtora Imperial, responsável pelas obras de condomínios cuja concepção exportava para os Estados Unidos.
“Imperial sempre foi polêmico”, relembrou na época um de seus maiores amigos, o ator Jece Valadão, que dividiu com ele alguns anos de boêmia. “Mas era absolutamente careta, não bebia, não fumava, não cheirava”, garantiu. “Seu prazer eram as menininhas”.
Valadão recordou o escândalo provocado por um cartão de Natal enviado por Carlos Imperial durante a ditadura militar, quando foi promulgado o AI-5, a algumas autoridades, incluindo o presidente, ministros e generais, em que aparecia sentado em um vaso sanitário.
Foi preso e ficou uma semana confinado no presídio da Ilha Grande.
Como compositor também gerou confusão ao assumir a autoria de “Meu limão, meu limoeiro”, do cancioneiro popular, que assinou, datou e gravou.
Para Jece Valadão, Imperial morreu “porque não agüentou a emoção de transar cinco vezes por dia com uma garota de 14 anos e teve uma vida muito louca”.
E aqui cabe uma história interessante envolvendo o nosso inesquecível cafajeste.
Os anos 60 foram de grande discriminação ao mestre Luiz Gonzaga e ao gênero do baião.
Estamos no meio da década.
É época de Bossa Nova, Jovem Guarda, canções de protesto, guitarras elétricas, modismos estrangeiros e caseiros.
O espaço que sobra para o baião são as cidades do interior.
O velho Lua chegou até a pensar em “pendurar” o fole prateado, mas sabe que o Nordeste, sua terra, ainda o acolhe.
Na quase virada dos anos 60 para os 70 muito se fala em “rock caipira” e “rock rural”.
Uma exótica mistura de ritmos é imediatamente denominada “baião-rock”.
Era nessa época que Carlos Imperial vivia o apogeu de sua carreira artística.
Famoso como produtor, apresentador, jurado de programas de TV e um dos pilares do movimento da Jovem Guarda, ele há muito já proclamava a semelhança que alguns viam entre Gonzaga e a country music americana.
A mesma que serviu de base para o rock de Elvis, Bill Halley e dos consagrados Beatles.
Assim, em 1968, Carlos Imperial convidou Gonzagão para participar de um dos seus programas televisivos, ocasião em que se discutia o “baião-rock”.
Meio sem jeito, sobretudo porque teme o que se possa dizer caso ele confirme a apregoada semelhança, o Rei do Baião não se define e se vê quase perdido nas sombrias encruzilhadas desses entrelaçados musicais.
Nesse momento, Carlos Imperial bate na mesa, levanta-se e, olhando para Gonzaga, categoricamente afirma: “Esse homem que representa a simplicidade nordestina, sendo o criador e o divulgador-mor do baião, na sua modéstia, não se sentiria à vontade para comentar semelhanças entre a música dos Beatles e a sua toada, como ele próprio classifica, e que é, pelo menos, 20 anos mais antiga...”
Num gesto um tanto teatral, ele desvia o rosto para outra câmera, como se quisesse olhar nos olhos e falar com o telespectador, e continua, dessa vez aumentando o tom de voz e demonstrando indignação: “Vocês – agora apontando para os demais debatedores – críticos de Música Popular Brasileira, que abominam o xote, o xaxado, a toada, o baião e a sanfona de Luiz Gonzaga, por vocês chamada de sanfona cafona da mediocridade, saibam todos, e eu tenho a prova aqui: os Beatles acabam de gravar Asa Branca de Luiz Gonzaga!!!”
A revelação teve o efeito de um terremoto.
Até Gonzaga, que desconhecia as reais intenções do apresentador, ficou surpreso: “É verdade, seu Imperial?...” – é a simples e humilde pergunta que ele faz.
A partir daí, os focos dos refletores se voltam para o Rei do Baião.
Toda a imprensa quer entrevistá-lo, seu cachê aumenta, seus discos recomeçam a vender em maior quantidade.
Músicos e cantores de todas as idades, vindos do movimento pós-Bossa Nova ao Tropicalismo, todos determinam unanimidade nacional em torno do pernambucano de Exu.
Novamente cortejado e, por todos os méritos e direitos, reverenciado como a majestade única do baião, Luiz Gonzaga sustenta a inverídica notícia.
Por questão de ética e de respeito ao público, faz isto de uma maneira singular: não a confirma e nem a desmente.
A única coisa que realmente o interessa nisso tudo é voltar a tocar xote e baião para o povo dançar por esse Brasil afora.
E o Brasil redescobre a magia da música de raízes do querido Lua, o eterno Rei do Baião, graças a um insight providencial do inesquecível mestre Carlos Imperial.
Assim surgem as lendas.
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