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quinta-feira, setembro 22, 2011

Recordando os bons tempos da Utam: um golpe de mestre!


Eu, Álvaro Bandeira, Darcy Cristina e Engels Medeiros no Bar Ecológico, no início dos anos 90. Na foto ainda aparece o fotógrafo Carlos Dias e, lá atrás, Aldisio Filgueiras e Carlos Castro mandando ver no blues Corações não tem taxímetros

Setembro de 1976. Naquele semestre, na Utam, nós fomos brindados com uma disciplina chamada “Resistência dos Materiais” que era ministrada exclusivamente nas tardes de sábado.

Além de ser uma matéria sacal sem qualquer serventia para engenheiros eletrônicos, o professor também era uma verdadeira anta de galochas.

Ele não sabia o que estava ensinando e fazia os alunos pensarem que a culpa era deles.

Quatro tempos seguidos de aula daquela imundície era uma verdadeira tortura chinesa.

E o pior é que ninguém estava aprendendo porra nenhuma por culpa das deficiências inatas do mestre (salvo engano, ele era meio tatibitate e estava lecionando pela primeira vez, tal a falta de mão de obra especializada naquela era jurássica).

Um sábado qualquer, assim que entrei na sala de aula, o Adalberto de Melo Franco veio me avisar:

– Hoje vai ter prova de “Resistência dos Materiais” e eu vou me sentar atrás de ti pra colar porque não estudei porra nenhuma...

– Como assim vai ter prova? – indaguei. “Eu estava aqui na última aula e ele não marcou nenhum tipo de teste pra hoje...”

– A Socorrinha tem uma amiga na secretaria, que lhe avisou que o professor havia marcado a prova pra nossa turma nesse sábado. Ela viu essa informação na pagela de anotações do professor.

Reuni a nossa galera de ex-estudantes da ETFA e cantei a pedra:

– Negócio seguinte. Se depois da chamada o sujeito vier com esse papo de que hoje é dia de prova, todo mundo sai da sala que ele não vai ter coragem de dar zero para um monte de gente. As regras são claras: as provas devem ser informadas aos alunos com uma semana de antecedência!

Os cachorros concordaram. Espalhamos a estratégia para o resto da turma. Todos também concordaram.

– É isso aí! A gente tem que mostrar pra ele que o regulamento da Utam é que nem pule de jogo do bicho: vale o escrito! – argumentou João Edgard, um tremendo gozador.


Engels, eu e Edu do Banjo, durante um lançamento do jornal Candiru, no Bar do Armando, no início dos anos 2000

Dali a alguns minutos, o professor entrou na sala, fez a chamada, se levantou da mesa e avisou:

– Hoje vocês vão fazer uma prova sobre problemas de barras submetidas a carregamentos axiais. Eu vou escrever o problema na lousa e vocês, por favor, escrevam apenas o desenvolvimento do problema e a resposta na folha de teste que vou começar a distribuir.

Eu me levantei, pedi licença e sai da sala. O Engels fez a mesma coisa.

O resto da cachorrada mijou pra trás e resolveu permanecer dentro da sala.

Aquilo não era uma alcatéia de lobos selvagens querendo sangue, era um cardume de “traíras” da pior qualidade.

Ainda no corredor, enquanto nos dirigíamos ao estacionamento, Engels fez uma observação pertinente:

– Parceiro, acho que acabamos de nos foder! Aquele sacana não teria coragem de dar zero para 40 pessoas, mas para apenas dois rebeldes ele mete um zero estrelado em cada um sem nem sentir remorso!

– Pode ser, pode ser! – expliquei. “Mas barco perdido, bem carregado. Vamos pegar umas vagabundas e passar a tarde enchendo a cara de birita na cachoeira do Tarumã!”

Foi o que fizemos.


Engels Medeiros fazendo pose de sheik do petróleo

Na segunda-feira, eu e Engels entramos com um ofício na secretaria da Utam explicando que não fizéramos a prova porque o professor não havia marcado com uma semana de antecedência como previa o regimento interno da universidade e solicitávamos uma nova prova em 2ª chamada.

Nosso ofício foi acatado por unanimidade pelo Conselho Superior da instituição e o professor ainda foi admoestado por estar infringindo uma das cláusulas pétreas do regimento interno.

No sábado seguinte, antes de entregar o resultado das provas, ele escreveu na lousa: “No próximo sábado, prova de 2ª chamada para os alunos Engels Medeiros e Simão Pessoa”.

– Esse aviso aqui é o suficiente ou vocês preferem que eu protocole um aviso individual por escrito para cada um de vocês dois? – ironizou.

Não demos nem confiança.

O professor começou a entregar as provas corrigidas dos “traíras”.

Uma carnificina.

O melhor aluno da classe, Sebastião Peixoto, havia obtido a maior nota: 2,25.

Carlos Almeida tirou 1,85. Geraldo Nogueira, 1,75. Joãozinho, 1,50. Reinildo, 1,25. Aldenir, 1,05.

O resto da turma toda estava abaixo dessa última nota, incluindo um portentoso festival de “zeros”.

Eu e Engels rimos tanto do ar de incredulidade e desapontamento na cara dos “traíras”, que quase fomos expulsos da sala pelo professor.

No sábado seguinte, o professor pediu que nós dois ficássemos sentados um ao lado do outro, no fundo da sala, escreveu na lousa um fuderoso problema de ensaio de tração para ser resolvido com base na Lei de Hooke e no Coeficiente de Poisson e cometeu seu maior erro:

– Copiem o problema num caderno a parte e na folha de teste coloquem apenas a resposta. Enquanto vocês resolvem a prova, vamos começar a estudar uma nova matéria. Depois, vocês se virem para aprender o conteúdo de hoje com seus colegas de classe...

Depois de uns cinco minutos, ele apagou o problema da lousa e começou a dar sua nova aula sobre problemas de carregamento térmico, energia de deformação, variação volumétrica e análise elastoplástica, enchendo a lousa de fórmulas esotéricas.

Enquanto isso, a gente tinha quatro horas pela frente para resolver o problema.

Comecei a consultar o livro “Resistência dos Materiais”, do S. P. Timoshenko.

Meia hora depois, cochichei para o Engels:

– Na página 73 do livro do Timoshenko tem a resolução de um problema parecidíssimo com esse que ele passou. Vamos copiar o exemplo do Timoshenko, que esse filho da puta não vai se lembrar do problema que escreveu na lousa. Se ele encasquetar com as nossas respostas, a gente entra de novo no Conselho Superior da Utam e fode ele de vez...

Engels concordou. O sacana sempre foi irresponsável.

Levamos meia hora copiando o problema do Timoshenko e as outras três horas simplesmente embromando.

Eu aproveitei a esbórnia para reler metade do livro “O Lobo das Estepes”, do Herman Hess.

“Como não haveria de ser eu um Lobo da Estepe e um mísero eremita em meio de um mundo cujo objetivo não compartilho, cuja alegria não me diz respeito! (...) Não sei que prazeres e alegrias levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com sua música sufocante e vulgar (...). Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem ar nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível”.

Aquilo, sim, que eu e Engels estávamos aprontando, era só para os loucos, só para os sábios.

Para disfarçar a soberba, só entregamos as nossas provas no final da aula, cinco minutos depois de esgotado o tempo regulamentar.


Eu e Engels Medeiros durante um fuzuê da BICA, no final dos anos 90

No sábado seguinte, o professor nos chamou a sua mesa e nos devolveu as provas corrigidas.

– Parabéns, vocês resolveram o problema direitinho e tiraram dez! – explicou ele. “Mas como vocês estavam fazendo prova em segunda chamada, vou descontar um ponto de cada um. A nota final de vocês é nove!”

Não fizemos qualquer objeção. O resto da “trairagem” simplesmente enlouqueceu de ódio.

O Sebastião Peixoto, por exemplo, queria descontar a diferença no braço.

Ele sabia que a gente havia feito algum tipo de mutreta para obter aquela nota, mas não sabia qual.

E a gente não era louco de contar.

Dei um toque pro Engels:

– Esquece essa matéria, que nós já passamos por antecipação! Na próxima prova, esse filho da puta vai ter que passar um teste mamão com açúcar, caso contrário reprova a classe inteira...

Dito e feito.

Na prova seguinte, o professor passou uma galinha morta: calcular a energia de deformação cisalhante de uma peça submetida ao cisalhamento.

O Sebastião Peixoto tirou dez.

Carlos Almeida, Joãozinho, Reinildo, Geraldo, Aldenir, etc, tiraram nove, nove e meio, nove vírgula sete, por aí.

Eu e Engels, a exemplo da maioria da turma, tiramos sete.

Nós dois agora estávamos com 16 pontos acumulados e nem precisaríamos fazer a terceira prova (a média para não fazer prova final era cinco).

Nosso mais próximo perseguidor era o Sebastião Peixoto com ridículos 12,25 pontos.

Começamos a matar metade das aulas nos dias de sábados.

Sempre que a sirene indicava o intervalo após os dois primeiros tempos, eu e Engels nos mandávamos para a cachoeira do Tarumã, em busca de mulheres e biritas.

Os “traíras” nos olhavam com uma inveja malsã, mas não podiam fazer nada.

Na terceira prova, o professor teve que passar um pudim de côco com chantilly e calda de ameixa porque metade da classe ainda precisava de um “oito” salvador para não fazer a prova final.

Dessa vez, ele pediu que fosse calculado os deslocamentos devido à torção em uma barra de seção circular utilizando como parâmetros o Círculo de Mohr.

O Sebastião Peixoto tirou dez.

Carlos Almeida, Joãozinho, Reinildo, Geraldo, Aldenir, etc, tiraram nove, nove e meio, nove vírgula sete, por aí.

Eu e Engels, a exemplo da maioria da turma, tiramos oito.

Terminamos a matéria empatados em primeiro lugar como os melhores alunos da classe, com 24 pontos acumulados (média oito).

Pela primeira vez na vida, o Sebastião Peixoto amargou um desmoralizante segundo lugar (22,25 pontos acumulados, média 7,4).

Uns dez ou doze alunos (Socorrinha entre eles) tiveram que fazer uma escrotíssima prova final para completar a pontuação faltante, o que já lhes atrapalhou a viagem tradicional no período de férias.

De qualquer forma, faço votos de que essa purgação necessária tenha servido para eles deixarem de ser “traíras”.

Um comentário:

Lúcio M S B Menezes disse...

As histórias e estórias estudantis são inolvidaveis e deliciosas. Bons tempos. Dukacete essa passagem. valeu!!!