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sexta-feira, setembro 09, 2011

Recordando os velhos tempos da Utam (Parte 1)


Colação de grau na Utam, em agosto de 1977: Rui Palmeira, Paulo Saraiva, Reinildo Cunha, Raimundo Campelo Arruda, eu e José Paulino

Março de 1974. Eu havia passado no vestibular da FUA para Licenciatura em Física e estava estudando pela parte da manhã em um prédio histórico na rua Monsenhor Coutinho, nas proximidades do Ideal Clube.

Como era uma turma de “bichos” de Ciências Exatas, acabei fazendo amizade com um estudante de Engenharia, Junior Bandeira de Melo, que era um ano mais velho do que eu e brincalhão o tempo todo.

Seu tipo físico e seu jeito estabanado de ser lembrava muito o do meu velho amigo Luiz Augusto, o “Careca”, do Colégio Batista Ida Nelson.

A matéria que mais nos atraía era ICC (“Introdução a Ciência dos Computadores”), ministrada pelo fabuloso professor Carlos Alberto Tinoco, um dos melhores mestres que já tive.

O boa praça Junior começou a frequentar a minha casa durante a semana, no começo da noite, porque eu passava o dia inteiro trabalhando na Sharp do Brasil.

A gente passava horas discutindo aqueles termos quase esotéricos (álgebra booleana, porta lógica, conjuntos binários, etc) e depois íamos escutar alguns discos de rock.

Em maio daquele ano, fui chamado a sala do diretor de Operações da Sharp do Brasil, um engenheiro paulista chamado Alberto Silva.

O sujeito estava apoplético:

– Que merda é essa de você só estar chegando na empresa por volta do meio dia? – disparou.

– É que pela manhã estou fazendo uma faculdade! – expliquei. “Mas tenho dado conta do meu serviço, o senhor pode perguntar do engenheiro Ali Ahmed e do meu parceiro Engels Medeiros. Se for preciso, eu trabalho até a meia noite...”

– Foda-se a sua faculdade, foda-se o Ali Ahmed, foda-se o Engels Medeiros, foda-se o seu trabalho até a meia noite! – detonou ele. “Eu não estou querendo um engenheiro, estou querendo um técnico de Controle de Qualidade. Se precisasse de um engenheiro, eu contratava em São Paulo e não aqui nessa merda. Negócio seguinte: ou você faz faculdade ou trabalha. Se a partir de amanhã você não chegar às sete da manhã como todo mundo, considere-se demitido. Pode ir embora!”

Saí da sala do arrogante diretor engolindo o choro.

Contei a patifaria para meu chefe, o engenheiro egípcio Ali Ahmed, que tinha por mim um carinho quase paternal.

Ele foi de uma sinceridade cruel:

– Alberto bichona muita filha da puta, muita filha da puta. Manda ela tomar no cu e faz faculdade. Brasil precisa engenheiro. Você novo, arranja bom emprego formado. Eu velho e longe meu país, precisa aguentar abuso de Alberto bichona pra sobreviver. Você não!

Na mesma noite, expliquei a situação pro velho Simão.

Eu mal havia completado dezoito anos, ganhava um bom salário que ajudava nas despesas da casa e ia jogar tudo fora pra voltar a viver de mesada? Aquilo não era vida.

O velho falou que apoiaria a minha decisão.

Aí, casualmente, me mostrou uma página do jornal A Crítica, onde havia o anúncio de um vestibular em julho para uma tal de Utam-Cetic, em que todos os cursos eram noturnos.

Resolvi encarar esse novo desafio e tranquei a minha matrícula na Universidade do Amazonas.

O professor Carlos Alberto Tinoco e o Junior Bandeira de Melo ficaram desapontados com a minha decisão.

Aliás, o Junior ficou tão aborrecido, que nunca mais visitou a minha casa.


O governador Danilo Areosa e o coronel João Walter (à dir.), que o sucedeu no governo. Jornal do Commercio, 23 ago. 1970

A Universidade de Tecnologia da Amazônia (Utam), vinculada ao Centro Tecnológico da Indústria e da Construção (Cetic) era um “tour de force” empreendido pelos dois mais renomados institutos militares da época: Instituto Militar de Engenharia (IME), do Rio de Janeiro, e Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos.

A idealização, criação e implantação da Utam partiu da política educacional e de qualificação de mão de obra do então governador do Amazonas, coronel João Walter de Andrade, que observou a insuficiência de técnicos para atender à demanda imposta pelo Distrito Industrial, quando a maioria das indústrias reclamava por ter de trazer profissionais do sul do país.

Esse processo também contou com a participação dos professores Roosevelt Braga dos Santos, Cônego Walter Gonçalves Nogueira (primeiro reitor), Samuel Hanan, Carlos Alberto Tinoco (primeiro vice reitor) e dos técnicos José Alves de Araújo, Alberto Carrozo, Giralsina Reis e Edson Alves Bandeira, dentre outras personalidades da área educacional.

No seu primeiro vestibular, a Utam oferecia cinco cursos de Engenharia Operacional: Eletrônica e Telecomunicações, Indústria da Madeira, Topografia e Estradas, Mecânica e Construção Civil, cada um deles com 50 vagas.

As aulas eram das 19h às 23h, durante a semana, e das 13h às 17h aos sábados.

A duração do curso era de três anos.

Fiz vestibular pra Eletrônica e Telecomunicações e fui aprovado.

Simone e Silene fizeram vestibular pra Indústria da Madeira e também foram aprovadas.

No primeiro dia de aula, uma boa surpresa: 30% da classe era formada por ex-alunos da minha turma de Eletrotécnica da ETFA e de companheiros de trabalho do Distrito Industrial.

De repente, era como se eu ainda estivesse fazendo o quarto ano do ensino secundário.


Pauderley e Claudia Avelino, uma das filhas do famoso médico Platão Araújo

Da turma da ETFA, estavam Engels Medeiros, Sebastião Peixoto, Pauderley Avelino, Carlos Almeida, Geraldo Nogueira, Reinildo Cunha, Aldenir Alencar e Paulo Saraiva.

Havia mais dois professores da ETFA, nossos contemporâneos: Cyro e Joãozinho.

Do Distrito Industrial estavam Lean Cláudio (Sharp), Rui Palmeira (Philips)e José Paulino (CCE)

Na primeira semana, o primeiro problema.

Os ônibus que se dirigiam ao centro não circulavam na avenida Darcy Vargas, onde ficava a Utam.

Era necessário dar uma pernada até a Constantino Nery, a dois quilômetros de distância, para apanhar um ônibus em direção ao centro e, no terminal da Igreja Matriz, apanhar um segundo ônibus para ir ao bairro de origem.

E isso tudo tinha de ser feito antes da meia-noite, horário em que os coletivos paravam de circular.

Um estudante da nossa classe, moreno, baixinho, meio careca e marrento, falou que iria resolver o problema (a Utam ainda não havia constituído o seu primeiro Diretório Acadêmico).

Uma semana depois, cinco ônibus da empresa Ana Cássia estavam estacionando na frente da Utam, pontualmente às 23h, para levar os alunos ao centro da cidade sem paradas.


O estudante marrento (e hoje meu compadre) era Adalberto de Melo Franco, que ficou conhecido internacionalmente como “Batará”.

Ele havia abandonado o segundo ano de Engenharia Civil na FUA para fazer Engenharia Eletrônica na Ufam.

Nos primeiros anos, a maioria absoluta de professores era formada por militares.

Eu, particularmente, gostava mais dos professores do ITA (bem humorados, versáteis, bons de papo) do que dos professores do IME (turrões, disciplinados, ranzinzas).

Todos eles dominavam com perfeição suas respectivas matérias.

Os professores civis eram simples engenheiros oriundos da Embratel e Telamazon, sem nenhuma experiência acadêmica.

Pior: quase todos exerciam cargos burocráticos nas duas estatais enquanto nós estávamos diariamente metendo a mão na massa, consertando calculadoras, televisores e aparelhos de som no Distrito Industrial.

Eles logo se transformaram em saco de pancadas do universitário Sebastião Peixoto, o melhor aluno da classe desde os tempos de ETFA.

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