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domingo, agosto 05, 2012

Jamaica: cinquentona e bem acesa



Um típico sound system jamaicano dos anos 60: música nas ruas

Na música “Forward march”, Derrick Morgan celebrava, em agosto de 1962, o novo status de seu país, após mais de três séculos como colônia britânica, cantando: “Vamos nos juntar, irmãos e irmãs/ Somos independentes”.

Mas foi o jovem Jimmy Cliff, então com 14 anos, quem conquistou o topo das paradas com “Miss Jamaica”, o primeiro hit daquele período de euforia.

Na letra, carregada de simbolismos, ele comparava a pequena ilha caribenha, de praias paradisíacas, a uma beleza que o mundo iria conhecer: “Embora você não tenha um tamanho fabuloso/ Comparado ao resto do mundo/ Você é do meu tamanho/ É tudo o que eu preciso/ Você é minha Miss Jamaica/ Estou te coroando agora”.


Na próxima segunda-feira, aquela “miss” completa 50 anos, sendo conhecida do mundo não apenas pelas suas belezas naturais, mas também pelo incrível poder da sua música.

Do ska ao ragga, passando pelo enfumaçado dub e pelo seu maior produto de exportação, o reggae, a Jamaica — cujos sons serão celebrados ao longo dos próximos 12 meses em shows, discos e exposições — influenciou decisivamente muito do que se ouviu e do que se ouve no planeta, fertilizando a disco, o rock, o hip-hop, a eletrônica e a MPB.

De quebra, deu ao mundo um dos seus maiores ícones, Bob Marley, de adoração comparável a Elvis Presley e aos Beatles, e cujos discos não param de vender, mesmo após a sua morte, em maio de 1981, de câncer. A compilação “Legend”, de 1984, por exemplo, já vendeu 25 milhões de cópias em todo mundo, tornando-se o maior sucesso da história do reggae.

– É realmente incrível pensar que uma ilha, pequena daquele jeito, tenha tido essa importância para a contemporanidade musical do planeta – diz Gilberto Gil, possivelmente o artista brasileiro mais associado ao reggae e aos ritmos da Jamaica, onde gravou, em 2002, o disco “Kaya n’Gand Daya”. “Mas a cultura musical do país é muito rica. E foi ela que nos deu Bob Marley, um talento extraordinário, um gênio que eu comparo a Tom Jobim e João Gilberto”.


No jubileu da Jamaica, a figura de Marley é lembrada na exposição “Messenger”, em exibição até 22 de outubro, no museu interativo The British Music Experience, em Londres.

A capital inglesa – onde os sons jamaicanos encontraram uma segunda casa – recebe também, durante os Jogos Olímpicos, a Jamaica House e o festival Respect Jamaica 50, ambos na Arena O2, onde até 12 de agosto vão se apresentar DJs como Jah Shaka e David Rodigan e artistas como Lee Perry, U-Roy, Damian Marley e Jimmy Cliff.

– A influência da música jamaicana na Inglaterra é imensa. E, a partir dali, ela se espalha pelo mundo – conta David Katz, autor do livro “Solid foundation: an oral history of reggae”. “Isso remonta aos anos 1960, quando o ska foi adotado pelos mods e, mais tarde, pelos skinheads. Depois, foi Bob Marley conquistando o público do rock e os punks se apaixonando por roots reggae. As conexões se estendem até o lovers rock e à influência dos MCs no surgimento do jungle. É uma união bastante antiga e rica.”

Nas próximas semanas chega às ruas uma série de lançamentos também celebrando a data. A gravadora VP Records vem com “Out of many: 50 years of reggae music”, com três CDs, cada um trazendo um hit de cada ano na Jamaica, de 1962 até 2012.

A Trojan surge com “Freedom sounds: a celebration of Jamaican music”, com cinco CDs.


Mas o pacote mais farto vem da Island Records. A gravadora fundada na Jamaica aparece com “Soundsystem”, caixa de oito CDs acompanhada por um livro de cem páginas.

Os dois últimos lançamentos chegam ao Brasil até o fim do mês, importados pela Universal.

– O reggae continua sendo a maior fonte de inspiração e de orgulho para os jamaicanos – diz Carolyn Cooper, professora da University of West Indies, em Kingston, e autora de livros sobre o assunto como “Sound clash: Jamaican dancehall culture”. “Mas há jovens que não conhecem sua história. Tive um aluno que me confessou só ter descoberto Peter Tosh recentemente. É trágico. O dancehall é o som dos novos tempos, é a música que ecoa junto às novas gerações. Mas há artistas de dancehall, como Queen Ifrica, I-Octane, Romaine Virgo, Etana e Tarrus Riley, que se equilibram entre a modernidade e a tradição roots.”

No Brasil, as conexões com a Jamaica – acionadas pela primeira vez no começo dos anos 1970, por artistas como Caetano Veloso e Jards Macalé – continuam à vista.

Além de notórios relacionamentos – do samba-reggae, na Bahia, ao som das radiolas, no Maranhão – novidades não param de dar na praia.


No Recife, o grupo Ska Maria Pastora, que debutou recentemente com o disco “As margens do Rio Doce”, liga o balanço jamaicano com o frevo, enquanto produtores como Bid vão ainda mais longe, aproximando baião e maracatu do ska e do dancehall, como no disco “Bamba dois”, gravado na ilha, com estrelas locais como Luciano e Sizzla.

– O reggae tem uma divisão rítmica parecida com a do forró, por exemplo. A diferença é que a gente usa triângulo, zabumba e sanfona, e os jamaicanos usam baixo e bateria para a marcação – diz Gil. “Mas são parentes muito próximos.”

Autor de “Não chores mais”, um clássico da fusão Jamaica-Brasil (versão de “No woman, no cry”, de Bob Marley), Gil completa:

– Reggae, ska, afoxé, xote, é tudo uma pulsação só. Lembro da primeira vez que mostrei um reggae para Dominguinhos, em 1975, e ele me respondeu, brincando: “Mas que xotezinho sem-vergonha, Gil”.


Adaptação local para os sound systems caribenhos, onde se dança as “pedras” (sucessos, na gíria local do Maranhão)

São Luís curte o reggae há mais de 30 anos, de um jeito bastante particular. E não há sinais de que essa conexão vá cair.

Na capital maranhense, o ritmo jamaicano ainda é o som da massa, dançado juntinho, seja nas famosas radiolas — adaptações locais para os sound systems caribenhos — ou em bares espalhados pela cidade.

Nas gigantescas caixas, nada de ritmos digitais, como dancehall ou ragga.

O que une os casais é a batida marcada, macia e envolvente do som roots, típico dos anos 1960, como se as duas ilhas tivessem parado no tempo.

Mas há algumas novidades no ar. E uma polêmica também.

Até o começo dos anos 2000, os DJs locais disputavam com ferocidade o privilégio de tocar uma “pedra” (sucesso, na gíria local) com exclusividade.


Para isso, alguns, como Edmílson Tomé, mais conhecido como Serralheiro, uma lenda local, chegavam a viajar até a Jamaica em busca de um compacto.

Era esse o combustível para animar os bailes de radiolas como Voz de Ouro Canarinho e Águia do Som.

Com as facilidades obtidas pelos avanços tecnológicos, o cenário mudou um pouco.

Agora, o que os novos DJs tocam, em seus laptops, são produções feitas em estúdios locais, com a ajuda de bases eletrônicas, o chamado “robozinho”.

É o que se escuta na domingueira Chama-Maré, realizada na beira da praia da Ponta d’Areia, frequentada por um público mais “classe média”, como explica Fauzi Beydoun, DJ e cantor do grupo Tribo de Jah, mas não o que rola em bares de “resistência” como o Kingston 777, na periferia da cidade, comandado pelo DJ Jr Black, que só toca vinil.

– O robozinho é um som muito repetitivo, por causa das programações eletrônicas, e às vezes soa artificial. Aí surgiu esse movimento de resistência, e hoje há dezenas de bares pela cidade tocando sons mais orgânicos – conta Beydoun. “A única coisa que não mudou em São Luís é que o reggae continua sendo o som do povão, a forma de lazer mais barata, a identidade cultural da cidade.”


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