Ebert Vêncio
Da revista
Bula
“Vem, novinha, delícia
do papai! Que as mina tudo pira do jeito que o papai faz...”
(hit da música sertaneja)
A juventude compreende um período da vida deveras melindroso
para o desenvolvimento psicossocial de um indivíduo. Quando se é jovem, nada
parece impossível, inalcançável, nem mesmo os sonhos mais bestas. É fato: a
mocidade está mais para poesia que prosa. Que o digam as musas e seus vates
devotados. Houve uma época em que tive cabelos, e rimei muito amor com dor.
Hoje, a lira foge dos meus pensamentos como o Tiago foge da cruz (Tiago é o meu
vizinho ateu).
Há quase sempre muita energia vital para as atividades
físicas, como esportes, pancadarias e sexo. Provocado pela efervescência dos
hormônios, o cérebro juvenil funciona a mil por hora. Vive-se o apogeu da
irreverência e do potencial criativo. Penando na adultícia, na chatice das
encrencas cotidianas, gozando de irrisório élan, o máximo que conseguimos é
enxergar, através do espelho retrovisor do tempo, o melhor de nós incrustado no
passado longínquo. “Nossa... Éramos tão lindos e atirados...”. Dá até vontade
de chorar ao idealizarmos fontes da eterna juventude.
Por causa da impetuosidade, outra característica do mancebo
é supor que já saiba tudo. Esta convicção de semideus torna-o arrogante por
natureza. Tenho um dileto amigo que hoje trabalha como Juiz de Direito. Antes
de adentrar a magistratura, penou, ao longo de três anos, como Delegado de
Polícia no interiorzão do Estado. Naqueles idos ainda guardava uma cara de
menino.
Empolgado com a nova profissão, sentindo-se o John Wayne do
pedaço, uma das primeiras e mais impopulares medidas que o inexperiente e
jovial delegado tomou foi lacrar o prostíbulo da cidadezinha.
Na manhã seguinte, antes mesmo que o sino anunciasse a Missa
das Onze, uma comissão extraoficial formada pela dona do cabaré, o prefeito, o
secretário de finanças do município, dois ou três vereadores, um padre, dentre
outros ilibados pais de família da pequena comunidade, foi-se haver com o
insurgido delegado.
A turma reivindicava a reabertura imediata do
estabelecimento, verdadeiro parque de diversões para os homens adultos, e que
proporcionava aos moradores daquele lugarejo lazer inarredável, considerando-se
a evidente escassez de opções. Era missa, novena, futebol, quermesse, cabaré...
Não passava disso. De tão pacatas, as cidades interioranas, às vezes, conduzem
seus cidadãos a desejos interiores incômodos, quando não, inconfessáveis.
Intrigado com a inusitada reação em cadeia, o mandatário mor
da cadeia amoleceu e disse que seria autorizada a reintegração do covil, desde
que as “di-menor” fossem retiradas do local. Drogas também não as permitiria
(exceto, as músicas bregas com três acordes de péssima qualidade), nem fodendo
(afoito, assoberbabo, inexperiente com as palavras, desapercebido ele fazia uma
desagradável analogia com a fodelança).
Mesmo com engenhosos argumentos em contrário, a ressaltarem
que as meninas, apesar da tenra idade, já operavam barbaridade na putaria e na
libidinagem por longa data, o jovem xerife não cedeu às pressões da comitiva
pró-prostíbulo, reiterando as suas condições para liberar a atividade. O pacto
foi selado e todos comemoraram o bom senso do jovem doutor delegado, brindando
com o licor de jenipapo trazido pelo pároco. Nos dizeres do religioso, era o
Cronista Universal escrevendo certo com as letras tortas.
Uma estória puxa outra e uma crônica se constrói com
puxadinhos. Por conta disso, às vezes, o texto vira muquifo. Já fui acusado de
escrever muitos textos desconexos. Ainda assim, prossigamos neste arriscado
enredo.
Há poucos dias, o Supremo Tribunal de Justiça retrocedeu na
decisão que inocentava um sujeito acusado do estupro contra três meninas de 12
anos de idade. Anteriormente, sob a alegação da defesa de que o homem fizera
sexo após o consentimento do suposto trio de putas infanto-juvenis (não foi eu
quem disse isto; foi um homem vestindo beca), o STJ livrara o acusado.
Houve uma saraivada de manifestações indignadas tanto no
Brasil quanto no exterior. Até a complacente ONU chiou. O esperneio certamente
colocou juízo na cabeça dos juízes, que tomaram tento ao retroagirem na
decisão.
Não entendo muito bem de cabarés, muito menos de leis. Mas,
não é preciso ser um delegado de polícia em início de carreira para constatar
que um homem adulto, ao despejar suas sementinhas (mais conhecidas como sêmen
ou porra) nas delgadas grutinhas de amor daquelas crianças (anatomicamente
denominadas vaginas), mesmo com seus consentimentos auferidos à base de moedas,
agrados ou guloseimas, esteja, na verdade, cometendo uma atrocidade das mais
abjetas que se tem notícia.
Não sei. A humanidade vive fases e fezes. A história está aí
à disposição de todos os interessados em compreender um pouquinho da complexa e
enigmática mente humana. Por exemplo, meu septuagenário pai conta que a sua avó
fora entregue pelo pai a um noivo desconhecido, ainda aos 12 anos de idade, e
demorara cerca de trintas dias até permitir ser tocada e desfrutada pelo
marmanjo que já contava 34. Moraram juntos durante anos numa casinha de sapé na
zona rural. Provavelmente felizes para sempre. Vá entender cabeça de gente...
Entretida com brincadeiras infantis no quintal, minha bisavó
levou ene bordoadas do esposo, quando este chegava exausto dos brutos lides da
roça, e não encontrava o almoço ainda pronto. Apanhou até aprender que já não
era mais uma criança, embora a fantasia insistisse em fazer morada na sua
cabeça. Tiveram catorze filhos: uns vivos, outros mortos; uns nascidos com a
parteira, outros com o adjutório do próprio marido.
Como aos bois carreiros, o Homem é movido a ferrão, e carece
ser estimulado para reagir. Se ninguém tivesse reclamado, possivelmente o meu
amigo, ex-delegado novinho, jamais seria demovido (em parte) da sua decisão em
interditar o prostíbulo, poupando as menininhas (frutas verdes amadurecidas à
força) do desejo incontido daqueles homens de família por vaginas novatas.
Da mesma forma, se a mídia não desse o grito, a justiça
brasileira talvez cometesse mais uma de suas injustiças, ao passar as mãos na
cabeça de um pedófilo convincente (“Vá em paz, mas não repita mais essas
atrocidades, viu meu filho?!”) sem que ninguém se apercebesse.
Se a minha bisavó ainda fosse viva, talvez achasse toda esta
zorra uma coisa mais do que normal. Acostumada à miséria existencial, ela diria
que “a vida é ruim assim mesmo, meu fio. Só Jesus na causa...”. E abrandaríamos
sobremaneira os nossos dilemas brindando com licores de jenipapo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário