Pesquisar este blog

sexta-feira, agosto 24, 2012

O Artur Neto que eu conheço (2)



A Passeata dos Cem Mil, realizada em 26 de junho de 1968, é considerada a manifestação popular mais importante da resistência contra a ditadura militar.

Ela marca o ponto alto do movimento estudantil e o início de sua derrocada.

“As manifestações contra os militares ganharam outra dimensão a partir morte do estudante Edson Luís Lima Souto”, afirma Paulo de Tarso, um dos estudantes envolvidos no sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick no ano seguinte.


Nascido em Belém do Pará, Edson foi baleado pela polícia no dia 28 de março de 1968, aos 18 anos, enquanto jantava no restaurante Calabouço, que atendia estudantes de baixa renda vindos de outros estados.

“A partir de então, os estudantes se mobilizaram de vez”, afirma Tarso.

Em junho de 1968, o movimento estudantil começou a organizar um número cada vez maior de manifestações públicas.

No dia 18, uma passeata, que terminou no Palácio da Cultura, também no Rio, foi reprimida pela polícia.


O resultado foi a prisão do líder estudantil Jean Marc von der Weid, ex-militante da Ação Popular e hoje diretor de uma ONG de agricultura alternativa.

No dia seguinte, o movimento se reuniu na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para organizar novos protestos e pedir a libertação de Jean e de outros alunos presos.

“Levamos coquetel molotov, pedra, bastões”, lembra Vladimir Palmeira, um dos principais líderes daquele movimento.

Mas o resultado foi a detenção de 300 estudantes ao final da assembleia.

Algumas dezenas deles saíram correndo, indo refugiar-se no campo do Botafogo, ali perto.

Parte da imprensa foi atrás e registrou cenas chocantes, com os policiais militares espancando e humilhando estudantes desarmados e deitados no gramado.

Os jornais do dia seguinte mostrariam fotos de PMs urinando em cima dos rapazes e enfiando cassetetes nos traseiros das moças.

Dois dias depois, alguns universitários foram recebidos com violência pela polícia em uma passeata que terminou em frente à embaixada norte-americana.


A reação dos estudantes, que surpreendeu os meganhas, gerou uma batalha campal de mais de sete horas e terminou com 28 mortos, centenas de feridos, mil presos e 15 viaturas da polícia incendiadas.

Aquele dia ficou conhecido como “Sexta-Feira Sangrenta”.

Diferente da letargia conformista dos dias de hoje, a classe estudantil, em 1968, simbolizava o mais belo estandarte de luta que se empunhava contra a Ditadura Militar.

No embalo dos acontecimentos de maio, em Paris, que acendeu o pavio da revolta estudantil no mundo inteiro, aqui também tivemos as nossas barricadas de Nanterre, levantadas na Avenida Rio Branco e nas ruas México e Graça Aranha, no centro do Rio de Janeiro.

Logo depois das 13 horas do dia 21 de junho de 1968, sexta-feira, os fatos se precipitaram num desesperante torvelinho de violência.

Os ânimos, sobrecarregados pela repressão oficial de três dias, uniram populares e estudantes que avançaram contra os batalhões da polícia.


O centro do Rio se transformou num original cenário de batalha, com gente correndo em todas as direções.

Em dado momento surge a Cavalaria e depois os batalhões de choque que, passo a passo, vão ocupando a Avenida Rio Branco até encontrar as barricadas.

A polícia, sob a chuva dos mais variados objetos atirados do alto dos edifícios, avança abrindo fogo e ultrapassa a primeira barricada.

Os agentes do DOPS chegam atirando contra os manifestantes, em disparada pela rua, e contra os que se postavam nas janelas dos prédios.


Por volta das 7h da noite, o estudante de Direito Artur Neto e mais seis universitários estavam correndo pela rua da Carioca quando, subitamente, se viram encurralados pela Cavalaria, que vinha a galope de um lado, e pelos agentes do DOPS, que vinham atirando do outro.

De repente, alguém levantou uma pesada porta de ferro no meio do quarteirão e gritou para os estudantes entrarem.

Assim que eles entraram, o sujeito desceu a porta de novo e se posicionou em uma pequena janela gradeada para observar os acontecimentos.

Era o espanhol Juan Rivera, dono do Dancing Avenida, um dos mais famosos espaços boêmios da época.

Armado com um fuzil, um dos meganhas começou a berrar do outro lado da rua:

– Abre a porra dessa porta, espanhol filho da puta, que tu está na minha alça de mira e eu vou te matar!

– Não abro não! Vocês só entram aqui com mandado judicial! – devolveu o espanhol.

– Eu vou contar até três antes de te dar um tiro no meio da cabeça – insistiu o meganha. “Abre logo o caralho dessa porta se não quiser morrer!”

– Pode atirar e me matar! Essa porta só abre por dentro! Se vocês me matarem, aí é que não vão conseguir entrar mesmo! – avisou o espanhol, sem demonstrar nenhum sinal de medo.

Os meganhas dispararam mais meia dúzia de xingamentos e, após uns cinco minutos, foram embora.

Dentro da boate, os estudantes estavam quase em estado de choque.

O espanhol começou a conversar com eles.

– Quando as dançarinas começarem a chegar, eu vou lá fora dar uma olhada. Se a barra estiver limpa, eu deixo vocês saírem...

Aos poucos, para desanuviar o clima, o espanhol contou sua história.


Ele era ex-oficial do Exército e havia participado da Guerra Civil espanhola ao lado dos republicanos.

Para quem não sabe, a Guerra Civil espanhola (1936-39) foi o acontecimento mais traumático que ocorreu antes da 2ª Guerra Mundial.

Nela estiveram presentes todos os elementos militares e ideológicos que marcaram o século 20.

De um lado se posicionaram as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas as classes e instituições tradicionais da Espanha (o Exército, a Igreja e o Latifúndio) e do outro a Frente Popular que formava o Governo Republicano, representando os sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia.

Para a Direita espanhola tratava-se de uma Cruzada para livrar o país da influência comunista e da franco-maçonaria e restabelecer os valores da Espanha tradicional, autoritária e católica.

Para tanto era preciso esmagar a República, que havia sido proclamada em 1931, com a queda da monarquia.

Para as Esquerdas era preciso dar um basta ao avanço do fascismo que já havia conquistado Itália (em 1922), a Alemanha (em 1933) e a Áustria (em 1934).

Segundo as decisões da Internacional Comunista, de 1935, as Esquerdas deveriam aproximar-se dos partidos democráticos de classe média e formarem uma Frente Popular para enfrentar a maré de vitorias nazi-fascistas.

Desta forma socialistas, comunistas (stalinistas e troskistas), anarquistas e democratas liberais deveriam unir-se para chegar e inverter a tendência mundial favorável aos regimes direitistas.

Foi justamente esse conteúdo, de amplo enfrentamento ideológico, que fez com que a Guerra Civil deixasse de ser um acontecimento puramente espanhol para tornar-se numa prova de fogo entre forças que disputavam a hegemonia do mundo.

Nela envolveram-se a Alemanha nazista e a Itália fascista, que apoiavam o golpe do General Franco e a União Soviética que solidarizou-se com o governo Republicano.

A República perdeu e o fascismo triunfou mais uma vez.

Fugindo da ditadura franquista, Juan Rivera havia vindo parar na Argentina e, depois, no Brasil.


Por volta das 10h da noite, o espanhol saiu da boate, conferiu que o caminho estava limpo e autorizou os moleques a deixarem o recinto.

Uma das universitárias não resistiu:

– Muito me admira que o senhor tenha toda essa coragem de enfrentar a repressão, tenha participado da guerra civil espanhola e viva hoje da exploração de mulheres, em vez de procurar um trabalho decente...

O espanhol subiu nas tamancas:

– Minha filha, assim você está me ofendendo! – avisou. “Eu não sou um gigolô e o Dancing Avenida não é um puteiro. As meninas que trabalham aqui apenas dançam com os clientes. Existem muitos homens solitários no Rio de Janeiro e aqui ele encontrarm um ambiente pacato para se divertir um pouco e espantar a tristeza. Se as meninas vão transar com eles, é daqui pra fora. Muitas das minhas dançarinas são mães de família. O trabalho de taxi-dancing é tão honesto quanto qualquer outro!

Aí, virando-se para Artur Neto, encerrou a conversa:

– Meu filho, nós perdemos a guerra lá e vocês também vão perder essa guerra aqui! – explicou o espanhol. “Mas isso não nos impede de continuar lutando porque é isso que diferencia os homens dos meninos!”

Artur Neto nunca mais esqueceu essas sábias palavras e, por isso mesmo, se transformou em um autêntico lutador, contra tudo e contra todos, para realizar essa utopia de construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Tenho muito orgulho de ser seu amigo e também de compartilhar, ainda que modestamente, dessa nobre tarefa.


O escritor Zuenir Ventura, ao registrar a memória daquele fatídico dia 21 de junho, no seu livro “1968 – O Ano Que Não Terminou”, relata que:

Ao contrário do movimento francês, não se lutava no Brasil contra abstrações como a “sociedade de opulência ou a “unidimensionalidade da sociedade burguesa”, mas contra uma ditadura de carne, osso e muita disposição para reagir.

As barricadas de Paris talvez não tenham causado tantos feridos quanto a “sexta-feira sangrenta” do Rio, para citar apenas um dia de uma semana que ainda teve uma quinta e uma quarta quase tão violentas.(…)

Durante quase dez horas, o povo lutou contra a polícia nas ruas, com paus e pedras, e do alto dos edifícios, jogando garrafas, cinzeiros, cadeiras, vasos de flores e até uma máquina de escrever.

O saldo doloroso dos fatos ocorridos na “sexta-feira sangrenta” deixou uma declarada indignação entre estudantes, intelectuais e em muitas categorias profissionais da população carioca. Como conter tanta revolta? Aquilo não poderia ficar por isso mesmo.


Artistas, jornalistas, escritores, professores começaram a articular alguma forma de manifestação que lavasse a alma de tantos ofendidos. Naquela mesma noite algumas reuniões paralelas foram feitas e nelas protagonizaram as idéias de Ferreira Gullar, Gláuber Rocha, Arnaldo Jabor, Hélio Pellegrino, Cacá Diegues, Luís Carlos Barreto, Ziraldo e outros.

Na manhã seguinte, no Salão Nobre do Palácio Guanabara, o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino, a frente de 300 intelectuais, entre os quais Oscar Niemeyer, Clarice Lispector, Paulo Autran, Tônia Carrero, Milton Nascimento, Nara Leão, etc., solicitava ao Governador Negrão de Lima a autorização oficial para realizar uma passeata pacífica, no centro do Rio, sem a presença dos policiais na rua.

Depois de uma longa e difícil negociação, em que foi exigida, também, a libertação de presos políticos – numa referência ao diretor de teatro Flávio Rangel e ao arquiteto Bernardo Figueiredo – o Governador, esmagado pela argumentação de Pellegrino, concordou em liberar a passeata.

Na quarta-feira, 26 de junho de 1968, depois de três dias de tensas negociações com autoridades municipais e federais pela segurança do trajeto, o Rio de Janeiro iria assistir uma das maiores, senão a maior, manifestação popular de sua história: A Passeata dos Cem Mil.”


NOTA DO EDITOR DO MOCÓ


Nas duas primeiras décadas do século passado brilhavam no Rio de Janeiro, então capital federal, os cabarés, copiados de modelos parisienses.

Entre eles, destacava-se o Assirius, onde se apresentavam Pixinguinha e os Oito Batutas.

No começo da década de 30 apareceram no Rio outras modalidades de danças noturnas, como as escolas de danças onde, efetivamente, se aprendia a bailar em salão (famosíssima era a do Breno Machado, no alto do atual Cinema Palácio).

A outra modalidade foi o dancing, presumivelmente introduzido no Brasil por um espanhol ou argentino (ele se recusava a falar sobre as suas origens) de nome Antônio, que na época fundou na Praça Tiradentes o Samba Dança, primeira casa de taxi-girls que a cidade conheceu.


“Seu” Antônio vinha de Buenos Aires, de onde deve ter trazido o sistema que estabeleceu a primeira e definitiva distinção entre cabaré e dancing: o cartão a ser perfurado pelo cliente a cada rodada de dança. 

A cada furo correspondia uma quantia em dinheiro. Parte para a casa, parte para a taxi-girl.

Outra diferença é que nos cabarés as damas eram livres para aceitar ou recusar cavalheiros.

Se aceitavam participar de uma mesa como “convidadas”, tinham como obrigação e função principal – pelo menos dentro do cabaré – aumentar o consumo de bebida.

Em particular do champanha, que rolava farta naquelas épocas românticas.

Convidada, a dama era exclusividade do cavalheiro ou da mesa pela noite toda.

No dancing, as taxi-girls eram damas que tinham que dançar com qualquer um, e era-lhes vedado sentar-se às mesas sozinhas ou com fregueses.

Essa característica foi mantida até o fim.

As taxi-girls também não podiam recusar qualquer cavalheiro.

O ambiente era, porém, discreto: luz branda, lusco-fusco.

Não se permitiam libertinagens entre os frequentadores nem entre cliente e taxi-girls.

E havia mulheres tão requisitadas para dançar que trabalhavam com mais de um cartão (no fim da sua existência, os dancings, às vezes, não tinham clientes para perfurar sequer meio cartão).

Usar traje esporte era mais do que sacrilégio: classificava-se como desrespeito.

Traje obrigatório para homens: passeio completo.


As mulheres, sempre a rigor, gastando cetins, brilhos, enfeites de cabelos.

Outro dado novo introduzido pelo dancing na vida carioca: não convocavam cantores conhecidos para se apresentar.

Os cantores chegavam às salas como componentes de orquestras – crooners – e daí partiam para o profissionalismo, para o disco, quando o talento ou sorte ajudava.

Assim começou a carreira de Jamelão, no Brasil Danças.

Havia quem fosse ao Brasil Danças para ouvir os cantores e dançar.

Outros, apenas para ouvir músicos como Pixinguinha, João da Baiana, Benedito Lacerda, Vidraça, que lá trabalhavam com regularidade.

Era uma boemia que começava no Café Nice, passava pela Galeria Cruzeiro (atual Edifício Avenida Central), e aí expandia-se, de terno e gravata, até o Brasil Danças ou o Dancing Avenida.

Esse Rio de Janeiro não existe mais.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não perca essa sobre as eleições em manaus: http://youtu.be/0zGwGS1DlIw