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quarta-feira, fevereiro 07, 2018

Algumas curiosidades sobre o Carnaval no Rio de Janeiro


A origem do carnaval carioca está nos entrudos promovidos por colonos portugueses, no século XVIII. As pessoas saíam às ruas jogando pó-de-arroz e perfume umas nas outras, sem nenhuma ordenação. Essa festa continuou acontecendo por muito tempo, e está aí a origem dos blocos carnavalescos.

Em 1835, o carnaval passou a ser comemorado pela elite carioca, em bailes de máscaras no Hotel Itália. O parâmetro para essas festas, conhecidas como Sociedades Carnavalescas, era a sociedade parisiense.

Em 1855, a cidade presenciou seu primeiro desfile de Carnaval, feito por um grupo de intelectuais auto-denominado “Congresso das Sumidades Carnavalescas”. Até Dom Pedro II assistiu ao desfile.

O desfile de blocos de rua durante o Carnaval carioca foi autorizado pela política em 1889.

No final da década de 1920, alguns blocos de carnaval começaram a se organizar, dando origem às primeiras escolas de samba.

De 1930 a 1944, o Carnaval era festejado na Praça Onze, por muitos considerada o “berço do samba”. Nesse ano, ela foi demolida para dar lugar à Avenida Presidente Vargas, que foi palco da festa até a inauguração do Sambódromo, em 1984.

O primeiro desfile de escolas de samba organizado no Rio de Janeiro aconteceu em 1932. Cada escola podia apresentar até três sambas e a campeã foi a Mangueira.

A grande fama das escolas de samba carioca, entretanto, só veio nos anos 50, quando intelectuais passaram a se interessar por cultura popular e pelo “folclore” do carnaval, levando os desfiles à classe média.

A folia carioca está no Guinness Book: é o maior Carnaval do mundo!

Apesar de a festa carioca ter raízes antigas, foi somente em 1963 que ela entrou para o calendário turístico da cidade. O que motivou a oficialização do Carnaval carioca foi o histórico desfile do Salgueiro com o samba-enredo Chica da Silva.

Foi na gestão de Roberto Paulino, biênio 60/62, na Mangueira, que foi criada a Ala das Baianas com as características atuais. Eram 125 baianas coordenadas por D. Neuma. Foi no desfile das campeãs em 1970, quando o presidente era Juvenal Lopes que a mais famosa baiana da Mangueira Nair Pequena, morreu em plena avenida, quando a escola cantava o samba de enredo “Um Cântico a Natureza”.

No carnaval de 1972, a Império Serrano com o enredo “Alô, Alô, Tai Carmem Miranda” chegou com suas alegorias praticamente nuas na concentração, deixando os componentes da escola, tristes e preocupados. De repente, Fernando Pinto, o carnavalesco, foi montando folhagens, bichos e coqueiros que estavam embrulhados em plásticos, transformando os esqueletos das alegorias em uma deslumbrante floresta. Era o gênio de Fernando Pinto que começava a despontar. A escola de samba Império Serrano foi campeã com um carnaval que ninguém se esqueceu até hoje.

Em 1969, quando Fernando Pamplona anunciou que o enredo era “Bahia de Todos os Deuses”, os salgueirenses ficaram preocupados. Havia crença geral que o carnaval sobre a Bahia dava azar, pois todas as escolas que tinham feito carnavais a respeito do tema não haviam conseguido passar do 3° lugar. Inclusive o Salgueiro, em 1954, ficou nessa posição com “Uma romaria à Bahia”. A coisa piorou ainda mais quando foi determinado que a escola ia se formar do lado direito da Candelária, que, segundo os sambistas, também dava azar. Contra todos os prognósticos pessimistas Salgueiro foi campeão nesse ano.

Dagmar, esposa de Nozinho, irmão de Natal da Portela, foi a primeira mulher a tocar surdo numa bateria de escola de samba.

Num desfile da Azul e Branca denominado “Noite de São Silvestre” promovido pelo jornal “A Manhã” na noite de 31 de dezembro de 1949, a pastora Finoca, em adiantado estado de gestação não deu ouvidos às ponderações de sua mãe Adelaide, também sambista, e as do marido Nunes e desceu para o desfile. Na madrugada de 1º de janeiro de 1950, a escola partiu da Praça Onze para o Obelisco. Na altura da rua D. Gerardo, Finoca começou a sentir os primeiros sintomas do parto. Sentou-se no meio fio encostou a cabeça no poste e chamou o repórter Aroldo Bonifácio para acionar uma ambulância. O jornalista, ao tentar sair, para procurar um telefone foi seguro por Finoca que havia piorado. Não houve jeito. Nasceu a criança sob a assistência apavorada do jornalista. A menina ganhou o nome de Adelaidinha se tornando depois uma famosa passista.

O famoso “Tablado”, local onde as escolas de samba desfilaram, de 1952 a 1956 tinha 1 (um) metro de altura e cerca de 60 metros de extensão. O “Tablado” ficava na Av. Presidente Vargas, entre as ruas Uruguaiana e Av. Rio Branco, em frente à Escola Pública Rivadávia Correa. As escolas de samba desfilavam no sentido Av. Passos – Candelária.

A ala de baianas na década de 30 era formada, quase exclusivamente, por homens que saiam nas laterais das escolas, portando navalhas presas as pernas para defenderem as agremiações em caso de brigas.

Desde 1996, os enredos das escolas de samba vêm assumindo o formato de “Projetos Culturais” elaborados por especialistas. A necessidade de seduzir patrocinadores determinou o aparecimento de enredos capazes de proporcionar retornos financeiros. Segundo alguns dirigentes de escolas de samba, os enredos orientados nesse sentido são uma saída para abaterem os custos cada vez mais altos dos carnavais.

No carnaval de 1996 cerca de 20% dos componentes de Escolas de Samba como a Imperatriz Leopoldinense, Portela e Mocidade Independente vieram de estados como São Paulo e Minas Gerais.

Sabino Barroso, um dos arquitetos que fez o projeto da quadra da Mangueira, é um exímio pandeirista. Tocou durante seis anos na bateria da Mangueira. Segundo Sabino o mestre Waldomiro gostava do pandeiro na bateria (havia poucos pandeiristas), pois dava um tom leve ao conjunto. Mas, uma coisa é o pandeirista que dá exibição, outra é o que sai na bateria.

Paulinho do Ouro, um dos mais eficientes administradores de barracão de escola de samba, diz: “Trabalho por terceirização com turmas de no máximo 50 pessoas e todo planejamento é feito por etapas”. Ao se concluir uma etapa, entra outra, de forma que no final do carnaval não fica o corre-corre tão comum dos últimos dias dos preparativos quando cerca de 200 pessoas se acotovelam nos barracões das escolas de samba trabalhando dia e noite.

Irênio Delegado, jornalista, foi quem levou as classes sociais mais privilegiadas para assistirem aos ensaios das escolas de samba. O fato se deu em 1948. Foi organizada uma grande programação para o lançamento de um refrigerante na Serrinha. Nesse dia veio uma comitiva de 30 pessoas importantes de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre elas o diretor da Rádio Nacional, Victor Costa. Em continuidade várias festas foram planejadas com o apoio dos jornais A Noite e A Manhã. Depois as festividades foram estendidas para a Portela, Aprendizes de Lucas e Azul e Branco do Salgueiro.  A Império Serrano deixou de dar ensaios na Serrinha e veio para o Madureira Tênis Clube.  O “high society” começou a chegar e a partir da segunda metade da década de 60 tornou-se um modismo ir à quadra das escolas de samba.

Uma das alegorias consideradas mais bonitas, verdadeira obra de arte foi a “Yemanjá”, confeccionada, para o carnaval de 1969, por Arlindo Rodrigues, toda em “papier-machê” prateada. A “Yemanjá” estava sentada num mar de rosas pratas, com diversas oferendas e cercando-a uma cascata feita por pequenos e numerosos espelhos que com o toque da luz do sol deu o efeito tão desejado pelo artista. Naquele ano, o Salgueiro iniciou seu desfile por volta de 11h, do dia, com um céu de brigadeiro.

A Império Serrano, na década de 50, recebia, em sua sede e terreiro de ensaios, no final da rua Balaiada, um dos pontos mais alto do morro da Serrinha (para chegar à sede se subia por uma estreita escada, cavada no barro), turistas e personalidades (fato inédito) oferecendo a famosa Ceia do Samba. Entre os visitantes ilustres que foram à Serrinha, citamos o Prefeito da cidade, a cantora Marlene, o locutor Manuel Costa, entre outros. Um forte temporal que caiu na cidade em 1958 fez ruir a velha sede acabando com um dos mais tradicionais costumes do samba.

Rubem Barcelos, famoso compositor do Estácio, incentivador de blocos, morreu no dia 17 de junho de 1927, com uma hemoptise galopante (tuberculose) não vendo a primeira escola de samba do Rio, a Deixa-Falar, que ajudou a fundar, desfilar.

O compositor do Salgueiro, Djalma Sabiá, autor de um dos mais belos sambas de enredo de todos os tempos, chamado “Navio Negreiro”, é o inventor da bebida “batida leite de onça”.

De 1958 a 1962, a Coca-Cola Refrescos e o jornal Última Hora, patrocinaram um desfile extra, antes do carnaval (realizou-se na Praça 7 e no Campo do Fluminense). A iniciativa não se repetiu.

Foi Nelson de Andrade, ex-presidente de Salgueiro e da Portela, o autor do lema usado até hoje pela escola Vermelho e Branco da Tijuca, ” nem melhor, nem pior, apenas uma escola diferente”.

O público que assistia em 1958, aos desfiles das escolas de samba, na Av. Rio Branco, comprimido por uma corda de aço que margeava as calçadas, alugava caixotes de madeira a CR$ 5,00 (cinco cruzeiros).

Em 1959, pela primeira vez contrariando uma norma do regulamento dos desfiles, o Salgueiro não usou as tradicionais cordas. Daí em diante, caiu a obrigatoriedade das cordas envolvendo toda a escola de samba.

Em 1959, o desfile das escolas de samba estava atrasado mais de 4 h, porque a Unidos de Bangu não queria entrar devido a um defeito em de seus carros alegóricos. A segunda escola a desfilar, a Aprendizes de Lucas se recusou a substitui-la. Para resolver o impasse Nelson de Andrade, então presidente do Salgueiro, em homenagem ao povo, resolveu abrir o desfile. Nesse mesmo ano o Salgueiro foi a Cuba e desfilou na inauguração de Brasília.

A região do Estácio, morada de artífices, operários e biscateiros, vizinho do São Carlos era um ponto natural de encontro, convergência de malandros alguns deles excelentes sambistas. Exatamente por isso, tem uma história importante no samba. Os botequins do Estácio, sobretudo, os do “Compadre” e “Apolo”, eram frequentados pelos bambas que fundaram a primeira escola de samba.

O surgimento da primeira escola de samba, a Deixa Falar, coincidiu com a implantação da gravação elétrica no Brasil, responsável pelo impulso ao mercado do disco.

O decreto-Lei estadual que designa o dia 2 de dezembro como o Dia Nacional do Samba é de autoria do deputado Frota Aguiar. O fato se deu durante o 1º Congresso Nacional do Samba.

Em 1961, o Sr. Victor Bouças, então diretor do Departamento de Turismo criou o “júri-móvel”, uma carreta onde se instalava a Comissão Julgadora e que devia circular enquanto a escola desfilava. A “engenhoca” não funcionou e o júri permaneceu fixo. Nesse mesmo ano, o Sr. Victor Bouças propôs que o desfile das escolas de samba fosse realizado no Maracanã, pois a Av. Rio Branco já não comportava o crescimento das agremiações. Em 1962 as escolas fizeram o último desfile na Av. Rio Branco, indo para a Candelária (Av. Presidente Vargas).

Em 1983, a escola de samba Caprichosos dos Pilares que estava no grupo especial com o enredo “Um Cardápio à Brasileira”, desfilou às escuras na Passarela do Samba durante cerca de uma hora, pois faltou luz. A escola continuou o desfile, porém na abertura dos envelopes, as notas não foram computadas. A escola de Pilares foi mantida no Grupo Especial. Fato semelhante aconteceu com a escola de samba Santa Cruz em 1992, que também fez seu desfile às escuras. A partir desse incidente o regulamento dos desfiles estabeleceu que na ocorrência de falta de luz as escolas deverão continuar o desfile, mas para valer o julgamento os jurados devem descer das cabines, permanecendo na pista.

A religião, a maldição e o samba portelense


Paulo da Portela (sem chapéu) ao lado de Heitor dos Prazeres

Por Edilson Nascimento

Não é novidade nenhuma para os internautas que religião e samba se dispõem em cruz. Quem nunca participou das festas para São Jorge e São Sebastião com muito samba? Qual a quadra de escola de samba que não tem o seu santo protetor perto da sua bateria e em lugares considerados vulneráveis? Que escola de samba que nunca deu um banho de ervas em sua quadra preparado pelas suas baianas? Qual porta-bandeira não rezou o seu mastro antes de entrar na avenida?

Pois é, este instrumento de confiança chamado religião, através de seus sacerdotes, alimenta a fé de muitos sambistas. Em 1974, ocorreu uma história que colocou os valores espirituais da diretoria de harmonia da nossa querida Portela em xeque.

Natal, saudoso personagem do samba carioca e então presidente da Portela, trouxe o trabalho de seu pai-de-santo. Trabalho feito, não teria para ninguém, a Azul e Branco de Madureira se consagraria campeã. Mas a tal mandinga tinha que ser feita pela harmonia da escola. E aí...

Hiram Araújo, grande historiador e pesquisador da cultura popular samba, era diretor e autor do enredo, “O Mundo Encantado de Pixinguinha?”, escolhido para este Carnaval. Natal o elegeu para realizar este favor, digamos assim, especial:

– Você tem que encher a boca de cachaça e jogar um pouco em cada alegoria!

Hiram, que nunca bebeu uma gota de álcool na vida, ficou espantado e disse que aquela não seria a primeira vez.
Com o tom veemente peculiar, Natal fez-se porta-voz da fúria dos deuses e esbravejou a praga:

– Pois então a Portela vai ficar 30 anos sem ser campeã!

O fato é que, neste ano, a Portela perdeu o Carnaval para o Salgueiro por 1 ponto e justamente no quesito enredo. Será que a praga caiu também sobre Hiram Araújo? Bom, pelo menos, ficou claro que a praga era por 30 anos mesmo. Porque em 2005, um ano depois do período desgraçado, a Águia querida quase foi rebaixada. Faltou muito pouco para que esse episódio lamentável acontecesse.

Uma escola de samba aguerrida, protegida por São Jorge, a azul e branco de Madureira ostenta 21 títulos, como bem diz a letra do samba de Carlinhos Madureira, Café da Portela e Iran Silva: “Olha eu aí, cheguei agora / Cheguei para levantar o seu astral / Posso perder, posso ganhar, isso é normal / Vinte e uma vezes campeã do Carnaval.”

Mas a letra de samba-enredo que melhor expressa o título deste post é a do Carnaval da Azul e Branco de 1984, “Contos de Areia”, letra de Dedão da Portela e Norival Reis: “Bahia é um encanto a mais / Visão de aquarela / E no ABC dos Orixás / Oraniah é Paulo da Portela / Um mundo azul e branco / O deus negro fez nascer / Paulo Benjamim de Oliveira / Fez esse mundo crescer (okê-okê) / Okê-okê, Oxossi / Faz nossa gente sambar / Okê-okê, Natal / Portela é canto no ar / Jogo feito, banca forte / Qual foi o bicho que deu? / Deu águia, símbolo da sorte / Pois vintes vezes venceu / É cheiro de mato / É terra molhada / É Clara Guerreira / Lá vem trovoada / Epa hei, Iansã! Epa hei! / Na ginga do estandarte / Portela derrama arte / Neste enredo sem igual / Faz da vida poesia / E canta sua alegria / Em tempo de carnaval / (Ê Bahia...) / Eis o cortejo irreal, com as maravilhas do mar / Fazendo o meu carnaval, é a vida a brincar / A luz raiou pra clarear a poesia / Num sentimento que desperta na folia (amor, amor ...) / Amor, sorria, ô ô ô, um novo dia despertou / E lá vou eu, pela imensidão do mar / Nessa onda que corta a avenida de espuma, me arrasta a sambar / E lá vou eu, pela imensidão do mar / Nessa onda que corta a avenida de espuma, me arrasta a sambar.”

O 22º título do GRES Portela só veio no ano passado após 33 anos de jejum.

15 filmes que retratam o Carnaval no Brasil


Léa Garcia, a personagem feminina de “Orfeu Negro”

O tempo de folia já começou, e não há nada mais brasileiro que o Carnaval – tanto que diversos filmes nacionais, e alguns internacionais, usaram e ainda usam essa festa regional como pano de fundo. São longas e documentários que enaltecem a diversidade cultural do país, mostrando o lado mais feliz do brasileiro.

Então se você não for pular nos vários bloquinhos e bandas das várias ruas do país, prepare a pipoca e descubra a seguir 15 filmes e documentários que vão te levar para dentro do espírito da maior festa brasileira.

Alô Alô Carnaval (1936) conta as dificuldades dos produtores da revista Banana da Terra em custear a publicação. O elenco traz grandes nomes como Oscarito, Jorge Murad, Francisco Alvez, Lamartine Babo, Almirante e Carmen Miranda.

Favela Dos Meus Amores (1935) foi o primeiro filme que se passou em uma comunidade e contou a história de uma escola de samba. No caso, a homenageada foi a Portela.

Ódiquê? (2004) conta a história de três amigos de classe média que acabam ultrapassando qualquer limite para conseguir dinheiro para passar o Carnaval na Bahia.

Orfeu Negro (1959) adaptou o clássico conto grego de Orfeu e Eurídice para as comunidades do Rio de Janeiro durante a época de Carnaval.

O documentário Damas do Samba (2013) apresenta a história de diversas mulheres – passistas, musas, compositoras, carnavalescas – que foram e ainda são parte importante do Carnaval brasileiro.

É impossível pensar no Carnaval da Bahia sem o Axé Music. E é justamente sobre esse estilo que o documentário Axé: Canto do Povo de Algum Lugar (2017) irá tratar, traçando a história do Axé desde a sua origem até o seu ápice no Carnaval.

Carnaval Atlântida (1952) fala sobre a tentativa de um produtor montar no Brasil um épico grego, mas os planos caminham para um épico carnavalesco – bem mais regional.

Um dos clássicos da Disney já tratou sobre o Carnaval. Em Alô, Amigos! (1942), temos o Zé Carioca, um personagem criado especialmente para o Brasil, que apresenta as terras tupiniquins ao Pato Donald. No filme, vemos várias peculiaridades regionais, como a culinária e os costumes do brasileiro, principalmente da Bahia e do Rio de Janeiro.

Mulheres do Brasil (2006) é uma antologia de diversas histórias que têm mulheres fortes como protagonistas, pintando um retrato de seus estilos de vidas do norte ao sul do país, com direito a muita cultura regional e, claro, carnaval.

Ó, Pai, Ó (2007) se passa em um animado cortiço do Pelourinho, no coração histórico de Salvador, durante o último dia de Carnaval, onde os moradores sobrevivem com base em muita ironia, sensualidade e criatividade.

Orfeu (1999) é uma nova versão do filme de 1959, que além de usar o Carnaval como plano de fundo, aborda questões mais recentes, como o tráfico de drogas.

Sim, até o agente secreto mais conhecido do mundo deu um pulinho no Carnaval do Brasil. Em 007 Contra o Foguete da Morte (1979), James Bond passa por vários países, incluindo o Brasil, com direito a samba, Carnaval e uma grande luta nos cabos do bondinho do Pão de Açúcar.

Trinta (2014) é uma cinebiografia de um dos maiores carnavalescos de todos os tempos, Joãozinho Trinta. A obra é estrelada por Matheus Nachtergaele.

Já no Carnaval de São Paulo e no Rio de Janeiro, o samba é o estilo que está enraizado, e o documentário O Samba (2015) aborda essa relação, usando o cantor Martinho da Vila como plano de fundo.

O Próximo Samba (2017) mostra os bastidores de uma das maiores escolas de samba, a Estação Primeira de Mangueira, que além de tudo é um ícone do samba mundial. Depois de 14 anos sem ganhar um campeonato, o documentário apresenta os primeiros passos até grande vitória, tornando a Mangueira a campeã de 2016, num enredo que homenageava a cantora Maria Bethânia.

Produção de Marisa Monte celebra Portela como escola de vida


Velha Guarda da Portela, o berço do samba

Por José Geraldo Couto

Alguém já disse que o documentário “O Mistério do Samba” (2008) é o nosso “Buena Vista Social Club” (1999). Os dois filmes, de fato, têm muito em comum. Assim como o documentário de Wim Wenders sobre veteranos músicos cubanos, trata-se aqui de reconstruir os passos e laços de toda uma cultura – no caso, a cultura do samba carioca, mais exatamente da Portela, um de seus pilares mais sólidos.

Poucas vezes a expressão “escola de samba” fez tanto sentido. Mais do que recuperar músicos esquecidos, na esteira do que Paulinho da Viola realizara já nos anos 60, o que Marisa Monte e a dupla de cineastas Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda fazem é o registro vivo de uma arte coletiva em perpétuo movimento.

Nesse sentido, um dos momentos mais significativos do filme, e talvez o mais comovente, é aquele em que a quase nonagenária pastora Eunice ensina a um grupo de meninos e meninas os passos do “miudinho”, que ela aprendeu diretamente com Paulo da Portela (1901-1949), fundador e figura mítica da escola.

Na fala mansa de Eunice há nostalgia, mas também um humor gaiato e sensual. Entre ela e as crianças, passaram-se várias gerações de sambistas fabulosos, e é o amoroso fio condutor entre eles que o filme reconstitui com reverência e delicadeza.

Dois dos mais veteranos – Argemiro Patrocínio e Jair do Cavaquinho – morreram depois das filmagens, o que torna ainda mais preciosos os seus depoimentos lúcidos e bem-humorados, tanto quanto o registro de seu canto e sua dança.

A ponte entre a Velha Guarda e Marisa, tanto em termos de geração como de formação, é feita pelo sempre simpático e luminoso Paulinho da Viola.

É numa conversa entre os dois que a cantora explicita o que a levou a buscar a Velha Guarda: “Eu sentia que o mundo poderia ser melhor com esses sambas”.

Outra passagem extraordinária, porque ditada pelo acaso, é aquela em que uma senhora vem pela rua com sua sacola de compras e, ao ouvir o samba que rola na quadra da escola, passa a sambar na calçada como uma passista de primeira.

Captar essa interação entre o samba e o ambiente social que o produz é uma das maiores virtudes do documentário.

Outro grande mérito é o de acompanhar os passos de Marisa Monte na tentativa de recuperar composições aparentemente esquecidas.

Com infinita paciência, a cantora conversa com os remanescentes e descendentes da Velha Guarda, puxando de um a lembrança de uma estrofe, de outro a rima de um verso, de outro a história de um refrão.

A cena em que a viúva do grande compositor Manacéa encontra uma gaveta cheia de fitas cassete e letras datilografadas dá ao fato a dimensão de um achado arqueológico, e não é para menos. Há, ali, para usar uma linguagem de samba-enredo, uma riqueza sem igual.

As imagens “atuais” se alternam com material de arquivo e trechos de uma espécie de “making of” do disco que Marisa Monte gravou com a Velha Guarda no final dos anos 90.

É curioso notar, por exemplo, que Monarco se tornou um cantor melhor com a idade, a experiência e a rouquidão. Ou constatar a importância permanente das mulheres: embora não compusessem, eram sempre as pastoras que decidiam se um samba seria adotado ou não pela escola.

O filme, em suma, condensa o que o samba tem de melhor – elegância, sensualidade, paixão –, embalado no manto azul e branco da Portela.

terça-feira, fevereiro 06, 2018

O bullying que mudou minha vida


Por Carlos Castelo

Como alguém vira humorista? Não sei como os outros transformam-se nos bobos da corte da sociedade, mas posso lhes contar o meu processo. Estávamos num ônibus de excursão indo, com colegas da quinta série, para a nossa primeira viagem sem os pais. Rumávamos para a Caverna do Diabo, em Registro, e eu levava 50 cruzeiros no bolso para gastar em comida. O futuro era alvissareiro, o ônibus das meninas viajava na frente do nosso e não havia aula de Educação, Moral e Cívica nas próximas horas.

Excitado, já comi, na ida, todos os sanduíches de carne fria que minha mãe preparara na noite anterior. Ao chegar nas cavernas antes mesmo de aprender o que eram estalagmites e estalagtites, eu já havia devorado o lanche do Moby Dick, do Doriana e do Filé. Só o fato de eu ter nascido num estado seco e miserável explicava aquela voracidade. Tanto que, na volta, usei o dinheiro pra fechar os trabalhos com mais rango.

Na primeira parada, um posto de beira de estrada, ordenei um saco de amendoins Novidades — totalmente murcho — e arrematei com um Chocomilk quente duplo. A teoria Física do “o que vai, volta” foi glosada naquele fim de tarde. 15 minutos após minha entrada no coletivo — quando os coleguinhas cantavam canções feito marinheiros voltando ao seu país de origem — senti a primeira pontada na passarinha. Depois veio aquela bola estranha, que eu não sabia se sairia pela minha boca ou pelo meu esfíncter.

Aproveitei a cantoria para me recolher ao último banco e tentar sossegar a carburação no bucho. A ideia seguinte, quando já estava deitado, foi tentar soltar os gases aprisionados no intestino. Isso talvez fizesse aquela esfera parar de se mover loucamente em minhas entranhas. Decidi então liberar o dióxido de carbono aprisionado e, no instante seguinte, senti o peso de minha decisão em minha bermuda. Eu tinha me dejetado da forma mais espetacular que já vira em minha curta existência. Uma profusão de estalagmites fecais.

Naquela época, minha timidez era proporcional à minha fome. Por isso mantive-me num silêncio sepulcral lá no fundão. Passado um breve tempo, o Doriana comentou com o Cássio: “Cagaram no mundo”.

Mais pragmático, o Cássio ponderou: “Que nada, esse cheiro de carniça deve ter sido alguma vaca que morreu”.

Anoiteceu.

O guia do ônibus pegou uma lanterninha e foi iluminando cada um dos moleques.

“Ronaldo, foi tu?”

“Eu não”.

Ruy?”

“Eu não!”

Quando chegou ao fundo, e me viu naquele estado, gritou ao motorista: “Fonseca, encosta o carro que o Castelo Branco se borrou todo aqui atrás!”
Saí pelo corredor aos berros de “Castelo de Bosta!” e outros impropérios. Mas o pior de tudo foi passar na frente do ônibus das meninas num estado tão deplorável.

O guia era um cearense atarracado. Entrou comigo no mato e foi bem didático: “Castelo, tu pega a tua cuequinha, dobra ela bem dobradinha e joga lá na pqp do mato. Entendeu?”

Eu não dizia nada. Ele repetia, nervoso: “Entendeu? Entendeu? Entendeu?”

Quando o cearense parou seu tatibitate falei num fio de voz: “Entendi. Mas eu não uso cueca”.

Ele chutou uma touceira de capim e desistiu: “Então, vai, anda: volta cagado mesmo pro ônibus!”

Foi o Registro-São Paulo mais inusitado de todos os tempos. Os caras fizeram o trajeto todo com o nariz para fora das janelas. Inclusive o motorista.

Quando voltei à escola no dia seguinte, um professor metido a engraçado me indagou após a chamada: “Então você é o Castelo de bosta que todo mundo está falando?”

Respostei na lata: “Sou. E você é o professor de merda que a escola inteira fala”.

Fui suspenso. Mas, nesse dia, virei humorista.


CARLOS CASTELO é um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. É autor de 10 livros que vão de crônicas a aforismos, passando por um romance policial e um infanto-juvenil. Também escreve crônicas e resenhas sobre livros na revista Bravo! e Ponto (Sesi-SP).

O Carnaval é festa de inclusão social


Por Deonísio da Silva

Todas as sociedades sempre festejavam alguma coisa: a colheita, o nascimento de animais, os casamentos, o nascimento dos filhos, etc.

Os primeiros carnavais, ainda sem este nome, foram realizados entre os anos 600 e 520 a.C. na Grécia antiga, de onde foram trazidos para Roma e adaptados ou mesclados aos festejos pagãos.

Palavras como “sol”, “estrela”, “céu”, ”riqueza” e “felicidade” estão em canções de línguas muito antigas e, traduzidas ou adaptadas, chegaram aos sambas-enredos, depois de longas viagens, repletas de escalas em muitas nações, que tinham culturas diferenciadas e complexas formas de organização.

Nas duas culturas que mais influenciaram as culturas lusófonas, a grega e a latina, as festas carnavalescas davam destaque nas homenagens aos deuses da fertilidade e da produção.

Na Roma antiga, Saturno, deus da agricultura; Baco, deus das vinhas, do vinho, da sensualidade; Ceres, deusa das flores e dos trigais: o étimo de seu nome ainda hoje permanece na palavra cereal. E, entre outros, Príapo, deus da fertilidade humana, pois o falo, tal como representado em Príapo, era indispensável à procriação. Hoje, já tem sido dispensado em algumas gestações.

A coisa mais parecida com o atual Carnaval, na Roma antiga, eram as saturnais. Tribunais, escolas, fóruns e outras instituições públicas fechavam as portas. O povo dançava alegremente ao lado de um barco que desfilava sobre rodas pelas ruas, o carrus navalis, carro naval. Desfilar é sair da fila, destacar-se dentre os demais. Parece forçada a etimologia que dá o Italiano para carnevale (de carne levare, porque, depois das festas do Carnaval, vem a proibição de comer carne…)

A Igreja pôs-se a organizar todas as festas pagãs, no século IV, depois que o Cristianismo foi aceito como religião oficial, disciplinando-as e por vezes deslocando-as, de acordo com os interesses dos novos donos do poder, dali por diante associados ao poder imperial de Roma.

O Carnaval foi uma das festas deslocadas. Realizado entre 17 e 23 de Dezembro, veio a ter lugar à entrada da quaresma, separado da festa do deus Solis Invictus, o Sol Invicto, que por sua vez foi substituída pelo Natal.

Os festejos autorizados pela Santa Sé eram realizados à entrada da quaresma e em algumas culturas, como na luso-brasileira, tiveram originalmente a variante de entrudo, do latim introitus, entrada. Isto é, entrada da quaresma.

No primeiro Carnaval autorizado pelo Papa, proliferaram as alegorias, as comparações, as corridas de corcundas e de anões, os atos de jogar farinha e ovos uns nos outros etc., que perduraram por séculos! A sátira também teve seu lugar. Rainhas, princesas e outras autoridades eram representadas por célebres beldades, como as prostitutas mais conhecidas e devidamente disfarçadas no meio de mulheres virtuosas, sem excluir os bobos da corte, também misturados a outros bobos, tratados como reis nos desfiles.

O Brasil faz o maior carnaval do mundo, e o Carnaval do Rio de Janeiro é anunciado como o maior espetáculo da Terra. Vemos também algumas influências do carnaval italiano de Veneza, principalmente com os seus bailes de máscaras, que escondiam a identidade das pessoas, que assim podiam ser o que quisessem. Não podemos esquecer que pessoa veio do latim persona e quer dizer justamente máscara.

O Carnaval brasileiro deve muito à Família Real portuguesa que para cá partiu em 1807, chegando em 1808. O povo adorava a monarquia e nos desfiles homenageava tanto os deuses pagãos, incluindo o rei Momo, como rainhas e princesas, misturando-os a divindades de diversas culturas.

A grande marca do carnaval é a inclusão social. Só fica de fora quem quiser. Todos estão convidados a festejar. Durante três dias (que no Brasil são cinco, pois as festas vão de sexta a Quarta-feira de Cinzas), o rico e o pobre, patrões e empregados, feios e bonitos, todos comportam-se como se fossem iguais.

Os meses que antecedem o Carnaval são de dieta para milhares de pessoas. Inverte-se o preceito: a abstinência precede o Carnaval! As lipos também. Na Quarta-feira de Cinzas, volta a realidade, que somente será abolida no próximo Carnaval.

Se os leitores são ateus, agnósticos, católicos, cristãos de outros ramos ou religiosos de outros credos,  isto não vem ao caso, pois só alguém sem cultura nenhuma deixaria de reconhecer que a civilização ocidental, para o bem ou para o mal, é herdeira de outras mais antigas, como a egípcia e a greco-romana, mas é principalmente judaico-cristã, e essas duas últimas estão presentes, explicita ou implicitamente, em usos, costumes, cerimônias, festejos, efemérides e, principalmente, nas palavras que proferimos ou calamos.

Deonísio da Silva é Diretor do Instituto da Palavra & Professor Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Humor é subversão. O resto é gracinha


O cartunista Bobby London

Por Edson Aran

Nós usamos a expressão “Indústria dos Quadrinhos”, mas nunca, jamais, “Indústria da Literatura”. Bem feito pra literatura. E bem feito pra todos os escritores que sofrem pela humanidade com o coração sangrando e o bolso vazio. Indústria pressupõe a existência de cliente, consumo, produção e, consequentemente, dinheiro. Mas nas HQs, como nos livros, quem fatura é o editor, claro.

“Popeye”, por exemplo, sempre pertenceu ao King Features Syndicate, o maior distribuidor de tiras do mundo e não ao seu criador, E.C. Segar. Segar morreu precocemente em 1938, aos 44 anos. Na época, Popeye já estava no cinema e também em vários produtos licenciados.


O King Features empregou o assistente de Segar, Bud Sagendorf, para cuidar do personagem, o que ele fez com muita competência. O Ota, cartunista, lendário editor do MAD e atual editor do selo Pixel, acha que o Popeye de Sagendorf é até melhor que o de Segar (eu não concordo, registre-se).


Em meados dos anos 80, Sagendorf já estava com 71 anos e a fim de se aposentar. O King Features precisava de alguém para substituí-lo. Depois de muita procura, acharam o cara, Bobby London. Era a escolha certa: um cara totalmente errado.

London era um cartunista underground e polêmico, colaborador da “Playboy” e da “National Lampoon” (uma das melhores revistas de humor da história americana). Mas muitas coisas contavam a seu favor. Ele tinha enorme carinho pelo personagem, era fã dos cartunistas clássicos e amigo de Sagendorf. Além disso, Popeye já estava em cena desde 1929 e certa dose de ousadia seria bem vinda. Certa dose.


London assumiu Popeye em fevereiro de 1986. Começou devagar, evitando histórias longas e fazendo piadas autocontidas de três quadrinhos. O trivial. Mas já no ano seguinte, ele decidiu fazer “sagas”, como as que E.C. Segar fazia, e a coisa ficou bem mais interessante. Bobby London investiu contra a especulação imobiliária, a vida corporativa, os marqueteiros, os ditadores, os conflitos no Oriente Médio e a MTV (era uma coisa importante na época).

Numa das histórias mais inspiradas, o ditador do Bananastan, um país do Oriente Médio, descobre que é dono de todo o petróleo do mundo, exceto da família Oyl (Olívia Palito é Olive Oyl no original). Ele sequestra Olívia e Popeye, claro, vai em busca na namorada. Mas para salvá-la, tem que enfrentar a CIA (que tem negócios escusos com o ditador) e protestos nos Estados Unidos, que começa a campanha “No blood for Oyl!”.

É claro que a brincadeira não podia durar muito.


O King Features começou a pressionar London para mudar o tom da tira. Como o cartunista se recusava a obedecer, o “sindicado” enviou “diretrizes” claras: Popeye deveria ter o visual e o tom dos anos 60 e, inclusive, usar o chapéu de marinheiro tradicional que tinha na época. Isso inspirou uma das histórias mais engraçadas de London, “Stupid Little Hat”, que começa com Popeye recebendo uma carta do Departamento de Licenciamento determinando que ele use o tal chapéu e faça piadas mais acessíveis.

O marinheiro passa então a pisar em ancinhos e se pendurar em abismos, enquanto perde o respeito até do seu bebê adotado, Gugu. Como a tira vai ficando, nas palavras de Popeye, “igual a todas as outras”, personagens do Recruta Zero começam a aparecer no meio da história! Desesperado, o marujo caolho troca o chapéu ridículo por uma boina e vira, imediatamente, um intelectual francês pernóstico.


Já era 1992 e o King Features achou que Bobby London merecia um pé na bunda. Antes de sair, no entanto, o cartunista ainda aprontou mais uma. É assim: viciada em teleshopping, Olívia começa a comprar tudo quanto é tranqueira, até adquirir, por um engano, um robô Bebê Brutus, que é uma peste. Popeye convence a namorada a se livrar do bebê, mas a conversa dos dois é ouvida pelo padre da cidade, que pensa que eles estão falando de aborto e inicia uma cruzada contra o casal. Era o que faltava para a demissão sumária de London.

A trajetória de Bobby London à frente de Popeye, que durou de 1986 a 1992, foi reunida agora em dois volumes bem cuidados da editora americana IDW. Foi o meu presente de natal para mim mesmo. Mas também tem um ótimo Popeye em português: “SuperPopeye”, da Pixel, editado pelo Ota, com histórias de Roger Langridge, o atual cartunista do personagem. Langridge não é London e nem Segar, mas é tão bom quanto Sagendorf, talvez até melhor.

Bobby London está do lado certo, do lado dos humoristas que jamais se rendem ao humor a favor ou ao “nada a declarar”. O cartum, afinal, é uma arte subversiva, como os bravos editores do Charlie Hebdo demonstraram.

Marcha da insensatez: redes sociais estão destruindo a sociedade civil


Por Euler de França Belém

Umberto Eco (1932-2016) disse que as redes sociais possibilitaram o surgimento – e quiçá uma hegemonia – de uma “legião de imbecis”. Antes, concentrados em bares, tomando vinho ou cerveja, “falavam sem prejudicar a coletividade. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. O escritor e filósofo italiano sugere que os jornais filtrem de maneira rigorosa as informações divulgadas nas redes sociais, porque, no geral, não são confiáveis.

O historiador escocês Niall Ferguson – autor de livros seminais sobre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, além de obras sobre a decadência do Ocidente (é autor de um livro heterodoxo no qual apresenta a tese de que o colonialismo não foi lucrativo para a Inglaterra. Trata-se de “Império – Como os Britânicos Fizeram o Mundo Moderno”, Crítica, 448 páginas, tradução de Marcelo Musa Cavallari) – segue o mesmo caminho de Umberto Eco, acrescentando sua própria interpretação. O professor de Stanford afirma que a polarização excessiva nas redes sociais está levando a sociedade “a um estado de declínio” que só pode ser qualificado de “incivilidade”.

Suas interpretações foram colhidas pelos repórteres Ana Paula Ribeiro e Gustavo Schimitt, de “O Globo”. “A minha preocupação hoje é que a sociedade civil foi tão erodida pelo advento das redes sociais que não podemos mais falar em sociedade civil. Os Estados Unidos se tornaram uma sociedade não civilizada. A polarização se tornou um veneno. Eu me pergunto se a civilização não está se tornando algo diferente, em uma não-civilização ocidental”, critica Niall Ferguson. No livro “A Grande Degeneração – A Decadência do Mundo Ocidental” (Planeta do Brasil, 128 páginas, tradução de Janaina Marcantonio), o autor não arrola as redes sociais como um dos fundamentos da ruína do Ocidente.

Dirigentes do Facebook e do Twitter não estão, sugere Niall Ferguson, minimamente preocupados com a extensão do dano que está acontecendo no tecido social. Quanto mais barbárie, produzida ou não pela tensão ideológica, mais pessoas circulam pelas redes, aumentando seus ganhos financeiros. “Uma das consequências das redes sociais gigantes é a polarização. As pessoas se agrupam em grupos de esquerda ou de direita. O que notamos é um maior engajamento em tuítes de linguagem moral, emocional e até obscena. As redes estão polarizando a sociedade, produzindo visões extremistas e fake news”, frisa o historiador.

Há quem compare Donald Trump a Ronald Reagan, a Bush pai e a Bush filho. Apesar das limitações dos três, notadamente dos dois Bush – Reagan revelou-se um estadista muito superior ao que esperava a intelligentsia internacional –, Trump é muito mais despreparado. Sua visão de política global é unicamente americana, não incorpora nem parte das ideias de seus “aliados”. Império que se comporta tão-somente como nação isolada, como Estado fechado, não tem futuro, às vezes nem presente. Por que um político com escassa visão mundial se tornou presidente dos Estados Unidos? É provável que as redes tenham contribuído para a vitória de Trump. Pode-se não gostar de Hillary Clinton, mas não há dúvida de que é mais qualificada do que o presidente republicano. A vitória de Trump resulta da hegemonia do provincianismo dos Estados Unidos – país que é, a um só tempo, cosmopolita e caipira.

A rigor, Niall Ferguson não discute isto, mas sublinha que a exposição de Trump era muito maior do que a de Hillary Clinton – inclusive em Estados considerados democratas. Tudo indica, portanto, que as redes sociais funcionaram, sobretudo para o candidato republicano. Niall Ferguson afirma que os analistas de campanhas eleitorais devem ficar atentos às redes sociais. Porque o comportamento dos candidatos, atraindo (ou não) seguidores e engajamento, pode ser decisivo no resultado do pleito.

Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, apresenta uma tese ligeiramente diversa da de Niall Ferguson. O professor diz que, mais do que incivilidade, a polarização está gerando insensatez nas redes sociais. “A tendência é que discursos exacerbados sejam favorecidos nas redes. E isso vai produzindo o efeito bolha: as pessoas que fazem parte delas dentro das redes são governadas por algoritmos e não pelo discernimento racional. O que é um paradoxo, porque tudo o que o Brasil precisa neste momento é de sensatez. Mas parece que os ventos favorecem a insensatez”, afirma o mestre. Não é uma visão apocalíptica, mas também não é integrada. É moderada.

Ao contrário do que diz Niall Ferguson, mais apocalíptico, Eugênio Bucci sugere cautela, pois não aposta que as redes sociais vão corromper a democracia no Ocidente. “As redes não podem ser definidas como mal absoluto. É bom lembrar que também representam um arejamento das democracias. E foram responsáveis por imprimir nova dinâmica nas relações entre a sociedade e o Estado”, pontua.

O professor Fabio Malini, coordenador do Laboratório de estudos sobre Internet e Cultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), corrobora a tese de Niall Fergunson. A incivilidade já predomina no Brasil, sobretudo no comportamento político (o que vai além do comportamento dos políticos). “A polarização é corriqueira na política. Mas, nas redes sociais, tem um modelo específico de atenção das pessoas que influi nisso. A proximidade tem sido a tônica de como algoritmos são construídos fortalecendo bolhas ideológicas, onde há atitudes impulsivas, que redundam em decisões emocionais.”

As redes sociais são incontornáveis, quer dizer, vão continuar (goste-se ou não, são positivas). O mais provável é que, após uma primeira fase como terreno da barbárie, retome o caminho civilizatório, abrindo oportunidade ao debate entre indivíduos que pensam de maneiras diferentes a respeito de política, economia, cultura e comportamento. Isto, claro, numa perspectiva otimista. No momento, tornaram-se frigoríficos de ideias, de comportamentos e de pessoas. Talvez não seja possível piorar.

sexta-feira, fevereiro 02, 2018

Anastasiya Kvitko, a Kim Kardashian das estepes


Por Paulinho Barcelona

Natural de uma região chamada Kaliningrado, enclave russo entre a Polônia e a Lituânia, à beira do Mar Báltico, a modelo Anastasiya Kvtiko cresceu em Miami, nos Estados Unidos, país para o qual se mudou com a família aos 10 anos de idade.

Dona de um corpo escultural, Anastasiya Kvitko não dispensa várias horas de academia diariamente e é figurinha carimbada nas praias da cidade para fazer seus ensaios de biquíni e maiô. Não, ela não tem namorado.

Aos 22 anos, a modelo russa começou a chamar a atenção mundial no Instagram, onde tem quase 3 milhões de seguidores, pelas poderosas curvas e a farta comissão de frente.


No seu país natal, ela está sendo chamada de “Kim Kardashian das estepes”. Se bem que ela é muito mais bonita que a notória barraqueira dos reality shows ianques.


A gata adora postar selfies mostrando os avantajados atributos que Deus lhe deu e já garantiu que vai entrar em campo, junto com seus conterrâneos, no dia em que os russos enfrentarem a Eslováquia.


Na verdade, a bela não faria feio nem como madrinha de bateria das escolas de samba tupiniquins. Alguns sites europeus já colocam a bela como a musa da Copa do Mundo de 2018.


Portanto, jogando em casa, Kvitko é uma séria candidata a arrebatar mesmo o título de musa da competição. E um bom motivo para você se endividar financeiramente, mas ir prestigiar a seleção canarinho. Quem sabe não esbarra com a gata em um dos estádios?


Falando nisso, quem o Brasil deve levar à Copa do Mundo para competir com a gostosona russa? A Anitta? A Lolo Todinho? O Pablo Vittar?…

Dê o seu palpite nos comentários.

Quatro modos engraçados do mundo acabar


Por Carlos Castelo

O físico inglês Stephen Hawking costuma dizer que não acredita em Deus. Para seus críticos, todavia, é Deus quem não acredita nele. Mesmo assim, uma opinião tão abalizada não pode ser ignorada por ninguém. Para uma das mentes mais celebradas da ciência contemporânea, o fim do mundo é favas contadas. E, por ele, contaremos essas favas em um futuro não muito distante.

As hipóteses pessoais do cientista são as mais alarmantes. Desde que a Humanidade tem menos de seis séculos para construir naves espaciais e escafeder-se daqui, até que o Planeta Azul virará uma bola de fogo até o ano de 2600. Sem falar numa tese não-confirmada de que o Homem seria substituído pelos bichos geográficos em menos de 15 anos, mas ainda é especulação do Reddit.

Pode até ser que essas profecias vinguem. Contudo, já começam a surgir correntes que veem nosso Apocalipse com mais desprendimento e até uma pitada de humor. Para esses cientistas, todos da Universidade da Jamaica, se o Homem é uma piada de Deus o seu fim também será hilário.

Conheça alguns dos possíveis cenários alternativos para o fim do mundo:

EPIDEMIA GLOBAL DE GONORREIA – Um dia, uma pessoa é picada no Brasil por um Aedes aegypti com gonorreia. Depois, esse indivíduo vira fonte de infecção para o Aedes aegypti no meio urbano. Os macacos também passam a desenvolver gonorreia e infectam mais mosquitos. Quando os indivíduos passam a adquirir gonorreia em níveis alarmantes, o Ministério da Saúde informa que os estoques de penicilina acabaram. A epidemia de gonococos se alastra, entra em Pedro Juan Caballero e de lá caminha para o restante das Américas. Em menos de seis meses, o mundo é um bas-fond de filme de faroeste.

INVASÃO DE GODZILLAS – Após uma sucessão de erros num laboratório do serviço secreto nipônico em Fukushima, os ratos-cobaias para experiências químicas transformam-se em Godzillas. Como possuem genes de roedores acabam multiplicando-se vertiginosamente e, em poucos dias, são milhões. Devoram a população japonesa, chinesa e coreana. Em seguida, dirigem-se ao Ocidente, comem o restante da população mundial e autoextinguem-se.

DESTRUIÇÃO PELO FLATO PRIMORDIAL – Em 2020, o rio Tietê é considerado o maior depósito de fezes do mundo. Numa manhã de janeiro, ao desembocar no oceano Atlântico, a massa fecal tromba com as águas salgadas e uma bolha de quilômetros de altura – chamada pelos cientistas da NASA de Flato Primordial – inicia seu périplo pelo planeta. Passa pela América Latina, América do Norte, Europa, Ásia, Oceania e Austrália sufocando as mais diversas populações com um bafio podre 117 vezes mais concentrado que o odor de um banheiro de rodoviária. Não há sobreviventes.

KIM JONG-UM – Em 2023, o ditador-mór Kim Jong-Un, decide fazer um míssil intercontinental atômico diferente: ele é o míssil. Encomendado aos cientistas do programa nuclear norte-coreano em 2019, o KJU-UM será uma versão bem mais destrutiva que o Taepodong-2, artefato balístico em três estágios criado no início dos anos 2000. O KJU-UM possui uma confortável cabine onde o líder máximo da Coreia do Norte o pilotará até os Estados Unidos. Ela é toda decorada com minions, personagens da Disney e smurfs. Ao receber o alerta de ataque nuclear iminente, o sucessor de Donald Trump – um caipira ultraconservador que governa do interior de uma gruta em Duluth – promove a retaliação com bombas de nêutrons em forma de donuts. Não há sobreviventes.


Carlos Castelo é um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. É autor de 10 livros que vão de crônicas a aforismos, passando por um romance policial e um infanto-juvenil. Também escreve crônicas e resenhas sobre livros na revista Bravo! e Ponto (Sesi-SP).

A grama do vizinho


Por Martha Medeiros

Há no ar certo queixume sem razões muito claras. Converso com mulheres que estão entre os 40 e 50 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem. De onde vem isso?

Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia: “Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro apartamento”. Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são, ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho.

As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim.

Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados. Pra consumo externo, todos são belos, sexys, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores.

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada/ todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”. Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia, e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta. Nesta era de exaltação de celebridades – reais e inventadas – fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas, tem.

Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia. Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé? Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista.

As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento.

Não existe dia ruim


Por Fabricio Carpinejar

Não existe dia ruim. Sempre há chance de o dia ser feliz. Mesmo que seja tarde. Mesmo que seja de madrugada. Uma gentileza salva o dia. Um bife à milanesa salva o dia. Uma gola branca e engomada salva o dia. Uma emoção involuntária salva o dia. Nunca o dia está inteiramente perdido. Não devemos acreditar que uma tristeza chama a outra, que se algo acontece de errado tudo então vai dar errado. Lei de Murphy não foi aprovada pela Câmara dos Deputados.

Confio no improviso, na casualidade, no movimento das cortinas na janela. Até o último minuto antes da meia-noite, você pode resgatar o contentamento. É uma gargalhada do filho diante da papinha, transformando a cadeira num imenso prato. É algum amigo telefonando para confessar saudade. É sua mulher procurando beijar a orelha mandando sinais de seu desejo. É o barulho da chuva na calha, é o estardalhaço do sol na varanda. É encontrar – iniciando na tevê – um filme que adora e já assistiu cinco vezes. É oferecer colo ao seu gato. É planejar uma viagem de férias. É terminar um livro que abandonou pela metade. É ouvir sua coleção de LPs da adolescência. É comprar uma calça jeans em promoção. É adormecer no sofá e receber a coberta silenciosa de sua companhia. É a possibilidade feminina de passar um batom e pintar as unhas. É possibilidade masculina de devolver a bola quando ela sobe a cerca num jogo de crianças A felicidade é pobre. A felicidade precisa de apenas um abraço bem feito.

Sigo esperançoso. Não coleciono tragédias. Sofro e apago. Sofro e mudo de assunto, abro espaço para palavras novas, para lembranças novas. Vejo o esforço da abelha tentando sair do vidro, e não sou melhor do que ela. Vejo o esforço da formiga carregando uma casca de laranja, e não sou melhor do que ela. Viver é esforço e nos traz a paz de sonhar – querer não fazer nada é que cansa. Não existe dia que não ganhe conserto. Não existe dia morto, dia de todo inútil. Não desista da alegria somente porque ela se atrasou. Pode ter recebido esporro do chefe, ainda assim a hora está aberta. Comer um picolé de limão é capaz de restituir sua infância. Não encerre o expediente com o escuro do céu. Pode não ter grana para pagar as contas e ter que escolher o que é menos importante para adiar, ainda assim é possível se divertir com o cachorro carregando seu chinelo para o quarto.

Quando acordo com o pé esquerdo, sou canhoto. Não existe dia derrotado.

quinta-feira, fevereiro 01, 2018

Woody Allen contra o novo macarthismo


Por Edson Aran

Em dezembro de 2017, a revista americana “The Hollywood Reporter” publicou um textão da crítica de cinema Miriam Bale no qual ela conta, orgulhosa, que nunca mais verá um filme de Woody Allen na vida. Esse tipo de atitude jamais daria certo em outra área do jornalismo. “Sou torcedor do Corinthians e não assisto mais jogo do Palmeiras, valeu, chefia?!” Demissão, né?

No entanto, no mundo festivo do jornalismo cultural, o mimimi infantiloide da moça foi legitimado pela “The Hollywood Reporter” e diversas outras revistas e jornais que reproduziram o chorume sem qualquer ponderação.

No dia 4 de janeiro foi a vez do Washington Post publicar um ensaio rasteiro de um tal Richard Morgan (who?), que revira arquivos do diretor (projetos não filmados, anotações etc) para formular a tese de que toda obra de Allen gira em torno da “mulher objetificada pelo homem”. A Ilustrada republicou o texto.

“Zelig” não é isso. “A Rosa Púrpura do Cairo” não é isso. “Crimes e Pecados”, “Memórias”, “Celebridades”, “Annie Hall”. Nada disso é isso. Mas certamente Morgan, como Miriam Bale, não se deu ao trabalho de ir ao cinema antes de batucar no teclado.

Woody Allen e Mia Farrow ficaram juntos por 12 anos. O fim do relacionamento foi dramático. Allen se comportou como um dos seus personagens inconsequentes e trocou Mia por Soon Yi-Previn, filha adotiva da atriz com o ex-marido dela, André Previn. Foi só o começo da baixaria.

Moses Farrow, filho adotivo de Allen e Mia, ficou do lado do pai. Ronan Farrow, filho legítimo do casal, ficou do lado da mãe. Ronan, jornalista do “The New York Times”, tornou pública a denúncia de Dylan Farrow, outra filha adotiva do casal, que afirma ter sido molestada por Allen quando tinha 7 anos. O diretor argumenta que Dylan foi manipulada por Mia e Ronan para inventar a história. O filho Moses concorda com ele. Mia Farrow, por sua vez, também sugeriu que Ronan não é filho de Woody Allen, mas sim de Frank Sinatra, com quem ela foi casada nos anos 1960 e sempre manteve relação próxima.

Alguns dos mais brilhantes filmes de Woody Allen e Mia Farrow foram resultado da parceria entre eles. É uma pena que a relação dos dois tenha virado uma novela vagabunda e esteja de novo na mídia, catapultada pelas recentes denúncias de assédio sexual em Hollywood. É preciso lembrar, no entanto, que o “Caso Woody Allen” é completamente diferente da história de Harvey Weinstein, por exemplo. O produtor usava o poder para constranger atrizes a fazer sexo com ele. Isso é criminoso. Já Allen, até onde se sabe, nunca fez nada parecido. O repúdio a ele nasce das alegações de Mia Farrow por conta da separação.

A atriz Mira Sorvino escreveu carta lamentando ter trabalhado com o diretor em “Poderosa Afrodite”, que deu a ela o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante. Greta Gerwig (“Para Roma com amor”) fez o mesmo e Rebecca Hall (“Vicky Cristina Barcelona”, indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme) seguiu o exemplo. Muitas outras foram atrás.

Em 26 de janeiro, o musical “Tiros na Broadway” foi cancelado em Nova York. Em 28 de janeiro, o New York Times fez artigo declarando que a carreira de Woody Allen está acabada. A Ilustrada reproduziu o texto. Já não se trata mais de denúncia, isso já ficou para trás. O que existe agora é uma campanha organizada para que o diretor nunca mais consiga filmar.

A crítica de cinema Miriam Bale, assim como o ensaísta Richard Morgan, têm todo o direito de se comportarem como noveleiros e torcer pelo personagem favorito deles na trama. O que não podem, penso, é destruir a obra do diretor e serem aplaudidos por uma mídia que deveria ser mais responsável.

Mas a verdade é o que “The Hollywood Reporter” nunca foi responsável. A publicação praticamente iniciou o “macarthismo” em 1946, quando listou 11 comunistas que deveriam ser expulsos de Hollywood. Entre os denunciados estava o celebrado roteirista Dalton Trumbo. Foi essa lista que incentivou o senador republicano Joseph McCarthy a iniciar uma “cruzada” para banir os socialistas da indústria do cinema.

O movimento feminista #MeToo, que começou com os mais nobres objetivos, evoluiu rapidamente para algo muito semelhante ao macarthismo. E não sou eu quem está dizendo isso. Alec Baldwin e Liam Neeson já falaram a mesma coisa. Catherine Deneuve e Brigite Bardot também.

Multidões de linchadores nunca estão com a razão. Jamais. Em hipótese alguma. Isso é básico numa sociedade civilizada. Mas a mídia, que deveria interditar a barbárie, é a primeira a fazer festinha pra ela. E depois ninguém sabe porque revistas e jornais agonizam.

Eu, de minha parte, vou continuar vendo tudo o que Woody Allen dirigir e escrever. Um dos maiores cineastas da história tem muito mais a me dizer que a revista “The Hollywood Reporter”.

Na verdade, ele tem muito mais a dizer do que a maioria do jornalismo cultural produzido no mundo (o mundo inclui o Brasil).

O amor e a medalha de ouro


Por Sílvio Lancellotti

Dia 20 de outubro de 1964. Finais dos 800 Metros, para mulheres, no Atletismo dos Jogos de Tóquio, Japão. Não disputariam a decisão as duas grandes favoritas – a norte-coreana Dan Shin-geum, recordista planetária, 1’58”0, que não se inscrevera na competição, e a australiana Dixie Willis, acometida de uma hepatite. Imediatamente se tornou favorita a francesa Maryvonne Dupureur – que, nas eliminatórias, estabelecera um novo primado olímpico: 2’04”1.

Ninguém acreditava na britânica Ann Packer, prata nos 400 Metros, a sua melhor prova, dia 17 de outubro. Desanimada com a segunda posição, ciente de que seria apenas uma figurante nos 800, Packer chegou a anunciar que desistiria de correr a decisão – preferia fazer compras, com o noivo Robby Brightwell.

No dia 19, porém, Brightwell fracassou nos 400 Metros, para homens, apenas um quarto lugar. Igualmente desalentado, informou que não integraria o revezamento de 4 X 400, dia 21, caso Ann Packer abandonasse os 800. E, num pacto de amor, Packer mudou de ideia, exclusivamente para que Brightwell ainda tentasse a sua medalha.

Tal como era previsto, a francesa Maryvonne Dupureur liderou tranquilamente os 800 – até a entrada da última reta, cinco passos de vantagem sobre Ann Packer. A britânica, no entanto, reagiu e levou o ouro, com boa folga.

No dia 21, o revezamento de Brightwell ficou só com a prata, atrás dos Estados Unidos. De todo modo, miss Packer, charmosamente, presenteou o seu noivo com a sua medalha dos 800. E os dois pombinhos foram felizes para sempre.

Festival de marchinhas da Banda do Jaraqui será nesse sábado


Como já acontece há quatro anos, o IV Festival de Marchinhas da Banda do Jaraqui vai acontecer no próximo sábado, dia 3 de fevereiro, a partir das 12h00, no Ao Mirante Club, localizado na Rua Padre Agostinho Caballero Martin, em frente à Câmara Municipal de Manaus.

Durante o evento será realizada a escolha da melhor marchinha de carnaval da banda, versão 2018, que tem se destacado na imprensa e nas mídias sociais pela irreverência dos compositores que, em sua maioria, fazem pesadas críticas aos políticos corruptos.

Nessa edição, a banda vai fazer uma homenagem ao ex-secretário de Saúde, Henrique Melo, fundador e grande incentivador do Festival de Marchinhas da Banda do Jaraqui, que faleceu em julho passado.

De acordo com Paulo Onofre, coordenador do Festival de Marchinhas e da Banda do Jaraqui, as marchinhas deste ano já ganharam as paradas de sucesso nas rádios e nas mídias sociais, com alto índice de visualizações.

“As nossas marchinhas já foram, inclusive, tocadas na Rádio Wfar, prefixo 93,3mhz, de Miami, no programa Conexão Brasil, de Max Hamoy, radialista obidense, radicado há vinte anos nos Estados Unidos. Já convidamos a maioria dos jurados, dentre os quais, professores de música, radialistas, jornalistas, professores, poetas e colunistas sociais, dentre outros jurados ligados à cultura, para julgar a marchinha vencedora. Vamos botar a boca no trombone, literalmente”, avisa Paulo Onofre.

A realeza e o nobre esporte bretão


Por Marcos de Vasconcellos

Em novembro de 1968, a Rainha Elizabeth II e o Príncipe Consorte visitaram o Brasil. Desse evento, acionado por razões políticas e sobretudo comerciais, restaram algumas histórias auriverdes, sendo que uma delas exemplifica o carinho e o respeito que o real marido da coroa inglesa dedica aos bolivianos, como somos entendidos pelo Presidente Reagan.

Numa das inúmeras recepções ao reverenciado e ilustre casal, regurgitando cinderelas e príncipes locais metidos nas melhores roupinhas e conduzidos pelas melhores abóboras, o Príncipe brandiu a torto e a direito sua famosa língua de cobra.

Aproximou-se um general miudinho para as apresentações do protocolo. O peito do militar era uma superfície inteiramente coberta de crachás, mais medalhado que dez Napoleões, atestado de cem batalhas de Itararé, cumpridas e vencidas. Comentário de Philipe, Duque de Edinburgo:

– As próximas o senhor terá que pendurá-las nas costas...

No programa real dos visitantes, constava a fatal ida ao Maracanã, para a fatal partida entre paulistas e cariocas. O Itamaraty iniciou a difícil busca de um cavalheiro que conhecesse fluentemente a língua inglesa, que fosse bem-nascido, comedido, conciso e que manjasse de futebol. Escolhido: Manuel Bernardez de Thormes Muller, ou Maneco Muller, ou, ainda, Jacinto de Thormes.

Maracanã entupido, começa a partida, em homenagem aos soberanos A seleção paulista, tendo como base o Santos de Pelé, e a carioca, o Botafogo de Gérson. Juiz: Armando Marques que, logo no início, foi brindado com seu insulto predileto, esgoelado por milhares de torcedores:

– Bi-cha! Bi-cha! Bi-cha!

Elizabeth II quis saber o que tanto gritavam e Maneco driblou o que pôde para evitar a tradução literal.

Nessa altura, aproxima-se solícito, atropelando o cicerone brasileiro, o embaixador de Sua Majestade e, querendo mostrar serviço e intimidades com a Corte, praticamente ajoelhou-se e traduziu o “bicha” ao pé da letra. Deu-se mal a cariocada. A rainha ficou uma arara e o trêfego representante diplomático esgueirou-se, rabo entre as pernas, e sumiu de vista.

É rotineira a fixação de placas de bronze numa dependência nobre do Maracanã, comemorando qualquer coisa de importância e não poderia ser diferente com a visita das duas majestades. A placa, onde figuravam os reais perfis, tinha um listão de autoridades brasileiras, (que provavelmente já não mais o são há tempo) que insistiram em aparecer junto às outras excelências.

É rotineira a remoção das placas tão logo os seus motivos cessem. Essa, a da Rainha, já está no vinagre há muito tempo, assim como está no vinagre dela as lembranças do Brasil.

Para encerrar a tal visita, que já é tarde.

– Qual a diferença entre o futebol inglês e o brasileiro? – quis saber a monarca, em adrede questionamento preparado pelo protocolo.

Maneco, à La Fontaine, explicou:

– Os jogadores ingleses jogam o futebol-força, viril, para nós até truculento. São touros (bulls). Os nossos jogadores são mais dançarinos, mais leves, preferem se insinuar a combater corpo-a-corpo. São parecidos com cobras (snakes).

Hora depois, Maneco ouviu a monarca repetir-lhe o comentário, fingindo conhecer o esporte, esquecida que era de autoria do tradutor.

Essas realezas não prestam atenção a ninguém.